Muito Longe do Fim Terceira Parte
Aquela voz... não posso crer! Abro os olhos e ele está ali, na minha frente! Seu rosto machucado, a ferida na testa já coagulada, usando a roupa com que fora enterrado. Eu lembrava bem... a camiseta preta com o logo CBJ, a calça bege. Porém, estava tudo em farrapos, sujo de barro... seu olhar refletia uma tristeza infinita, e me encaravam com pena, perplexidade, como alguém que encontra um animalzinho ferido...
- Estou aqui, Champs... - de novo ouço sua voz querida,e quase esqueço toda a minha desgraça. - Eu tenho ouvido você me chamar, desde que acordei nessa porra desse lugar... que foi que você fez, moleque?!
Ele senta no chão ao meu lado, ele me puxa para o seu colo, nos abraçamos, e começamos a chorar os dois,chorar alto, aos soluços. Choramos tanto, mas tanto, que nossas lágrimas formaram uma poça ao nosso redor... pode parecer difícil de acreditar, mas é verdade.,,
- Alê ! Ai, Alê... te chamei tanto, e você não me respondeu... pensei que você estava morto!
- Eu estou morto... e você também. Você se matou, cara...
- Eu sei...
- Por que?O que é que te deu?
- Não aguentava mais aquela bosta de vida...
- Mas, cara, e a sua mulher? E o bebê?
- Não quero falar nisso, por favor... E quer saber, Alê? Apesar de tudo valeu a pena... porque eu estou aqui, com você...
Ficamos ali, abraçados, um momento de ventura no meio do inferno... estamos mortos, mas o cheiro dele é o mesmo, o calor é o mesmo... Ele acaricia meus cabelos e torna a me encarar com infinita pena.
- Não chora mais... eu vou cuidar de você... eu nunca mais vou sair do seu lado.
Sorrio um instante por entre as lágrimas.
- Jura?
- Juro...
- E você? Por que você se matou, cara?
- Eu não me matei... aquela merda não estava fazendo mais efeito... daí exagerei na dose...
Eu toco no seu rosto, eu o abraço. Ainda não acredito que esteja com ele novamente, tenho medo de que vá se evaporar. Alexandre olha em volta.
- Esse lugar é terrível, mano...
Também olho em redor. O céu é carregado, os zumbis hediondos desfilam sem parar, cada um mergulhado na própria dor, indiferentes ao que se passa a sua volta... ouvem-se gritos no ar e passam bichos enormes voando, tipo dragões, e às vezes, morcegos de um tamanho que não existe na Terra... não há vegetação, apenas algumas árvores brancas de galhos retorcidos e espinhosos, e pedras, e cavernas...
-Onde a gente está? - pergunto ao meu amigo.
- No Vale dos Suicidas. ele responde. E me olha longamente.- Champs, porque a gente brigava tanto? Que bobeira...
Penso um pouco.
- É que a gente só briga com quem nos importa de verdade... - respondi.
- Você sempre foi um pedaço de mim... meu irmão, meu filho, sei lá. E agora...
- E agora?
- Agora você é um passarinho que eu achei caído do ninho. - disse Alexandre com uma graça infinita. - Um passarinho que eu vou aquecer... debaixo da minha asa. Vou proteger...
Nos abraçamos longamente. Ele se levanta e me puxa pela mão.
- Vem Vamos pra casa...
Fico muito surpreso.
- Que casa?
Ele dá um sorriso melancólico.
- A casa que podemos ter por enquanto.Vem, vou te mostrar...
Estou muito fraco para andar, minhas pernas estavam bambas. Alê me toma nos braços e me carrega como uma criança. Algumas entidades sombrias nos cercam, ele as afasta com um gesto brusco.
Andamos assim algum tempo, até pararmos diante de umas cavernas que ficavam num alto, mais acima do vale. Então ele me largou e me ajudou a subir.
- Chegamos, Champs. - falou. - Bem vindo ao seu novo lar...
Sinto cheiro de umidade, a caverna é sombria, de dentro vem uma voz familiar:
- Ah, até que enfim... pensei que ia ficar o resto da eternidade lambendo a cria!
CONTINUA