O Acidente
Juliano acordou antes mesmo de o relógio despertar. Ele sempre se assustava com o barulho do despertador e isso o deixava tonto o dia inteiro. Foi ao banheiro, lavou o rosto e jurou que quando chegasse do trabalho consertaria o vazamento da torneira da pia.
O edifício que iria rebocar era longe, mas rapidamente estava lá. A expectativa era grande, seria seu primeiro dia de trabalho depois de um exaustivo curso de pedreiro, que o deixou com as mãos cheias de calos de tanto praticar. O mestre de obras, um sujeito gordo, cuja voz fina não combinava com seu tipo físico gritou:
_ Vocês vão subir nos andaimes e todo cuidado é pouco. O prédio tem milhares de andares. Um pouco mais e teríamos de cavar o céu.
Juliano esperava que depois da piadinha o Mestre de obras sorrisse. Mas, logo desapareceu. Juliano estava eufórico tinha verdadeira adoração por altura. Quando criança chegou a pensar em ser trapezista, mas com uma rede embaixo não tinha graça nenhuma. Juliano gostava mesmo era do perigo.
O equipamento de segurança foi entregue, mas Juliano se incomodava com qualquer coisa que o prendesse. Assim sendo, apenas simulou que arrumou tudo direitinho e numa fração de segundo já estava no último andar. Olhou para cima, o céu estava escuro, e parecia realmente poder tocá-lo. Confiante pegou a colher de pedreiro e quando ia chapar a massa escorregou. Não estava em seus planos morrer aos vinte e dois anos. Tinha muitos sonhos e um deles era morrer bem velhinho. À medida que despencava, podia ouvir o pensamento de todos que aguardavam o barulho do crânio se espatifar no chão:
_ Deve ter sido suicídio.
_ Foi defeito no equipamento. A família vai ganha uma fortuna.
_ Logo, logo a viúva arruma outro.
_ Que bom! Hoje o Brasil vai jogar e vamos ser dispensados.
O prédio era tão alto que Juliano achou que jamais chegaria ao solo. De repente um barulho ensurdecedor. Juliano saltou da cama com o despertador aos berros. Teve de beber muita água. Estava realmente assustado. Foi ao banheiro, lavou o rosto, depois apertou bem a torneira e jurou pela milésima vez que quando chegasse do trabalho a consertaria.
Depois de duas conduções, Juliano finalmente chegou ao trabalho. Quase não se lembrava do pesadelo. O mestre de obras veio lhe saldar. Este era magro e tinha um sorriso jovial. Juliano subiu no andaime e foi içado até o último andar. O sol nascia no horizonte e do alto Juliano teve a certeza que tudo era mesmo mais bonito. Olhou para cima e viu pássaros voando sem nenhuma chance de tocar o céu. Olhou para baixo. Não tinha mesmo medo de altura.
O pedreiro que estava em outro andaime tirou do bolso um radinho de pilhas, e assim que ligou Al Jarreau começou a cantar Your Song. Juliano outra vez olhou para o horizonte, e antes de encher a colher de massa, sorrateiramente prendeu o cinto de segurança. Afinal, jurou que quando chegasse do trabalho, ainda consertaria a torneira da pia.
FIM