DESERTO
Estava dia, eu tivera andado mais do que aguentava, se aventurar naquele deserto não foi uma boa ideia. Ele era grande, no horizonte eu não via nada mais do que areia. Mas o que me fizera adentrar nele não fora o calor, nem a extensão dele, e sim a areia, nunca tivera visto coisa igual, era de uma cor roxo-azulada, que passava a sensação de frescor, quando olhei não resisti e tive que seguir em sua direção, mas creio que não fora uma boa ideia. A sensação de frescor daquela areia não passava de uma ilusão, aquele deserto era mais quente que o próprio fogo. Aquele calor que te consumia silenciosamente... Ao menos eu tinha minha criatura comigo, meio desajeitado e bizarro, sempre estava ao meu lado. Ele era algo parecido com um macaco só que sem pelos, e possuía uma cabeça enorme com um pequeno bico no meio de seu rosto, o que fazia dele um companheiro silencioso. Mas o que eu mais gostava nele era de seu olhar, aqueles grandes olhos azuis, igual aos de uma pessoa. Eles eram grandes, brilhavam, pareciam duas grandes bolas de vidro em sua enorme cabeça. E aquele olhar, que me confortava, era um dos motivos que me fazia seguir em frente. Estávamos exaustos, quase sem forças, meu companheiro me olhara com desânimo, estava também quase sem forças. Mas, de repente um forte reflexo ardeu em meus olhos fechados e cansados. Eu não entendera de onde vira aquele reflexo, as pedras que tinham no deserto não seriam capazes de refletir a luz do sol, elas eram brutas e maciças, e não seriam capazes de tal façanha. Eu então, com minhas últimas forças, me levantara para descobrir de onde vira aquela estranha luz. Eu e meu companheiro seguimos em sua direção, e nos deparamos com um espelho. Ele era grande, chegava a uma altura a qual eu nunca imaginara que espelhos podiam alcançar. Ele tinha também uma bela moldura a sua volta, toda trabalhada com pequenos pedaços de cristal e folhagens verdes, o que fazia uma linda luz naquele deserto quente e azulado. Eu e meu companheiro ficamos observando nosso reflexo diante daquele espelho, era um espelho normal, não tinha nada demais nele. Pelo menos pensara assim. Meu companheiro ficara congelado olhando aquele espelho, estava ao meu lado sem reação, imóvel,Eu não entendera o porquê da reação dele. Foi então que num rápido movimento ele me chutou em direção a aquele espelho, e eu adentrei nele! Eu mergulhei em um novo horizonte, um novo lugar, um outro mundo! Eu estava agora em uma linda floresta, fresca e verde. Ao meu lado tinha um pequeno lago espelhado com pequenos peixes amarelos nadando em perfeita sincronia. No alto eu podia ver pássaros em forma de livros voando livremente pelo céu azul. Eu tivera encontrado um verdadeiro paraíso! Finalmente ia poder descansar e me libertar daquele deserto roxo-azulado. Mas minha felicidade ainda não estava completa, eu tinha que desfrutar de tudo aquilo com meu companheiro. Quando eu olhava para traz me deparava com o mesmo espelho visto no deserto, alto grande e refletindo meu rosto cansado e deprimido, eu não encontrara meu amigo. Foi então que, com receio, coloquei minha cabeça no espelho e mergulhei novamente ao deserto. No horizonte bem longe eu o vira, meu companheiro. Com sua capa vermelha e marrom toda suja e gasta. Não entendera o motivo de ele não entrar comigo naquele lindo cenário verde e fresco. Eu o chamara com força, gritei o mais alto que podia! Ele olhou por cima dos ombros e correu em minha direção, veio numa velocidade a qual nem eu sabia que ele era capaz de atingir, e num piscar de olhos ele estava na minha frente, com aquele olhar... Ele começou a me empurrar para dentro do espelho novamente desesperado! Eu segurei seus braços e perguntei por que ele não vira comigo, ele então se acalmou e com um triste olhar se aproximou do espelho e tocou-o com a ponta do dedo. Nesse momento quisera eu não ter lhe perguntado nada, a cena que vi ficou para sempre gravada com remorso em minha memória... Aquela cena, tão terrível... No momento em que ele tocou o espelho foi como se seu coração instantaneamente parasse de bater! Como se isso não bastasse ele começou a desintegrar, pouco a pouco: primeiro a sua pele caiu, depois seus músculos depois seus ossos e assim até sumir e virar pó. Eu nem pudera me despedir dele! Recordar-me-ia apenas de seu olhar antes de sua dolorosa morte e ficaria também com suas vestes para recordação. Eu não soube mais o que fazer, pela primeira vez em minha vida estava sozinho, estava sem nenhum companheiro silencioso ao meu lado, sem ninguém para dividir as aventuras, sem ninguém... Eu pegara suas vestes e amarrara em meu corpo, peguei dentro de minha bolsa um pequeno machado de prata e comecei a quebrar aquele terrível espelho! Mesmo não sendo capaz de destruí-lo pude deixa-lo rachado e inútil, agora ele não passava de um grande e alto espelho no meio de um deserto, se tornara inútil, sua magia se acabara. Eu peguei minhas coisas levantei e continuei minha jornada rumo ao infinito, queria saber até onde o restante de minhas forças podiam me levar, e até onde eu conseguiria chegar, apenas aguardando a hora de ser consumido pelo deserto.
Rangel Amon