,VIDA  DE  CAIXÃO  
                                                                              N                                 Prof  Paulo  Carneiro
                                                                           Morei num caixão. Daqueles que mais se pareciam a catacumbas abandonadas dias antes da reforma de finados.
V Prédio descascado, piso escancaradamente remendado, como um texto parecido com tiras de esparadrapo, como este aqui, contruído através de frangmentos  de palavras ...
Aqui e acolá, touceiras de capim  marcavam sua presença, tomando conta daquilo que no passado fora um jardim...
Portifólio vegetal do abandono, cão sem dono,educação brasileira, salve-se quem não puder...
Das janelas; roupas palidamente tremulando e realçando aos ventos os varais improvisados. Os apartamentose divididos em imprensados situados do térreo ao 1º andar.
[Nada pior. Afinal! Este foi o leito permitido para acomodar, descansar e talvez, curar as dores das dores genéricas.
       Olhando-se a paisagem privilegiada da janela do quarto, observava-se outro caixão da janela de frente, e outros e mais outros ... das demais janelas também. “Não tinha boquinha”!
       Que fazer então? De repente a decisão. Mudança de panorama!ÌComprar diversos quadros contendo imagens para diversificar o olhar e modificar a rotina : Águas do mar, a serenidade do luar, nuvens deslizando em forma de algodão, peixes deslizando, frutos apetitosos, baianas fogosas, comidas tropicais ao léo, os carnavais, as igrejas de prontidão, o andarilho com o saco nas mãos, a moça escolhendo sapatos, os gatos em caça constante, o cavalo selvagem rasgando os ventos, cenas diversas do folclore regional ... Pronto! O meu caixão também era um museu de exposição de imagens. Vamos nos organizar ...
       Lugar onde condomínio é sinônimo de blasfêmia, nada de despesa fora do estritamente necessário ... só que na hora do “pega pra capar” o espírito solidário era ponto de honra entre os resistentes residentes que  aos trancos e barrancos, transformam-se em verdadeiros soldados do bem em comum. Foi assim quando surgiu a ideia de pintar o prédio. De vez em quando, aparece para a satisfação de muitos um  boato a respeito de uma festa, sob o pretexto de um aniversário qualquer, onde aparecem  convidados com características bem distintas : Uns com a cara de condenados a passarem o resto da vida pagando pela ousadia de terem adquirido um  imprensado junto ao complexo imobiliário, outros com a cara de “manguaça” pelas noitadas etílicas, contentam-se em ingerir alguns goles de cervejas e anunciarem seus feitos no trabalho. Algumas crianças em correrias e sorrisos constantes espalham aos gritos o prazer do encontro, principalmente na hora do parabéns. As mulheres cheirosas e arrumadas desfilam seus saltos, decotes e chapinhas com ares de princesas. Terminada a brincadeira, no dia-a-dia,  todos terão iguais direitos a desfrutarem dos mesmos pesares; sauna natural provocada pelo calor intenso dentro de casa, e a experimentarem como estímulos, os choques elétricos resultantes da incoerência em tentarem tomar banho quente numa temperatura capaz de fazer urubu voar com uma asa e abanar-se com a outra. Final de semana, nas rodas de mesas dos bares vizinhos, costuma-se ouvir  discursos de ufanismo e contentamento pronunciados por um ou mais oradores que quase sempre estufam o peito, derramando em seguida, uma série de palavras impregnadas de malabarismos poéticos  ornamentados a goles de cervejas.  O foco dos assuntos é geralmente a conquista do caixão como asilo fixo, todavia fala-se também de tudo um pouco, como da bebida amarga quando tomada em casa, da derrota do time de futebol, do amigo traído, das notícias desencontradas do cotidiano.  Novamente em casa, aí está o leito escolhido para acomodar e descansar o espinhaço das dores contumazes, de sorr


 
(Paulo Carneiro)
                                                                           Morei num caixão. Daqueles que mais se pareciam a catacumbas abandonadas dias antes da reforma de finados. Pintura desbotada, grades enferrujadas, piso todo remendado, touceiras de capim, aqui e acolá, ornamentado espaço que num passado muito longe imaginava-se transformá-lo num jardim, gambiarras de fios enfeitavam idéias ......
Portifólio vegetal do abandono, cão sem dono,  educação brasileira, salve-se quem não puder resistir aos estímulos algozes de conduta, araruta, araruta, que País é esse pai? ...
Das janelas; roupas palidamente tremulando e realçando aos ventos os varais improvisados. Os apartamentose divididos em imprensados situados do térreo ao 1º andar.
[Nada melhor. Afinal! Este foi o leito permitido para acomodar, descansar e, talvez, curar as dores das dores genéricas.
       Olhando-se a paisagem privilegiada da janela do quarto, observava-se outro caixão de janela de frente, e outros e mais outros ... só janelas ..“Não tinha boquinha”!
       Que fazer então? De repente flui a decisão. Mudança de panorama!ÌComprar diversos quadros contendo imagens para diversificar o olhar e modificar a rotina : Águas do mar, a serenidade do luar, nuvens deslizando em forma de algodão, ritual de peixes  nadando, frutos apetitosos, baianas fogosas, comidas tropicais ao léo, os carnavais, as igrejas de prontidão, o andarilho com o saco nas mãos, a moça escolhendo sapatos, os gatos em caça constante, o cavalo selvagem rasgando os ventos, cenas diversas do folclore regional ... Pronto! O meu caixão também era um museu de exposição de imagens. Vamos nos organizar ...
       Como? Lugar onde condomínio é sinônimo de blasfêmia, nada de despesa fora do estritamente necessário ... só que na hora do “pega pra capar” o espírito solidário era ponto de honra entre os resistentes residentes que  aos trancos e barrancos, transformam-se em verdadeiros soldados do bem comum. Foi assim quando surgiu a ideia de pintar o prédio. De vez em quando, aparece para a satisfação de muitos um  boato a respeito de uma festa, sob o pretexto de um aniversário qualquer, onde aparecem  convidados com características bem distintas : Uns com a cara de condenados a passarem o resto da vida pagando pela ousadia de terem adquirido um  imprensado junto ao complexo imobiliário, outros com a cara de “manguaça” pelas noitadas etílicas, todos contentamdo-se em ingerir alguns goles de cervejas e anunciarem seus feitos e desafetos no trabalho. Algumas crianças em correrias e sorrisos constantes espalhamndo aos gritos o prazer do encontro, principalmente na hora do parabéns. As mulheres cheirosas e arrumadas desfilando seus saltos, decotes e chapinhas com ares de princesas. Terminada a brincadeira, no dia-a-dia,  todos terão iguais direitos a desfrutarem dos mesmos pesares: sauna natural provocada pelo calor intenso dentro de casa, e a experimentarem como estímulos, os choques elétricos resultantes da ousadia de tentarem tomar banho quente numa temperatura capaz de fazer urubu voar com uma asa e abanar-se com a outra. Final de semana, nas rodas de mesas dos bares vizinhos, costuma-se ouvir  discursos de ufanismo e contentamento pronunciados por um ou mais oradores que quase sempre estufavam o peito, derramando em seguida, uma série de palavras impregnadas de malabarismos poéticos  ornamentados a goles de cervejas.  O foco dos assuntos era geralmente a conquista do caixão como asilo fixo e inviolável do cidadão, todavia falava-se também de tudo um pouco, como da bebida amarga quando tomada em casa, da derrota do time de futebol, do amigo traído, das notícias desencontradas do cotidiano.  Novamente em casa, ali estava o leito escolhido para acomodar e descansar o espinhaço. E o dia dia no Caixão não era em nada diferente a de outros.. .Entre um silêncio e outro havia fatos um tanto quanto pitorescos como foi o de Zé do Mé..
     Cidadão magro, de bigode ralo, sorriso apertado por conta de alguns dentes au​sentes na arcada dentária superior,  super econômico na conversa, de rosto sulcado e olhar de rapina, casado com dona Vitória, mulher de beleza mourisca, pele cor de canela, cristã e considerada como conselheira dos mais jovens.
- A vida do casal era um tanto quanto movimentada pela atividade laboral exercida pelo Zé do Mé, que, manipulava  seu pequeno comércio informal, cumprindo jornadas de trabalho extremamamente dependentes de suas vendas. Guerreiro pertinaz das terças aos domingos. Reservara às segundas-feiras, para renovar suas compras e folgar o restante do dia.      
  Em casa, aproveitava o dia de folga para ” tomar umas e outras” e ouvir suas músicas até bem tarde da noite. Sob a alegação de que estaria folgando, “mandava a ver” na ingestão de bebidas e pratinhos,por ele preparados. Os chamados “Cachaceiros” ou "Manguaças" da região adoravam as segundas, ao contrário dos trabalhadores, pois, teriam que amargar momentos de lucubrações musicais, regadas a algazarras e vocais tão desafinados que seriam capazes de substituir as filhas de Maria durante as procissões..  
    Inicialmente, certos moradores toleraram o salseiro musical. Todavia, o cordão dos insatisfeitos fora aumentando gradativamrnte.. "A grande questão seria encontrar um candidato que colocasse o laço na cabeça do gato", ou seja, alguém que tivesse a coragem de transmitir-lhe sobre o descontentamento cada vez mais crescente
    Ocorre  porém, que existia uma rede de informações muito eficiente desenvolvida entre os moradores que utilizavam-se do conhecidíssimo "disse-me-disse" para manter todos a par dos acontecimentos.
   Uns comentavam que após às 22 h  o som teria que ser desligado, enquanto outros, mnos exigentes, advogavam a ideia de que seria preciso apenas, baixar o volume do som.. Como nenhuma decisão ou reclame efetivaram-se de forma direta, Zequinha fez uso de um velhlo jargão muityo utilizado no cotidiano:: "quem cala consente", para acrescentar um novo ingrediente aos seus delírios festivos noturnos. Passou a discutir em voz alta com sua mulher, fazendo uso de frases indevidas, todas as vezes, em que sentia-se encurralado na discussão. -
    Zé Matuto, vendedor de “vaca atolada” nas praias do Recife,  morava ao seu lado, e, não gostou das resenhas que teria que ouvir sempre às segundas. Resolveu então, cobrar explicações do vizinho, tendo recebido como resposta a célebre frase de que "em sua casa, ele era o seu senhor e seu escravo"... As brigas com a Dona Vitória começaram a se intensificarem, na mesma proporção que os desmandos políticos no País ,até o momento em que ela achou de pedir socorro aos demais moradores. No mesmo dia, fora convocada uma reunião de moradores, marcada para a próxima segunda-feira, com a presença ao vivo do Zé do Mé. Dona Vitória, então, incumbiu-se de redigir um Comunicado ,escrito em letras garrafais ,sobre a tal reunião. Em seguida fora afixado no corredor de entrada ...
 
 
Paullo Carneiro
Enviado por Paullo Carneiro em 25/03/2014
Reeditado em 02/05/2014
Código do texto: T4742924
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