AQUELA PESSOA
Era final de tarde, eu estava com os olhos levemente pesados, o dia tinha sido cansativo, meus pensamentos estavam vagando num abismo infinito, pensava em tudo e nada ao mesmo tempo. Pela primeira vez estava tentando não ter aqueles mesmos pensamentos que costumava ter nessa hora do dia, por alguns instantes consegui, até que uma pessoa entrou e seus olhos congelaram nos meus, a música que eu ouvia no momento sumira, como se todos os meus sentidos estivessem focados naquele olhar, tão meigo e provocante. A pessoa então se sentou alguns metros atrás de mim, e o veiculo continuou sua viagem. Meus sentidos voltaram, a música começou a aumentar lentamente em meus ouvidos e o veiculo continuava a andar. Naquele momento aqueles pensamentos começaram a voltar, sim, os mesmos pensamentos que poucos minutos atrás eu estava conseguindo evitar. E junto com aqueles pensamentos vinham vários sentimentos como sempre: um pouco de dúvida, liberdade, prazer, emoção, culpa, satisfação, alegria, pesar... Era uma mistura que me intrigava. Por que todo dia neste mesmo horário e neste mesmo veiculo tinha eu tais pensamentos? E como aquela pessoa com aquele olhar meigo e provocante me fizera ter estes pensamentos? Perguntas que poderiam ser respondidas por aquela pessoa... Será? O veiculo então chegou ao seu ponto final, eu me levantei, apanhei minha mochila, joguei-a nas costas, e de repente quando olhei para o lado aquela pessoa estava novamente com seu olhar congelado em mim! Aquela pessoa me olhava dos pés a cabeça, como se estivesse fazendo um check-up, olhava para mim com sede! Aquilo me deixava em dúvida, ao mesmo tempo eu gostava de ser olhado por aquela pessoa, mas também me fazia sentir culpado por ter tais pensamentos. Eu reparei suas vestes, eram bem cuidadas, e de muita utilidade naquele clima que deixara minhas mãos tão duras e gélidas, eram até parecidas com as que eu estava usando, só que de cores diferentes. Então a porta do veiculo se abriu, eu rapidamente saí, rumo ao meu destino, e aquela pessoa também, não trocamos mais olhares e eu não tive mais divergência de pensamentos, cada um para seu lado. Assim acabaria? Depois de tantos olhares, sentimentos e pensamentos? Talvez sim. Olhei para trás novamente, aquela pessoa já estava longe, parecia que, assim como eu, também tinha sua hora e seguiu seu caminho. Eu me conformei e segui. Atravessei a ruela ouvindo meus sons, sem nada para pensar, apenas querendo chegar o quanto antes no meu destino e assim finalizar as atividades daquele dia. Nesse caminho avistei algumas pessoas, alguns irmãos, outros casais, outros da lei, outros fora da lei, mas nenhuma era igual àquela pessoa... Eu então cheguei num cruzamento, esperando a hora de atravessar, quando de repente, sim, aquela pessoa, a mesma que me fitou fixamente com os olhos e me fez ter uma explosão de pensamentos e sentimentos, a mesma que usava vestes semelhantes as minhas, surgira do meu lado! E como sempre, olhando para dentro de meus olhos, me deixando nervoso e me fazendo ter uma mistura de sensações. Mas dessa vez fora mais intenso, aquela pessoa estava mais próxima de mim, estava quase sorrindo para mim, estava quase falando comigo! Naquele momento minha face ficou congelada, não sabia o que fazer. Não conseguia sorrir, não conseguia falar, mas, meus batimentos estavam tão intensos que acabei deixando isso transparecer um pouco. Então o sinal abriu, eu rapidamente atravessei o cruzamento, andava tão rápido que estava quase correndo! Estaria eu fugindo daquela pessoa? Meu coração estava batendo cada vez mais forte, não sabia se estava acelerado pelo fato de andar rápido ou por estar com a sensação de estar sendo olhado... Eu sentia naquele rápido andar seu olhar, mesmo não conseguindo ter a visão daquela pessoa sentia seu olhar me queimar pelas costas, o que me fazia andar mais rápido e que a cada passo deixava meu coração mais acelerado. Cheguei por um momento imaginar aquela pessoa me abordando e me dizendo um meigo e singelo “oi”, mas eu estava tão ofegante e ansioso que não conseguiria nem dizer meu nome ou um simples cumprimento. Foi então que acelerei mais ainda, e foi neste momento, quando meus passos aceleraram, quando eu passei rapidamente por um grupo de cinco amigos da mesma tribo, que eu senti, senti que seu olhar não estava mais em mim, não sentia mais aquele calor, não sentia mais seu olhar... Eu então comecei a diminuir os passos, comecei a relaxar, e junto com o andar calmo vieram também os pensamentos. Por que eu fugi? Por que não parei e não esperei sua abordagem? Por que não conseguia nem sequer retribuir seu sorriso ou até mesmo seu olhar quente e provocante? Minha cabeça ficou confusa por um momento, ao mesmo tempo deveria ter falado com aquela pessoa, e ao mesmo tempo nunca deveria ter olhado para ela. Eu então cheguei ao meu destino, minha passagem por lá foi breve, vi três meninas engraçadas e bonitas, vi também dois homens de roupa social que guardavam o lugar. Fiz o que deveria ser feito e saí de lá. Eu me encontrava novamente no mesmo caminho que fizera para chegar até ali, na esperança de encontrar aquela pessoa. Caminhei até ao cruzamento, olhei para todos os lados, olhava todas as pessoas que passavam por mim, esperando ser uma delas aquela pessoa, mas meu esforço foi em vão, para todo lado que eu olhava nada enxergava. Naquele momento tudo ficou cinza, não tinha nada e ninguém, eu queria apenas encontrar Aquela Pessoa... Entrei novamente no grande veiculo, seguia desta vez rumo a minha casa, meu destino final. No caminho de volta, não teve um segundo em que eu não pensava no que tinha acontecido, não conseguia olhar nada e ninguém, estava cego em meus pensamentos naquela pessoa. Foi então que um sentimento de pesar em forma de perguntas, com poucas repostas e certezas, apoderou-se de mim: Por que eu não falei com aquela pessoa? Seria medo? Vergonha talvez? Mais acima de tudo, será que era o que eu queria? Eu digo, sim! Era o que eu mais queira! Quando terei outra oportunidade de encontrar aquela pessoa novamente? Será que nunca mais te veria? Talvez... Agora as únicas coisas que me faziam lembrar aquela pessoa, os únicos detalhes que marcaram o meu encontro com aquela pessoa, eram meus pensamentos, sentimentos, sensações e suas vestes. Suas vestes eu nunca vou me esquecer...
Rangel Amon