Queda Livre

Seis horas e quarenta minutos. Uma manhã intensa de verão. O sol já brilhava e queimava a paisagem urbana de minha cidade. Um vai-e-vem de carros, caminhões, ônibus, motocicletas, bicicletas, homens, mulheres, crianças, mendigos, guardas de trânsito, cachorros, gatos... Era apenas mais uma semana que se iniciava naquela cidade colossal.

No terraço daquele prédio de dezoito andares, sentia um soprar de vento quente ao pé do ouvido. Vestido com certa elegância - camisa branca de seda, com as mangas dobradas até a metade dos braços, calças de linho na cor preta, bem como sapatos de couro legítimo e meias de nylon, ambos também na cor preta, no pulso esquerdo um relógio analógico Rolex, caixa grande, banhado a ouro, uma corrente pendurada ao pescoço, a qual sustentava uma letra "P", também banhada a ouro - estava eu a olhar para baixo, cabelos despenteados, absorto naquela paisagem caótica que se desdobrava em meio as ruas e avenidas dos arredores.

Senti as gotículas de suor se formarem e escorrerem por baixo das minhas vestes. Enxuguei meu rosto com as costas das mãos. Avancei alguns passos para a beira do terraço. Uma mistura de pavor e curiosidade me envolveram. Tudo era tão pequeno visto lá de cima! E o sol incessante, queimando meu corpo e também meus pensamentos à medida que o tempo passava.

"Não há como ficar sem ela!" - pensei.

Na minha mente vinha o seu rosto. O rosto da minha amada. Como tocar a vida sem ter os seus beijos, seus abraços, sua voz sussurrando em meus ouvidos todas as manhãs? Como voltar para casa e saber que não a encontraria a me esperar, sorrindo? Como deitar sobre a cama e saber que ao meu lado estaria apenas o vazio frio dos lençóis? Como?

Em meio a tais devaneios, avancei lentamente mais alguns passos. Enxuguei novamente meu rosto. Era quente, muito quente. Ao longe, ouvia barulhos de buzina e de motores. Sentia o cheiro da fumaça das fábricas, dos carros e caminhões. Olhei para baixo. Uma multidão de curiosos já havia se formado em frente ao prédio. Alguns gritavam, outros acenavam. E o que isso me importava?

Metade dos meus sapatos já estavam fora dos limites do terraço. O vento quente continuava a sibilar palavras ininteligíveis em meus ouvidos. Minhas roupas estavam ensopadas de suor. Meus olhos viam as imagens, mas não as assimilava. Em meio ao balbuciar do vento, ouvia as batidas descompassadas do meu coração. Segundos depois, juntamente com elas, passei a escutar o viajar implacável do ponteiro dos segundos do meu relógio. Tudo ao meu redor congelou. O mundo parou. Apenas meu coração, o vento e o relógio...

Faltou o chão sob meus pés. Senti um frio enorme na barriga. Foi como se estivesse descendo por um elevador desgovernado. Fechei os olhos, numa reação de pavor.

Antes que meu corpo tocasse o chão, dois braços suspenderam-me com magistral agilidade e firmeza. Cessara-se o estranho frio na barriga. Cessara-se o suor, o vento quente e os devaneios. Cessara-se o pavor. Um belo sorriso se abriu diante dos meus olhos. Uma voz de veludo disse que tudo estava bem.

"Bom dia! Como foi sua noite de sono?

O despertador tocou. Sete horas. Hora de trabalhar!