O destruidor de ídolos

Zaqueu entrou no quarto e pôs se a procurar a roupinha do filho. Queria a camisinha azul que ele usou no último aniversário, e bem no fundo da última gaveta a encontrou enrolada em um objeto. Ao desenrolar teve a face transformada pelo ódio.

_ Maldita! Eu disse para aquela desgraçada tirar esse demônio de dentro da minha casa.

Assim que pegou os pedaços de gesso para espatifá-los contra a parede, ouviu o filho gemer no quarto ao lado. Instintivamente se conteve e pôs se a chorar compulsivamente.

Anos atrás, no dia em que se casou, Zaqueu havia quebrado a Imagem ao meio. Por mais que a mulher, ainda vestida de noiva, tentasse explicar que tinha que ficar com ela, que a Nossa Senhora havia pertencido a várias gerações de sua família e era milagrosa. Ele não quis entender.

Mas, naquele momento apiedou-se ao lembrar-se da mãe contando historias para o filho doente. Ela dizia que o menino Jesus estava precisando de um amiguinho para no jardim do paraíso ajudá-lo a subir nas árvores e pegar frutas doces como o mel.

Cuidadosamente, pegou as partes, as uniu e colocou em cima da cômoda. Quando chegou com a camisinha azul, a mulher levantou-se com os olhos saltados para fora. Então ele disse:

_ Calma, não é essa a roupinha que ele mais gosta? Deu um breve sorriso e entrou em pânico ao ver o sangue jorrar pela boca do filho desacordado. A mulher rapidamente pegou uma toalha e disse:

_ Vai ao mercado, vai rápido, antes de dormir ele pediu maçã, e não há nenhuma aqui.

Zaqueu saiu em pânico, no fundo sabia que já era o fim, e a última coisa que a mulher queria naquele momento era que ele presenciasse o momento derradeiro. Ela era muito mais forte que ele...

Antes de chegar ao mercado sentou-se em um banco de praça, precisava ganhar tempo. Quando Chegou ao mercado levou horas para entre milhares de frutas encontrar a maçã mais bonita. Era extremamente perfeita. Se o jardim do paraíso existisse com certeza era de lá, pensou, e riu entre lágrimas tentando imaginar o filho e o menino Jesus dependurados nos galhos das árvores. Já estava saindo quando sua atenção voltou-se para uma mulher com uma criança. Ela parecia nervosa queria passar com uma maçã no caixa, mas, pelo visto, estava sem dinheiro. Zaqueu olhou para o menino magrinho e sentiu uma pontada no coração. Correu até o caixa e confirmou que a mulher estava mesmo sem dinheiro. Foi atrás dela com a maçã do filho doente nas mãos. Depois de algum tempo a viu caminhando na praça.

A mulher tinha o semblante triste, mas mesmo assim sorriu ao vê-lo:

_ Vim trazer a maçã pra Senhora. Comprei para o meu filho. Mas...

A mulher pegou a fruta e disse:

_ O Senhor não vai levá-la?

_ Acho que não chegaria a tempo.

_ A tempo de que? Disse tentando mostrar interesse.

_ De encontrar meu filho vivo...

A mulher o abraçou e sentaram-se em um banco. Zaqueu chorou por um longo tempo no ombro da desconhecida e de repente começou a falar que dentro de cada imagem de santo reside um demônio. A mulher riu, e para surpresa de Zaqueu tinha dentes perfeitos e olhos incrivelmente negros. Então ela disse:

_ Perdoe-me, mas acho que há lugares mais seguros para o demônio se esconder. Dentro do coração do homem, por exemplo, e um bom esconderijo para demônios ávidos para praticarem o mal.

_ Eu sempre acreditei que os demônios se escondem nas imagens de santo...

_ Mas o quê o levou a acreditar?

_ Meu pai era evangélico, meio lunático, eu sei, ele me disse. Por qualquer coisa ele me trancava no quarto com uma imagem de Santo. Eu via a fumaça sair e se transformar em algo indescritível.

_ Acho que você ficava com tanto medo e acabava tendo pesadelos. Tenho certeza de que se seu pai falasse que dentro das imagens residem anjos, você sonharia com eles.

_ Talvez, vai saber...

_ Vou te falar com toda sinceridade. Dentro das imagens reside aquilo que o nosso coração quer que exista.

_ Minha mulher acredita que a Nossa Senhora e milagrosa, guardou a imagem que eu quebrei há anos e mandei que jogasse fora.

A mulher levantou-se, entregou a maçâ para o menino e disse:

_ Pode ter certeza, que mesmo inconscientemente, você também acredita que pode haver um milagre.

Zaqueu pensou na roupinha que desenrolou da imagem quebrada, e mesmo com raiva, entregou para a mãe vestir no filho doente. Talvez tenha ficado com os olhos fechados por muito tempo. Quando abriu a mulher e o menino já não estavam mais ali. Levantou-se rapidamente ao ouviu alguém lhe chamar:

_ Senhor Zaqueu! Senhor Zaqueu !

Ao virar-se bruscamente a enfermeira que ajudava a cuidar do menino disse apenas:

_ Sinto muito...

O “NÃO” saiu vigoroso das entranhas de Zaqueu que encostado em uma árvore deslizou até o solo.

A enfermeira com a ajuda de um homem o levantou, e no mais profundo silêncio o conduziu ao apartamento.

A mulher o aguardava na sala, mas não conseguia falar, apenas o pegou pela mão e o arrastou para o quarto.

Zaqueu instintivamente fechou os olhos. A primeira imagem do filho morto iria fazer parte de seus pesadelos, tinha certeza, pelo resto da vida.

_ Pai, pai!

Zaqueu abriu os olhos e ele estava ali, sorrindo para ele. O médico ao seu lado dizia enquanto meneava a cabeça incrédulo.

_ Meu Deus. se eu acreditasse em milagres, diria que presenciei um. O menino está curado. Incrível! Parece que nunca esteve doente.

_ Pai! Pai! Enquanto o Senhor dormia no banco da praça. Eu fui ao jardim do paraíso e colhi uma maçã. Acredita que o menino Jesus e a Nossa Senhora me ajudaram?

Antes de responder, Zaqueu foi até a janela, e após avistar um pontinho de luz que mesmo com a claridade do dia teimava em brilhar no céu, caiu de joelhos, e, como não sabia rezar, apenas chorou.

FIM

Luiz Cláudio Santos
Enviado por Luiz Cláudio Santos em 24/01/2014
Reeditado em 24/01/2014
Código do texto: T4662599
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