PÁSSAROS
Era dezembro, eu estava cansado e oprimido, apenas andando na grande estrada sem fim, onde o que apenas se consegue enxergar é a imensidão do horizonte. Estava exaurido, quase sem comida, com as roupas gastas pelo pó da estrada deserta, apenas com minha mochila e minha vontade... Vontade de viver! Podia não estar nas melhores condições, mas estava livre! Livre de pessoas, livre de problemas, livre de tudo... Foi então quando avistei uma pequena menina. Ela aparentava ter uns sete ou oito anos. Suja, coitada. Com seu vestido branco encardido de terra, seu cabelo castanho avermelhado mal se movia, pois estava coberto de terra e pó. Seus dedos finos e longos estavam cheios de sujeira por entre as unhas. Seus olhos esverdeados, cansados e alegres, olhavam fixamente para seu pássaro de seda azul. Ela o guiava com cautela e alegria, e puxava-o de um lado para o outro, com sua curta linha prateada. Aquela menina me chamou a atenção. Ela estava também livre, como eu. Estava quase nas mesmas condições que a minha, sem água, sem comida, com pó nas vestes, mas estava alegre e não deixando de ser criança. Foi então que me aproximei dela, queria também ser envolvido por sua alegria. Fui chegando perto dela com cuidado, de modo que não a assustasse. Eu sentei-me ao seu lado e permaneci calado, quieto, imóvel, apenas sentindo o suor escorrendo pelo meu corpo e sentindo aquela fraca brisa abafada. Foi então que ela notou minha presença. Ela olhou tímida para mim, deu um pequeno sorriso e voltou a puxar seu pássaro azul de seda com uma das mãos. Fui então surpreendido quando ela resolveu também me dar um pássaro de seda, só que de cor amarela. Eu fui pego de surpresa, não sabia o que fazer com aquilo. Ela, vendo que eu estava inquieto e com duvida, amarrou sua linha prateada numa fina vareta, largou no chão e foi me ajudar. Ela tomou das minhas mãos o pássaro amarelo e com mistério, puxou uma linha prateada, que logo foi amarrada na ponta do pássaro. Quando me dei conta o meu presente já estava lá no alto, voando, leve e livre. Ela então deu um sorriso e me entregou a linha, deixando assim que eu conduzisse e desse vida e movimento ao significativo brinquedo de seda. Eu então fiquei ali com aquela menina, apenas observando a movimentação do casal de pássaros de seda. Então comecei a refletir, entendi o verdadeiro sentido daquele presente, entendi também o porquê ela estava ali fazendo aquilo. Eu estava me sentindo como o pássaro de seda, me sentia leve e sendo levado por aquela abafada brisa da estrada. Por um momento fechei os olhos e tentei me colocar no lugar dele, mas não consegui, foi em vão, sem êxito. Eu estava com fome, com sono, com calor, tudo o que eu mais queria naquela hora era descansar. Mas eu sabia que não podia ficar ali, embora a pequena menina me desse uma boa sensação eu sabia que não iria durar para sempre. Foi nesse momento em que tudo mudou, o momento em que meus pensamentos se expandiram, no momento em que descobri o verdadeiro sentido de tudo, aquilo não passara de uma mera ilusão, os pássaros, a menina, a brisa abafada... Eu me levantei, olhei para a menina e larguei a linha prateada, deixando assim o meu pássaro amarelo se perder, ser deixado levar pelo vento. E eu fiquei apenas observando e pensando: quisera eu ser aquele pássaro...
Rangel Amon