ESTRANHO LUGAR

Eu me deslocara até aquele local com certo receio, sabia que algo iria acontecer, sabia que algo estranho estava por vir. Quando cheguei ao grande castelo me deparei com muitas pessoas, a grande maioria era jovem. Mas o que me chamou a atenção não fora à quantidade de pessoas que se encontravam nesse evento, mas a forma com que se vestiam. Todos estavam vestidos com roupas que chamavam muita a atenção, mas que para mim parecia mais um desfile de horrores. Ao ver tantos jovens, ainda na primavera de suas vidas, parecendo verdadeiros monstros, parecendo seres humanos desfigurados. Foi então que comecei a me perguntar: O que levara eles a se vestirem assim? Seria algum modismo? Talvez fanatismo? Foi então que me abati. Aquele lugar, não era bom. Nele eu podia sentir uma sensação de ansiedade, medo, curiosidade e dúvida, pois ainda me perguntava o que teria me levado até aquele lugar. Eu continuara a apreciar o “desfile de horrores”, vaguei até que cheguei ao salão central. O que me chamou a atenção é que esse salão era descoberto. Bom, pelo menos podia entrar um pouco de luz naquele lugar... Então os jovens começaram a se reunir no grande salão, eu estava ansioso, queria saber o que iria acontecer.Eles chegaram rápido, como se uma força os atraísse. Fizeram então um grande circulo. Meio desajeitado e sem organização nenhuma. Eu apenas continuei sentado no chão de mármore de cor creme, ao contrário dos jovens, que permaneceram em pé e aguardando algo que estava por vir. Foi então que começou a tocar uma música. Era de um ritmo contagiante, que embriagava quem o ouvia. Logo eu fui tomado pela mesma sensação de todos que estavam nesse local. Aquele som me deu uma sensação de prazer! Mas como? Se eu nem gostava do local em que estava. Será que me tornara um deles? Ignorei e continuei a apreciar o som. Eles então começaram a dançar. Aquela música... Além da melodia contagiante tinha uma coreografia hipnótica! Possuía movimentos tão diferentes que eu não conseguia desviar o olhar deles. Eu continuei sentado, apenas me deixando ser envolvido pelo som. Ao contrário dos jovens, que dançavam freneticamente sem parar. Eles estavam tão concentrados em seus movimentos que não paravam de dançar! Faziam formações de três, cinco e até mesmo de oito pessoas. A coreografia não era muito ensaiada, porém, todos que ali estavam sabiam ela, faziam as formações como se soubessem qual era o seu lugar, repetiam os movimentos como quem se imita alguém, como se estivessem imitando seus ídolos. Foi então que entendi o porquê do desfile de horrores. Eu então parei de ouvir aquele som, estava quase me deixando levar por ele. Levantei-me e iniciei novamente minha exploração por aquele lugar estranho. Bem ao lado, quase no fundo do grande salão descoberto, bem no canto, se encontrava um grupo de mais ou menos umas cinco garotas. Aparentavam ter seus quinze ou dezesseis anos. Estavam vestidas como todos os outros em uma pequena roda, sentadas, formada por elas cinco e mais quatro seres estranhos. Entre elas tinha um ser que era uma mistura de galo e gato. Eles tinham os olhos bem grandes, tinham pequenas penas que se misturavam com a pelagem do gato. Possuíam também um bico desajeitado de cor amarelada, o qual ficava abrindo e fechando a todo o tempo, e eram também muito coloridos. Eles emitiam um som engraçado, o qual chamava a atenção daquele grupo de meninas. Elas cantarolavam algumas vogais, que não se rimavam, estralavam os dedos dando ritmo àquele som. E os galo-gatos imitavam elas com seu som desafinado, e elas riam. Eu dei um curto sorriso e dei continuidade à exploração daquele lugar. Eu andei até encontrar uma apertada tenda, com várias mesas e pessoas. Elas vendiam objetos bizarros, o qual “ajudava” a melhorar a aparência e o visual macabro dos jovens. E era uma compra descontrolada, desorganizada e rápida. Tinha de ser o mais rápido possível para se conseguir o que desejava. Mais o que me intrigou não foi a forma de venda, e sim os vendedores, eles não se vestiam como os jovens, com roupas estranhas e macabras, eles eram pessoas comuns, eram pessoas normais, mas que vendiam aqueles objetos estranhos.Saí de perto daquela mistura de gente, daquele local de compra tão apertado e descontrolado. Caminhei até parar dentro daquele local, para a área coberta de lá. Lá dentro me lembrava dum castelo. O clima, os móveis, a tapeçaria e muitas outras coisas. O teto era alto, com um grande lustre dourado com cristais. Eu entrara sozinho na primeira sala deste “castelo”. As portas e as janelas eram de vidro temperado, grandes e delicadas, decoradas por belos panos cor creme. Na primeira sala tinha apenas um sofá antigo com algumas almofadas sobre ele, com desenhos que me faziam lembrar-se da cultura indiana. Na frente do sofá tinha um grande tapete, com desenhos abstratos em vermelho e dourado. Não tinha nada demais nessa sala, nada que me intrigasse nela. Passei então pela segunda porta, que ligava essa sala a outra, senti então a sensação de estar sendo seguido, dei uma olhada, com receio, para traz, não vira nada além de meu próprio reflexo na grande porta de vidro. Adentrei a essa segunda sala. Nela tinha uma grande mesa de jantar feita de madeira vernizada, com taças e pratos de porcelana ao centro dela. Na mesma parede que se seguia a porta existia um corredor, escuro e estreito. Não tive a curiosidade de entrar, apenas olhei vagamente para ele e continuei andando. Cheguei então à terceira sala. Dessa sala podia ter a visão dos jovens lá fora. Não era uma sala muito grande, comparada as outras duas. Nela tinha apenas um quadro numa parede branca, uma mesa pequena ao centro, e várias poltronas em volta dela. Esta sala dava acesso a uma sacada, ao qual me dirigi rapidamente, e de lá pude avistar todos os jovens que ali se encontravam. Lá de cima pude visualizar o rosto de cada um. Fiquei um tempo ali, sozinho, refletindo, ponderando... Fiquei pensando no que faria depois de sair daquele lugar, quando sairia daquele lugar. Apenas entortei minha boca com ar de decepção e saí da sacada e dessa sala. Voltei no meio dos jovens, que continuavam suas danças. Nesse momento em que eu voltara ao meio deles me senti perdido, como se não soubesse para onde estava indo, mas algo não me deixava ficar parado, algo fazia com que eu me movesse e continuasse a andar, a vagar nesse estranho lugar. Foi então que encontrei uma menina. Ela estava vestida como todos lá estavam. Ela era magra, branca e de cabelos negros como os seus olhos, usava uma forte maquiagem no seu delicado rosto, aparentava ter seus dezessete anos. Não me lembrava de onde eu a conhecia, mas ela não me era estranha. Ela me passava segurança e carinho, começou a falar descontroladamente, mais eu não a ouvia. Então ela cessou a fala, como se tivesse concluído o que quisera me passar, me pegou pelo braço e me puxou, como se estivesse me levando para algum lugar. Eu dei uns três ou quatro passos com ela me puxando, olhei para ela e disse que não iria com ela. Ela olhou para mim sorrindo, largou meu braço, segurou minha mão por um instante e saiu, desaparecendo lentamente na multidão de jovens. Eu fiquei parado, sem ação. Para onde ela iria me levar? Quem era ela? Porque me sentia tão seguro com aquela menina? Apenas baixei a cabeça e dei continuidade a minha exploração naquela estranha atmosfera de jovens fantasiados. Eu andei até chegar àquela porta, sim, a mesma de vidro temperado decorada por grandes panos cor creme. Eu entrei novamente nessa sala, mais ela já estava diferente. Na primeira sala, as janelas que antes estavam fechadas, se encontravam abertas, o vento frio e gelado entrava e balançava as altas cortinas que antes eram creme, mais que agora eram vermelhas e assustadoras. O grande lustre dourado de cristais se balançava lentamente. O grande sofá antigo continuava no mesmo lugar, porém, as almofadas que nele estavam se encontravam espalhadas pela grande sala, algumas até estragadas. Eu não tive mais vontade de ficar ali, pois ao contrário da primeira vez, não tinha mais com o que me admirar, a sala se tornara fria e tensa. Eu então segui a segunda porta, e novamente, senti estar sendo perseguido, só que dessa vez era mais tenso, mais forte, me deu mais medo. Dessa vez não vi apenas meu reflexo na porta de vidro, vira uma sombra. Uma sombra que tinha o formato de uma pessoa alta e magra. Quando avistei a sombra, ela rapidamente sumiu como se tivesse percebido eu a avistara. Entrei então na grande sala de jantar. A mesa que antes estava vazia agora estava repleta de comida, farta. Aquela comida poderia alimentar a todos que se encontravam naquele lugar. O que me chamou a atenção foi à iluminação, que era a luz de velas. Os castiçais eram antigos e velhos, a cera da vela se escoria por ele numa estanha forma. E o corredor que seguia a mesma parede da porta, agora se encontrava iluminado por velas e castiçais na parede. Agora podia enxergar uma porta simples e sem graça ao final desse corredor, porta essa a qual não tive a curiosidade de entrar. Segui em frente e entrei na terceira sala, a sala com a mesa ao centro e as poltronas em volta, àquela sala que me dava a visão de todos os jovens que ali estavam. Essa sala, ao contrário das outras, permanecia a mesma, porém, com algumas pessoas transitando nela. Não vira nada demais nisso e saí dali. Quando saí da sala segui em direção a um beco que avistara durante meu passeio. Quando entrei nele, mais especificamente no fim dele, me deparei com uma grande rua, vazia. Essa rua era larga e longa, o chão era cheio de pedras de cor de terra. Estava muito quente, tive a sensação de estar num deserto no momento! Mais pensei comigo, ali naquela rua, sozinho, estava livre, estava longe daquele estranho lugar, sem ninguém. Bem, foi o que pensara. No horizonte avistei um grupo de jovens, meninos e meninas, todos aparentavam ter a mesma faixa de idade, eles seguiam em direção ao mesmo local de onde eu fugira. Eles pareciam alegres e ansiosos, como se não vissem a hora de chegar naquele lugar. Eles passaram por mim e logo sumiram, já tinham sido presos e enfeitiçados pelo ritmo e pela música daquele lugar. Eu continuei a andar naquela rua, o lugar estranho já estava ficando longe. Eu me senti aliviado por um instante, mais com certo receio de me afastar de lá, pois o que eu estava fazendo podia não ser seguro, talvez o melhor fosse voltar e continuar andando em círculos dentro daquele lugar. Foi então que parei, pensei e dei meia volta. Foi só o tempo de me virar que já me encontrei dentro do lugar!Fiquei espantado. Foi um sacrifício para me afastar de lá mais para voltar foi muito rápido, eu nem precisei fazer esforço! Então me conformei e continuei a andar em círculos. Foi quando novamente me deparei com uma grande porta de vidro, todo trincado e riscado. Fiquei com medo até de abrir, pois parecia que ia desabar a qualquer momento. Mais eu abri e entrei sem nenhum problema. E novamente me deparei com a primeira sala. Mais que agora estava totalmente destruída, as cortinas vermelhas estavam se movimentando violentamente, e aquela ventania fria e gelada me congelava. O grande sofá estava intacto, agora com um casal que conversava nele sem nenhum problema, como se a sala estivesse linda e iluminada. O grande lustre dourado de cristal agora se rompera, estava caído num canto da sala, como se estivesse sido arrancado pelo violento vento que invadia aquela sala. Passei então pela segunda porta.Sim, a mesma sensação de sempre, aquela de perseguição. Dessa vez foi a pior de todas, eu realmente vi alguém, mais não me preocupei em ver como era sua aparência, mais me parecia ser horrível! E dessa vez eu realmente estava sendo perseguido! Eu cruzei correndo para a segunda sala, avistei algumas pessoas sentadas à mesa, segurando talheres de ouro, vestidos com roupas antigas, apenas olhando para a grande mesa farta de comida. E a pequena porta sem graça ao final do corredor, que eu nunca tivera a curiosidade de entrar, se encontrava agora aberta e obscura, convidativa, apenas aguardando a minha entrada. Mais eu estava sendo perseguido, apenas olhei para ela com certo desprezo e continuei a fugir. Passei então pela terceira porta, e cheguei a aquela sala, a que não muda a que está sempre à mesma. E não foi diferente, ela estava à mesma. A mesma mesa ao centro, as mesmas poltronas em volta... Eu então segui para fora, como sempre fizera naquele lugar, só que estava diferente, como se tudo estivesse chegando ao fim. Os jovens que antes dançavam freneticamente estavam sem energia, se movimentavam de um lado para o outro lentamente. Eles olhavam para frente, em um ponto fixo, como se estivessem esperando por algo. A música que antes tocava e se espalhava pelo “castelo” agora tinha cessado, e tudo o que se ouvira eram os fracos passos daqueles jovens macabros. O grande salão descoberto, aquele o qual tinha uma pequena roda de meninas com seus galo-gatos, se encontrava cheio de jovens, mais sem vida. Aquela energia estranha que eu sentia antes, agora se apagara. E eu me senti sozinho. Então fui tomado por um forte medo, toda aquela atmosfera que me fazia andar em círculos... E se eu voltasse nesse instante à grande porta de vidro, o que aconteceria? Ainda teriam mudanças para serem feitas na primeira sala? O sofá ainda estaria intacto? E ao passar pela segunda porta, aquele ser deformado iria parar de me perseguir e finalmente conseguiria me pegar? O que seria de mim? E a pequena porta sem graça ao fundo do corredor, ela estaria lá ainda? Eu entraria nela? Seria meu escape? E a terceira sala, sim, aquela que nunca muda, estaria do mesmo jeito com sua mesa ao centro e suas poltronas em volta? Essas perguntas, ao mesmo tempo em que queria ter as respostas, eu desejava não tê-las, não queira viver novamente a sensação de ser perseguido, ou ter a tentação de entrar no desconhecido. Foi nesse momento que eu me lembrei de um beco, o qual me libertava daquele lugar. Sem hesitar segui correndo em direção a ele, mais ao final dele me deparei com aquela moça, à menina de olhos e cabelos negros. Ela ficou bem entre o limite da prisão para a liberdade. Ela do mesmo jeito, doce, delicada e sorridente, me segurou no braço novamente e disse que eu deveria ficar, disse que o melhor ainda estava pra acontecer. Eu fechei a cara, empurrei-a e saí do beco, chegando assim até a rua, e a menina, que agora estava caída no chão, continuou a sorrir, como se sua cara estivesse congelada, como se fosse obrigada a sorrir, e continuou lá, sentada e observando meu escape. Eu finalmente cheguei a grande e larga rua de pedras marrons, sim, aquela rua a qual é quente e interminável. Eu olhei para traz, e a última imagem que tive foi de ver aquele imenso lugar, aquele “castelo”, com suas salas, portas e jovens, se transformando em fumaça e assim desaparecendo no ar. Eu me levantei, olhei para frente e segui rumo ao desconhecido.

Autor: Rangel Amon.

Rangel Amon
Enviado por Rangel Amon em 27/12/2013
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