ALEM DOS MONTES

O CAFÉ ENTRAVA-LHE NA GARGANTA, QUENTE E AMARGO. A PASSOS RÁPIDOS O RAPAZ DIRIGIA-SE A BANCA DE REVISTAS. UMA MULHER VELHA ENCARAVA-O SENTADA EM UMA CADEIRA DE MADEIRA. A ALEGRIA E JOVIALIDADE DAS CORES DE PAPEIS ENFILEIRADOS, CONTRASTAVAM ESTRANHAMENTE COM O OLHAR DISTANTE E GESTOS VAZIOS DA VELHA QUE ATENDIA. O RAPAZ TOMOU O TROCO DO DINHEIRO DE SEUS CIGARROS E SAIU SEM PRONUNCIAR PALAVRA. COM O CIGARRO ENTRE OS DEDOS ESPERAVA UM TELEFONEMA, UM TELEFONEMA AMOROSO. APAGOU O CIGARRO: NADA DISSO IMPORTAVA.

O SINGELO PORTEIRO SEMPRE CUMPRIMENTAVA ATENCIOSO E SIMPÁTICO. AO ENTRAR NO ESCRITÓRIO A PRIMEIRA IMAGEM QUE TEVE O JOVEM, FOI DE SUA COLEGA DE MESA: UMA BELA ESTUDANTE DE DIREITO, QUE ENTRE UM PROCESSO E OUTRO FREQUENTAVA SALÕES DE BELEZA CARÍSSIMOS, EXIBINDO DIARIAMENTE OS RESULTADOS DE SEU ESFORÇO, EM CABELOS ACETINADOS, UNHAS COLORIDAS E UM OLHAR MEIO INSOLENTE. MIRANDO SEU REFLEXO NO ESPELHO, O RAPAZ SENTIA QUE TUDO IRIA MUDAR LOGO. PRECISAVA PARAR DE FUMAR, POIS SUA PELE JÁ ESTAVA MALTRATADA, CABELOS FINOS E RALOS COMO UM VELHO, UM VELHO DE 23 ANOS. O DIA TRANSCORREU CALMO E PREVISÍVEL, COMO UM RIO INFÉRTIL E SEM CORRENTEZA. RESTARAM AS PALAVRAS ÁSPERAS, E O OLHAR DE DESPREZO MAL CONTIDO DA DESEJADA COLEGA. NO ELEVADOR OS CUMPRIMENTOS CÍNICOS E AS RISADINHAS MASCARADAS DAS ESTAGIÁRIAS, LEMBRAVAM O JOVEM DE SUA CONDIÇÃO: O DIFERENTE, O ESTRANGEIRO QUE ABANDONOU A PEQUENA CIDADE EM BUSCA DE SONHOS, SONHOS QUE SE DISSIPARAM, COMO A FUMAÇA DOS CIGARROS QUE COMEÇOU A TRAGAR.

CHHEGOU NO PEQUENO APARTAMENTO DE PISO SUJO E JANELAS CERRADAS. O CHEIRO DE MOFO LEMBROU O RAPAZ DA MORTE DE SEU PADRASTO: O HOMEM MAIS CRUEL QUE CONHECERA. A MÃE, AINDA REUNIU FORÇA E AMOR SUFICIENTES PARA CHORAR NO ENTERRO, ELE BATIA-LHE TODAS AS NOITES E AMEAÇAVA SANGRA-LHE COM UMA FACA, QUE USUALMENTE TRAZIA JUNTO A CINTURA: PASSADO.

O ESPELHO DEVOLVIA O QUE O MOÇO TIRAVA DE SI E ERA ESCURIDAO. ESCURIDÃO DAS PROFUNDEZAS DE SUA PRÓPRIA ALMA. DEITOU-SE NA CAMA EXAUSTO, IMAGINOU SE SONHARIA NOVAMENTE COM A BEIRA DO ABISMO, ONDE TENTAVA EQUILIBRAR-SE, ENQUANTO OUVIA UMA VOZ QUE O MANDAVA SALTAR...

DORMIU COMO SOM MONÓTONO DE UMA CADEIRA DE MADEIRA ESCURA A BALANÇAR-SE TRANQUILAMENTE, SENTINDO SOBRE SI, O OLHAR DE UMA VELHA DESGRENHADA, SORVENDO SUA ALMA, COMO CAFÉ QUENTE NA GARGANTA.

O JOVEM LEVANTOU DA CAMA, FITANDO A PAREDE , ATÉ ABRIR-SE UMA ENTRADA DE SALÃO. O PERFUME DE ALMÍSCAR E A LUZ CALMA DOS CÍRIOS ILUMINAVAM UM SUNTUOSO BAILE. AS DAMAS RICAMENTE VESTIDAS COM CABELOS ACETINADOS DESVIAVAM-LHE O OLHAR, OS HOMENS CUTUCAVAM-SE E COCHICHAVAM, O JOVEM NÃO FORA CONVIDADO AQUELE GLAMOUROSO ENCONTRO. CONTINUOU CAMINHANDO COMO SE TIVESSE UM PROPÓSITO DESCONHECIDO. A MEDIDA QUE AVANÇAVA NO ESPAÇO DO LUGAR, MAIS ESTRANHO SE SENTIA. DE REPENTE UM HOMEM CHAMOU, A MÚSICA PAROU E O JOVEM LOGO VIROU-SE, PERCEBENDO O HORROR COM QUE TODOS O FITAVAM: JÁ NÃO TINHA CABELOS, SUA PELE APRESENTAVA RACHADURAS QUE IAM FICANDO MAIS SECAS E PROFUNDAS, SEU CORPO PARECIA RASGAR-SE, E POUCO ENXERGAVA. VINHAM-LHE RESQUÍCIOS DE CENAS, ONDE VISLUMBRAVA ALTOS MONTES QUE O ATRAÍAM. AS UNHAS DO JOVEM ERAM ESCURAS COMO TERRA, ESTAVA NU E SEU CORPO AUMENTAVA RAPIDAMENTE DIANTE DA ASSUSTADA PLATÉIA. AO ABAIXAR-SE NOTOU SEUS DENTES ENCURVANDO. OS PARES DE DANÇANTES AFASTARAM-SE E UM SILÊNCIO DE MORTE FEZ-SE NO RECINTO. TAMANHA ERA DOR NAS COSTAS QUE O JOVEM MAL CONSEGUIA RESPIRAR, GUINCHAVA NÃO RECONHECENDO O SOM DA PRÓPRIA VOZ. UMA MULHER VOMITOU E ENTRE A SENSAÇÃO DE RIDÍCULO E DE ESTRANHEZA O RAPAZ PERCEBEU QUE TRANSFORMAVA-SE EM UM MONSTRO, ENORME.

COM OS OLHOS LONGE DO CHÃO, VIROU PARA AS PESSOAS QUE ATIRAVAM-LHE COISAS, ABRIU SUA BOCARRA , EM UM MOVIMENTO ATÉ ENTÃ O DESCONHECIDO, SALTOU. SEU ÚLTIMO PENSAMENTO HUMANO FOI UMA VISÃO DAQUELA VELHA BRUXA NO TOPO DE UMA COLINA, CHAMANDO-O COMO UM CÃO RAIVOSO. EM SEU SALTO, O MONSTRO ROMPEU TODAS AS VIDRAÇAS DO TETO, JÁ NÃO IMPORTAVAM AS PESSOAS EMBAIXO, QUE APAVORADAS VIRAM DUAS ASAS NEGRAS ABRIREM-SE ENORMES, DO DRAGÃO ALÇANDO O PRIMEIRO VOO, NA ESCURIDÃO DE UMA NOITE,

FORA DO TEMPO,

E DA LIMITADA SANIDADE.

M S Nunes
Enviado por M S Nunes em 09/03/2014
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