Muito Longe do Fim Décima Sexta Parte
- Boa noite, disse ela, andando em nossa direção. - Sou Florbela Espanca.
- Eu sei, respondi, - eu a reconheci da capa do livro. Sou um grande fã seu... É um prazer conhecê-la.
- Obrigada, ela respondeu, - não sou merecedora de tamanho apreço! Vim ao seu encontro porque meu pensamento se identificou com o seu. Olhou para Alexandre e o cumprimentou.
Alexandre beijou-lhe a mão num gesto de cortesia.
- Boa noite, minha, senhora, sou Alexandre Magno Abrão, às suas ordens...
- Meu amigo também é poeta. - falei.
Ela sorriu.
- Ah, sim? Também escreve versos?
- Sou compositor. - ele respondeu. - Mas quem me dera fazer versos como os seus! Bem, sei que vocês têm muito a conversar. Qualquer coisa estou lá dentro. Com licença...
Ele entrou, e nós sentamos no banco de pedra do jardim.
Florbela me observou por um instante.
- Como é mesmo o seu nome? - perguntou.
Meu nome é Luiz Carlos. - respondi. - Mas meu amigo me chama de Passarinho, e na Terra, meu apelido era Champignon, ou Champs... pode me chamar de Champs.
- Muito bem, Champs. - tornou a poetisa. -Como eu já disse, você me evocou pelo pensamento, por isso estou aqui. - ela baixou os olhos. - Você cometeu suicídio, como eu...
- Sim, respondi, - e com a mesma idade que a senhora.
- Você. - corrigiu ela.
- Você. repeti. - Quando ainda estava no Vale dos Suicidas, ganhei um livro seu e me identifiquei muito com suas poesias. Porque elas retratam a dor de sua alma... e da minha também.
Florbela assentiu com um gesto de cabeça.
- O suicídio é a dor extrema da alma, é vergar ao peso de nossa cruz. - disse ela com um suspiro. - Cristo teve quem o ajudasse a carregar sua cruz. Nós muitas vezes não tivemos...
Eu a ouvia com profunda emoção.
- É verdade - respondi - Pensamos estar cercados de amigos, mas um dia descobrimos que estamos sózinhos com a nossa dor. Uma dor que ninguém compreenderá...
A poetisa ergueu os olhos para o céu estrelado.
- Sim, a dor que ninguém compreenderá...é essa a dor que nos mata. Sabe, Champs, eu tive um irmão mais novo que eu, que era toda a minha vida e toda a minha alma. Não sei descrever o quanto o amava... era como se a minha alma fizesse parte da minha, era algo que ia muito além do sangue. Um dia ele morreu num acidente de avião. Tinha 27 anos. Então, a partir desse dia, de certa forma eu morri também. Meu corpo andava, falava, respirava, mas eu não pertencia mais à Terra. Não havia mais nada para mim naquele mundo. Até que um dia eu não suportei mais, e decidi dar fim à minha dor adormecendo para sempre. Foi isso que aconteceu com você, não?
Engoli em seco.
- Foi sim, por isso me identifiquei tanto com seus poemas. Porque minha alma mergulhou na mesma dor, nas mesmas trevas, não vi mais sentido nenhum na vida sem... sem...
- Sem seu amigo?
- Sim! Florbela, eu não consegui viver sem ele...
CONTINUA