OS FATOS DAS FOTOS!

—80...

— 100...

— 120...

—140,180!200!220KM/H!!!!

Estrelas abafadas pelas nuvens, pista molhada pela chuva, coração batendo forte de emoção, pé atolado no acelerador para corresponder a busca por adrenalina.

A velocidade é minha maior paixão e uma estrada molhada não vai me limitar, almejo a curva sinuosa à frente.

Entro nela e no auge da emoção avisto um caminhão.

Sinto que voei.

Não vi nada por um tempo e quando pude ver nada entendi.

Tudo tão branco que chega a doer os olhos!

Acho que morri, mas não dá para ter certeza.

E se morri não sei onde estou, não acho que seja o inferno, mas também não deve ser o céu. Pode ser algum meio termo entre esses extremos.

E agora?

Ficarei aqui para sempre e morrei novamente, desta vez de tédio?

Podia jurar que sim

Mas avistei uma alavanca preta e vermelha. Não sei como não a vi antes, afinal em meio a todo aquele branco qualquer coisa de outra cor tinha grande destaque.

Puxei!

O céu daquele lugar começou a se mover e por ele inúmeras imagens começaram a rodar.

Dizem que quando a gente morre nossa vida passa por nossos olhos. Deduzi então que era chegado o momento onde eu veria a minha.

Mas não, as imagens pararam e sumiram, e bem a minha frente surgiu uma esteira bem longa, ao final dela estava a tão falada, luz no fim do túnel, neste caso do fim da esteira.

Como se já não fosse estranho o suficiente, cai do céu um álbum de fotografias.

Era branco, e quando toquei nele, instantaneamente compreendi tudo.

Como se todas as informações que eu precisava tivessem sido implantadas em minha mente.

Compreendi então que uma vida é muita coisa para se ver, por isso criaram um sistema diferente. Quando uma pessoa morre vem para esse lugar e vê só aquilo que mais a marcou, e que pode conforta-la para que aceite e compreenda que ela passou para outro plano.

Sem outra opção, seguirei o que manda o script.

Entrei na esteira e abri o Álbum.

Na primeira foto, uma festa junina!

Eu lá em minha cidade no interior, dançando junto com a Clara.

Quanta saudade! Tínhamos 15 anos, era uma festa da escola, lembro-me bem que quando nos escolheram para formar um par, ela fez cara feia. Mas logo no segundo ensaio já estava cativada pelo meu carisma.

Virei a página, nosso primeiro beijo, que aliás foi logo ao termino da festa.

Fui virando as páginas e elas foram contando a nossa estória.

O primeiro encontro a primeira transa, o primeiro de tudo que passamos juntos.

Até o dia mais feliz de nossas vidas, a família dela era católica e fez questão que a cerimônia fosse na igreja.

Foi um dia incrível, ela estava linda e quando entrou minha felicidade era tanta que contagiou todo mundo, até os pais dela que me odiavam, não conseguiam esconder a emoção.

Poxa, é tanta saudade que me dá vontade de ficar nessa foto para sempre. Mas a esteira não para e tenho que prosseguir.

Prosseguindo vi nossa lua de mel, nosso primeiro cachorro, nossos passeios no parque, enfim vi todo o nosso primeiro ano de casados na pacata cidade do interior.

Estava tão bom!

Até que nas fotos seguintes, tudo desmoronou.

Vejo sucessivas fotos de nos dois brigando o tempo todo.

Clara desde pequena queria se atriz, e para tentar o sonho precisava se mudar para capital.

Mas eu era um sujeito pacato demais para a cidade grande, disse que jamais iria e não fui.

Mas Clara foi.

Me deixou, disse que seguiria seu sonho, pois ele era menos egoísta que eu.

Depois desse acontecimento nunca mais fui mesmo, a alegria não fazia mais parte de mim e sorriso sumiu de minha face.

Clara ficou famosa, eu a acompanhava pela TV e revistas, estava em todas. Era praticamente impossível não a notá-la em todo canto. Por isso quando ela adoeceu e rapidamente morreu, eu soube rapidamente e para mim foi a gota d’água.

Por isso eu corria com o carro, até alcançar a maior velocidade possível. Pois depois de Clara a velocidade foi a única coisa que me restou. A única paixão, da qual eu podia ser correspondido.

Poxa pensando bem, que merda de vida eu tive, tinha duas paixões apenas, uma me abandonou e a outra me matou.

Mas que porra de álbum horrível é esse? Sinto-me como se tudo o de pior que aconteceu em minha vida tivesse acontecido em único segundo, e toda a tristeza despejada em mim!

Entendi, vou para inferno e isso apenas uma amostra grátis do que vou sofrer por lá.

Pelo menos não encontrarei Clara nunca mais quero ver quem tanto me trouxe dor, apesar de ser uma vadia comigo ela era uma boa pessoa para os outros, participava de ONGs...Deve estar no céu.

Triste e com raiva, fechei essa merda de Álbum, chegarei ao meu trágico destino com dignidade.

A luz está próxima, muito próxima!

Entrei! Do outro lado avistei Clara, ela me olhou e sorriu.

Oh meu Deus, como fui tolo, não sei de que serviu a tortura, mas sei que estou no céu!

MarcosMazutti
Enviado por MarcosMazutti em 27/01/2014
Reeditado em 07/05/2015
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