Nossa Senhora do silêncio

E Subiu as escadarias da universidade, com a atenção desviada dos coloridos anúncios a gritar nas paredes, dos burburinhos corriqueiros e das pessoas transitando para cima e para baixo, preocupadas – ou não – com seus horários e aulas. E não que pensasse em algo específico, mas também, não pensava em nada concreto.

Movia-se como num modo piloto automático, seus pés, ao contrário de sua cabeça, sabiam exatamente aonde ir. E foi assim que chegou ao último andar, uma espécie de terraço. A brisa fresca de uma nova estação que chegava soprou em seu rosto, carregada dos aromas do outono, misturada com os aromas urbanos e, como já vinha em todo seu percurso a ignorar tudo e todos a sua volta, nem se deu conta de qual corredor pegar para chegar a seu destino, os pés renderam-se ao devaneio do cérebro e assim, simplesmente passou pelas mesinhas brancas apinhadas de gente conversando animadamente e pelas mulheres com aventais e redinhas de cabelo a fazer lanches e cafés. O espaço mesclava-se cheio de vida, conhecimento, cultura e futilidade, os quais contrastavam-se uns com os outros, simultaneamente, enquanto pessoas de um lado preocupavam-se com obrigações diversas, outras preocupavam-se apenas com a hora de ir embora dali. Não se pode dizer, porém, que todas elas eram assim tão diferentes, pelo contrário, havia algo que as unia como todas pertencentes a algo. Todas elas – Cultas ou Fúteis – estavam mergulhadas, e se pode até dizer, alienadas em suas tecnologias, cada uma dentro de seu mundo tecnológico virtual, para elas absolutamente natural.

Justamente por ser tão natural, ao ver aquele transeunte de olhos perdidos a passar como se nada existisse, uma questão surgiu, mesmo que inconscientemente na cabeça de muitos, quase como se fosse um pensamento à parte, porém ligados uns nos outros por algum plano mental comum: “Seria este ser um de nós?”

E Realmente como se pertencesse mesmo a outro plano, outro mundo, ao cruzar as pessoas, as mesas, os vasos de plantas e sair para a noite, esbarrou aqui e ali em corpos apressados, que ora reclamavam, ora ignoravam e ora também nem se haviam percebido esbarrar, pois as telas brilhantes de seus celulares pareciam impedir que o mundo de fora entrasse de qualquer modo. Sendo assim, a pergunta surgiu outra vez inconsciente na cabeça dos passantes: “Seria este ser um de nós?” e mais: “O que faz aqui?”, “Por quê?”, “O que quer?”, “De onde veio?”, “para onde vai?”

As respostas vieram - mesmo sem as perguntas terem sido feitas – quando a viu. E soube naquele instante que não iria a lugar nenhum. Esqueceu que vinha de lugar algum. Sua vontade e razão eram movidas agora apenas por ela, que brilhava majestosa, como uma esfera preenchida por prata líquida cintilante. Todos os sons do mundo foram abafados, e reinou o silencio dessa senhora, bloqueando seus sentidos, fazendo um contraste gigantesco em seu íntimo com o real e o ilusório, então já não sabia nem que precisava de ar para sobreviver, nem que pisava ainda em concreto, nem que estava a cinco andares do chão e nem que sua lua era rodeada pela floresta de concreto a qual chamavam cidade. O som das perguntas e até afirmações eram agora insignificantes e apenas ressonavam no fundo como o ronronar de um gato que caminha longe... “Seria este ser um de nós?” “Não faço ideia se este ser é um de nós... onde ele pensa que está?”.

Seus pés moveram-se em direção a ela, mas um faísca diminuta do mundo real lembrou-lhe que ainda existia matéria, espaço físico, quando bateu com a face na grade quadriculada, e num pequeno vislumbre lembrou que daquele mesmo lugar já viu inúmeros pôr do sol alaranjados e quadriculados pela grade, e certas vezes bloqueados pelos prédios altos. Mas não a sua senhora do silêncio, ela brilhava sem nenhum obstáculo, nem sequer as nuvens a tocavam, e as estrelas pareciam mover-se, como que para deixar o céu apenas para ela brilhar, como se seu brilho fosse insignificante perto dela.

Não se sabe quanto tempo passou ali a contemplar e a tirar fotografias de sua Lua, sua, somente sua. A tecnologia serve para algo afinal... Eternizou sua senhora em poesia e fotografia, na mente e na câmera, pois o medo lhe consumia, o medo de não vê-la de novo. E como aquilo tudo pareceu loucura às pessoas, aos conhecidos que lhe dirigiam a palavra mas que não recebiam retorno.. E perguntaram-se novamente “Seria este ser um de nós?”.

Em meio a perguntas, devaneios e poesia as horas passaram como num segundo apenas e, obrigado a voltar à realidade, aquele ser apaixonado foi acordado por um segurança a dizer que tinha de ir para casa, pois a universidade estava a fechar, e quando olhou em volta, não havia mais nada a não ser mesas vazias e um silêncio, agora não só da Lua, mas de todo um ambiente vazio. E as perguntas já não mais existiam, e o devaneio se dissipou, logo, teve que se despedir de sua senhora, e pediu desculpas então ao segurança e encaminhou-se de volta para o seu mundo real.

Luna Íkaros e Christianne Neves
Enviado por Luna Íkaros em 15/04/2014
Código do texto: T4770216
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