Um dia de Kafka
Um dia de Kafka
Não sei bem de onde saí, sei que o pouco que me lembro já abria bem os olhos, não tenho família, ou alguém com quem possa dividir minhas mágoas, mas é certo que não posso reclamar do lugar que vim parar. Hoje moro num lugar diminuto, para mim é o suficiente já que aos meus olhos tudo em volta parece tão grande... Vejo formas brancas enormes, o chão parece gelado, meu mundo tem espaços que não consigo acessar, não sei se o que me limita é o medo do que não conheço ou barreiras intransponíveis. Hoje não posso reclamar de minha vida, há apenas uma lacuna não preenchida que é o amor, olho em volta e formas parecem conviver comigo, essas também andam como eu, mas são gigantes.
Dias estranhos me perturbam, dias em que não posso sair de casa, e a falta de iluminação que essa contém não me permite fazer nada, apenas dormir... A comida é escassa, ainda não entendi a periodicidade com que alguém me alimenta, só sei que não é fácil me satisfazer competindo com gigantes. Estranho mesmo foi o dia em que eu não esperava aquele mesmo calor dentro de minha maloca, não sou daquelas que pensam demais no que veio a me colocar no mundo, mas nesse dia questionei a esse o porquê do meu atordoar num dia tão frugal.
Estava eu deitada em meus aposentos, acho que comi demais para meu corpo, era um pedaço grande de algo pegajoso, marrom, estava muito bom mas foi uma grande porção. Voltando ao assunto, lembro que estava deitada e de repente um vento forte veio remexer tudo em minha residência, não sabia bem como superar aquilo mas me agarrei à porta e confiei que logo ia parar... e parou.
De aventuras posso contar uma semana sem parar, mas sem dúvida, a mais marcante delas foi num dia em que os gigantes começaram a se mover mais e mais, e levaram consigo objetos grandes que tem pernas redondas, e rapidamente o movimento havia cessado, eu estava só... E passou-se muito tempo, a fome batia, passos eu não ouvia, até que um portal havia se aberto novamente e dessa vez apenas dois gigantes entraram em casa, pareciam ser um casal, mas não sei porquê eles não pareciam se amar muito, apenas estavam juntos.
O tempo foi passando até que percebi que esses gigantes vieram para ficar, e agora eu novamente tinha comida, mas eu estava engordando, entrar em casa virou um exercício de elasticidade, e um dos gigantes parecia que gostava de mim, ele sempre se lembrava de deixar num canto fixo minha comida.
Chegada minha hora eu dormiria e começava a pensar na possibilidade de esse gigante estar mesmo se lembrando de mim, e adormecia. O tempo passou e a gigante feminino saíra de casa, deixando eu e o gigante bondoso, num rompante aventureiro saí de minha casa e perambulei por um mundo desconhecido, passei pelos limites de outrora e avistara uma imensidão de limites a explorar, mas dessa vez eu tinha um foco, aparecer para aquele gigante.
Não ouvindo passos fui ao seu encontro, mas como não conhecia aquele mundo tive que ir na sorte, e o destino parecia não querer me ajudar, rodei, rodei e não o vi, até que cansada voltei para casa, esperei algum tempo e de repente ouço algo, era ele, se dirigia a minha casa mas eu não tinha coragem de sair, quando ele se aproximou de meu mundo botei a cabeça para fora e agora já ia metade do corpo e meu medo... Saí por inteira e nada dele me olhar, balancei a cabeça e os adornos e nada, até que distraidamente ele olhou em minha direção, logo me fingi de morta. Ai que delírio me deu... O coração palpitava, o corpo gélido esquentava, mas eu fiquei estática ao nosso primeiro encontro.
Com o tempo encarando meu corpo ele saiu normalmente, fiquei enfezada o resto do dia pois logo depois a gigante feminina chegou, e minha chance estava acabada... O tempo passou e eu sempre caindo naquela rede de amor, sempre quando tudo escurecia ele se lembrava de mim, e me deixava farta refeição... Ai como o amor é lindo.
Eu ainda exitava um pouco devido nossa diferença de tamanho, mas afinal eu havia de chegar ao seu tamanho logo, devia ser só uma fase. Quando mal esperei a gigante saiu de novo, dessa vez com mais experiência eu iria ao encontro de meu amado e prometi a mim mesma que não teria medo, tomada de toda a coragem desbravei novamente um mundo gelado, mas mal precisei sair de meu mundo, ele pareceu entrar em sintonia comigo e veio ao meu encontro, parei diante de suas patas enormes, na esperança de ver melhor sua cabeça. balancei a minha, mas nada.
E ele agora me encarava de longe, não de um modo carinhoso, mas com ar irritado, o que eu poderia fazer? Tentei gritar, andei feito barata tonta, esperneei e nada dele se abaixar, até que o portal se abre, e a gigante rival adentra, seu olhar penetrou no meu, senti de longe sua raiva de traída, ela olhou para seu par como se o repreendesse e lentamente ela veio em minha direção, fuzilou-me com os olhos e pude ver presa em meu pesadelo sua para gigante a criar sombra sobre mim, e foi se aproximando, aproximando, aproximando até que eu fui consumida pelo ciúme.
Sim, posso dizer que tenho 6 patas, sim posso dizer que amei, sim posso dizer que fui amada, sim posso dizer que gigantes não entendem um grande amor.
Gabriel Amorim 01-02-2014