Muito Longe do Fim Sexta Parte

Por alguns dias eu não tive forças para me levantar daquele leito improvisado. Estava fraco e com muita febre. A violência da morte autoinfligida, antes do tempo e contra a natureza, recaía sobre mim com toda a sua fúria. Tipo assim um desses machucados que doem mais depois que esfriam.

Alexandre não saía do meu lado. Ele me dava pedacinhos de morcego assado na boca e uns golinhos de água, como se eu fosse um bebê. Fazia compressas úmidas e punha na minha testa para baixar a febre, e à noite, quando vinha aquele frio terrível, dormia abraçado comigo para aquecer. Para me fazer dormir cantava baixinho no meu ouvido as músicas do Charlie Brown Jr. Eu quase sempre pedia que ele cantasse Céu Azul, ou Te Levar Daqui. Não, nenhuma mãe seria tão carinhosa com seu filho pequeno... isso era um bálsamo no meu pobre espírito dilacerado e machucado, tão sofredor. Com certeza Alexandre sofria tanto quanto eu. Mas, dedicado a tomar conta da minha dor, esquecia a própria.

Peu e Lavínia também estavam sempre por perto, se preocupavam comigo e me animavam da melhor maneira que podiam. Ela agora morava na caverna com a gente, os Benfeitores Espirituais haviam dado permissão. Lavínia me contou sua história, que era trágica e banal ao mesmo tempo, como a de todos os suicidas. Ela cortara os pulsos com uma garrafa quebrada porque seu namorado a traíra com sua melhor amiga. Era atormentada incessantemente pela visão de sua mãe chorando sobre seu túmulo. Ela e Peu se amavam muito, e queriam ficar juntos por toda a eternidade.

Eternidade... eu às vezes meditava sobre essa palavra e seu significado, e me assustava um pouco...

Sempre que o Alê descia para o Vale, voltava com alguma coisa diferente para eu comer ou beber, que os Benfeitores Espirituais me mandavam. Às vezes era uma maçã, um chocolate, biscoitos, às vezes um refri. Eu, faminto e com muita sede, devorava tudo e só depois pensava que ele devia ter vontade de comer aquelas coisas também. Achava que era um egoísta e mimado.

Certo dia ele chegou com uma Coca.

- Olha, Passarinho, os socorristas mandaram isso pra vc...

Comecei a beber sofregamente, mas depois me contive e deixei uma parte do líquido, que ofereci a ele.

- Toma o resto. - falei.

Ele disfarçou.

- Não precisa, é pra vc...

-Faço questão. - insisti. Então Alexandre engoliu o resto da Coca com voracidade e sorriu para mim, agradecido. Agora eu também estava conseguindo ler os pensamentos dele. Daí em diante era metade para ele e metade para mim.

Não, eu nunca amara ninguém assim, nem pais, nem mulher, nem ninguém... eu queria passar a misteriosa eternidade ao lado dele.

Depois de alguns dias eu estava de pé. Comecei então a conhecer melhor aquele novo mundo onde estàvamos por nossa própria culpa.

CONTINUA

Maryrosetudor
Enviado por Maryrosetudor em 11/01/2014
Reeditado em 10/03/2014
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