Muito Longe do Fim Décima Segunda Parte
Alexandre não disse nada, mas eu vi na mente dele - afinal depois que a gente morre consegue ler o pensamento dos outros-que ele estava tão perplexo quanto eu. Sessenta e cinco anos... como a gente não sentira esse tempo todo passar? Eu tinha a impressão de que a gente tinha passado apenas alguns meses no Vale dos Suicidas. E a gente ficara lá por 65 anos! Se por acaso eu ainda estivesse vivo, estaria comemorando 100 anos de idade... levantei e corri até o espelho do banheiro.
Eu tinha a mesma aparência de quando morrera. Vi Alexandre atrás de mim, sorrindo.
- Eu também não imaginava que já fizesse tanto tempo, Passarinho. - disse ele, me segurando pelos ombros. - Mas é que aqui do outro lado não existe tempo, o espírito não envelhece, nem morre...
Balancei a cabeça, chocado e perplexo.
- Como é que pode, Alê? - falei. - Quer dizer que todo mundo que a gente deixou pra trás já morreu também?
- Com certeza. respondeu Alexandre. - Devem andar por aí, seguindo seu caminho, como nós...
Peu e Lavínia haviam acabado de chegar, e voltamos para a sala.
Peu ficou radiante em rever Marcão, Renato e Bruno. Ele também faria parte do Charlie Brown Jr. Lavínia estava outra, mostrando toda sua beleza, depois de um banho tomado, cabelos limpos e um vestido novo, cor de rosa.
Conversamos muito, demos muita risada, bebemos cerveja, Coca e comemos pão de queijo. Isso tudo encontramos na cozinha. Eles disseram que Imaculada era um lugar muito tranquilo e bom de se viver, que a gente iria se dar muito bem ali. Que já poderíamos começar a ensaiar em seguida. Aquilo tudo era um sonho maravilhoso, eu sonhava com o meu baixo, sonhava em tocá-lo outra vez...sem dúvida, éramos resgatados do Inferno...
Depois que todos se despediram, fechamos a janela da sala e fomos para o quarto. Já deitados, lembrei do amor-perfeito que Alexandre me dera e estava no bolso do meu jeans. Ele já estava dormindo, na cama ao lado. Levantei devagarinho e apanhei a flor, voltando para a cama. Fiquei um longo tempo acordado, com a florzinha entre os dedos, sentindo coisas tão doces e ternas que não saberia descrever na linguagem humana. Depois guardei o amor-perfeito dentro do livro de Florbela Espanca. Numa página que dizia assim: " Amo-te tanto. E nunca te beijei... Nesse beijo, amor, que não te dei, guardo os versos mais lindos que te fiz."
CONTINUA