PEDRA NEGRA

Eu estava atrasado, afinal, não é todo dia que algum familiar seu vem a falecer. Estava frio e chovendo, era um dia típico para um velório, pelo menos era o que eu pensara. O relógio me torturava a cada minuto que se passava, e eu correndo contra o tempo, persistia para conseguir chegar o mais rápido possível no velório. Finalmente cheguei à igreja, onde o corpo estava sendo velado. Deparei-me com cenas típicas de velório: rostos tristes, pessoas inconformadas chorando, pais explicando para seus filhos que surgira mais uma estrela no céu... E assim era um velório, frio, melancólico, triste e chato. Eu não sabia o que estava fazendo ali, aquele parente meu, que eu nem conhecia, que nem seu nome sabia. Ali realmente não era o lugar onde eu deveria estar. Eu então desarrumei a gravata, tirei meu paletó e saí da pequena igreja no cemitério. Eu segurava meu paletó com uma das mãos e vagava por entre as tumbas e as estátuas frias e sem vida daquele cemitério, a procura de nada, apenas um momento para deixar a mente limpa e livre de pensamentos. Eu andei até encontrar uma estátua. Mas aquela era diferente das outras, era incomum para estar naquele cemitério. Ela era alta e larga, era feita em gesso, sem tinta nenhuma, era totalmente branca. Sua forma era semelhante a um anjo, mas, seus traços lembravam um elfo, o formato do rosto, as orelhas pontudas, seus traços perfeitos e delicados... Mas, ao me aproximar dela pude perceber que ela era dividida em duas partes. Uma das partes era como a que eu descrevi, um elfo-anjo, a outra era algo estranho, feio e assombroso, não consigo descrever o quão terrível era o outro lado da face daquela estranha estátua. Era um rosto deformado, sem expressão, parecia que estava queimado. Suas vestes também eram estranhas, estavam desarrumadas, rasgadas, ao contrario do outro lado da estátua, onde suas roupas eram limpas e bem arrumadas. Eu ficara ali observando aquela curiosa escultura. Procurei então saber a quem ela teria sido feita, qual era a pessoa que ganhara aquela escultura tão bela e assustadora para fazer companhia ao lado de seu tumulo. Não encontrei nada. Apenas uma lápide sem nome, com um epitáfio que estava escrito em alguma língua a qual eu não conhecia. Estava escrito assim: “le cose non devonoaccadere in quel modo”. Eu não entendera muito bem, mais me parecia ser italiano. Então, rapidamente pesquisei a tradução usando meu celular, a frase dizia: “as coisas não deveriam acontecer dessa forma”. Essa frase, no mesmo tempo em que dizia tudo, não dizia nada, ela tinha sentido e também não tinha, porém, era uma frase boa, me fez refletir mais ainda, mas pra mim, não tinha significado algum. Eu continuei a apreciar aquela curiosa escultura e pude perceber uma coisa a qual não tivera prestado atenção antes. O personagem esculpido segurava uma pedra, uma pedra negra, mas o que era engraçado é que essa pedra não se dividia entre as duas metades, como as vestes e as faces se dividiam, ela era bruta, grande e bonita, nunca tivera visto uma pedra daquela antes. Então um sentimento se apoderou de mim, eu precisava daquela pedra! Mas por quê? Que bem ou mal ela traria? Mesmo me indagando, eu precisava daquela pedra. Eu me aproximei da estatua, dei uma espiada para os lados e num rápido movimento peguei a pedra negra! Segurei-a em minhas mãos e pude ver dentro dela coisas estranhas, pareciam ser almas presas dentro dela. Eu achara aquilo estranho, mas, mesmo assim, levei-a comigo. Estava tudo bem, eu já tinha a pedra e poderia ir embora tranquilamente. Pelo menos quisera eu que fosse assim. De repente senti um forte tremor de terra, como se o chão fosse se repartir ao meio. Quando olhei para traz, para o meu desespero pude ver a estátua branca de duas faces se mexendo e ganhando vida! Nessa hora eu congelei, fiquei sem ação, não sabia o que fazer! Pois, daquele momento em diante, tudo poderia acontecer. Eu então caído e imóvel, apenas segurando a pedra negra em minhas mãos fiquei olhando aquela linda e macabra estatua se aproximar de mim, com suas asas enormes. Ela parou na minha frente e começou a falar, me perguntara por que eu peguei sua pedra, o que eu faria com ela. Eu não soube responder, falei apenas que precisava dela. E então a face angelical virou-se para mim e falou que eu tinha duas escolhas: eu poderia devolver a pedra e tudo voltava ao normal, e a face macabra e horrenda se virou para mim e falou: ou você leva essa pedra com você e faz um acordo comigo. Eu não sabia o que fazer, estava em dúvida, eu precisava daquela pedra, não sabia o porquê, mais sei que necessitava ter ela em minhas mãos. Eu então perguntei a estranha face qual era o acordo que eu deveria fazer para se ter a pedra, ela chegou bem perto e disse: Eu quero apenas a sua alma! Eu não acreditara no que estava ouvindo. Como assim “apenas a sua alma?” é a minha vida, é tudo o que eu tenho... Ou pelo menos quase tudo, a única coisa que eu não tinha, era a pedra negra. Eu então olhei para dentro de seu assombroso olho e falei: acordo feito! A face angelical começou a chorar, e a outra deu gargalhadas altas e macabras. E de repente eu senti minha alma saindo de meu corpo, como se minha vida estivesse saindo de mim! Eu pude ver meu espirito sendo aprisionado dentro daquela pedra, eu não acreditara no que eu tinha feito. E então um sentimento de arrependimento se apoderou de mim, eu queria desfazer o acordo. A horrenda face se aproximou de mim e falou: depois de feito, nada será desfeito! E deu suas gargalhadas sombrias. Eu fiquei imovel e sem ação, naquele momento tinha acabado de perder minha vida, tinha trocado minha alma por uma pedra inútil, mas pelo menos, eu tinha a pedra. Era o que eu pensara. Foi então o momento em que eu mais senti medo em minha vida, não só pelo fato de ter uma estátua linda e macabra rindo de mim, mas sim pelo que iria acontecer: o chão começou a se abrir, mãos vermelhas e sujas surgiram de debaixo da terra, estavam descontroladas e começaram a me puxar desesperadamente! Eu gritei e lutei com todas as minhas forças para poder me livrar daquelas terríveis mãos, mas fora em vão. As últimas imagens e lembranças de minha vida eram um monótono velório, uma tarde chuvosa, um cemitério, uma estátua angelical e demoníaca e um menino sem alma sendo arrastado para debaixo da terra.

Autor: Rangel Amon.

Rangel Amon
Enviado por Rangel Amon em 27/12/2013
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