A risada
Ela subiu as escadas totalmente concentrada, três lanços. O sangue lhe corria nas veias em velocidade avassaladora. A respiração dificultosa e os olhos já cheios dágua. Subiu resoluta, inabalável: apoiando-se nos corrimãos frios e descascados. Por fim, estacou diante da porta. Manteve-se imóvel por longo minuto. Não tardou, entretanto, a erguer a mão e segurar com firmeza o trinco gelado. Então o girou, empurrou a porta, entrou de supetão no ambiente.
Parecia uma confraria secreta, com as costas voltadas para a humanidade. Não precisou contar para constatar a presença dos doze homens trajando luto, dispostos em macabra meia-lua. Olhavam-se todos com extrema irritação e um quê de desprezo. Ela não pôde mais suportar. Seu tórax sacudia-se inteiro, parecendo querer partir-se em três, ou seis. E seu riso desvairado pôs-se a ecoar no ambiente. Um riso nervoso, violento que logo virou gargalhada. Simplesmente não controlava. Os músculos do abdômen tremiam e sacolejavam como um velho motor, e os olhos cruéis vertiam lágrima, molhando todo o rosto.
Ela emitia pequenos gritinhos agudos que pareciam carregados de uma ira inexplicável e brutal. A essa altura, notou-se que os graves cavalheiros não conseguiam lhe focalizar a vista em cima. E pareciam mesmo terrivelmente afetados pelo corpo que, então, rolava no centro da sala, já quase fora de si. Eles cederam, levantaram-se com toda austeridade de que dispunham e rumaram para fora. E foram-se. No meio do cômodo ficou apenas a mulher, já inteiramente nua, agonizando eu seu riso implacável. No apartamento, no prédio e no bairro inteiro, apenas sua gargalhada mortal era ouvida. Nem um único ruído a mais, até que parou, linda, silenciosa, sem sangue, inanimada.