Muito Longe do Fim Quarta Parte
- Tudo isso é saudade da gente, cara?
Pedro, ou Peu, como o chamávamos, surge das sombras e me abraça. Apesar de tudo estamos muito felizes de estarmos juntos novamente. Peu tem um aspecto terrível; está vestido de trapos, cabelos desgrenhados e no pescoço tem um vergão roxo escuro, a marca deixada pelo cinto com o qual se enforcou. Ele se suicidou alguns meses antes de mim. Então nos abraçamos os três e compreendo que todos os suicidas têm esse aspecto.
Peu dá um sorriso vago e aponta para Alexandre.
- Ele não sossegou até te encontrar, Champs... diz que ia te buscar, nem que tivesse que descer até mais embaixo, no Inferno...
Olho em volta, para aquele cenário inusitado.
- Agora você vai morar aqui com a gente... - continuou Peu. - Vai se acostumando, maluco...
- Eu não me importo. - respondi. - Sei que a gente errou e tem um preço a pagar.
- É isso mesmo. - concordou Alexandre. - Mas um dia a gente sai daqui pra uma melhor... - ele me puxa pela mão. - Vem, Passarinho,eu vou cuidar de você.
- Bom, eu vejo vocês depois. - disse Peu, enquanto seguia em direção da entrada. - Vou ver como está a Lavínia. Tchau!
Sigo com Alexandre pelo corredor sombrio, onde crescem algumas plantas raquíticas. Ao longe os morcegos guincham e as almas penadas berram de dor.
- Quem é essa Lavínia? - quis saber.
Alexandre sorri de leve.
- É uma mina que o Peu está a fim. - ele me explica. - Ela fica lá embaixo, no Vale. Cortou os pulsos...
Ao ouvir aquilo, fico muito espantado.
- E rola isso aqui?
- Rola de tudo. - tornou meu amigo, e chegamos a um outro compartimento da caverna, onde por ventre umas pedras corre uma pequena cascata. Alexandre me faz sentar, pegar um pedaço de pano e começa a lavar minha cabeça com a água da fonte, que se tinge de vermelho. A água é muito salgada.
- Que água estranha... - comento. - Sal puro!
Alexandre me olha profundamente.
- Não é exatamente água... são lágrimas, Passarinho. Essa fonte é alimentada com as lágrimas que todos os suicidas derramam...
Ao ouvir aquilo, fico muito perturbado. Alexandre continua a me lavar e me sinto melhor. Depois percebo que estou com fome... estranho, pensei que depois de mortos não tivéssemos mais necessidade de comer. Sinto um cheiro distante de carne assada... meu amigo parece ler meus pensamentos.
- Você está com fome? - ele me pergunta.
- Estou, sim... - respondo. - O que vocês comem aqui?
- É um pouco diferente do que a gente estava acostumado a comer na Terra... - ele me alerta. - Vem...
A caverna onde estamos é enorme. Em outro compartimento há uma grande fogueira rústica, que arde entre pedras, e então vejo horrorizado o que está assando- é um daqueles morcegos gigantes!
CONTINUA