O prazer de ser perverso
Eu era mau. Mais do que mau, eu era perverso. O mau é mau por diversas razões, o perverso se diverte com a sua maldade. E eu me divertia. Como naquele momento em que eu comi o cérebro vivo de um macaco, não pelo prazer de comer o cérebro do macaco, mas pelo poder que aquilo me deu perante aqueles idiotas, embasbacados com a minha excêntrica coragem. Há homens que buscam qualquer pretexto para alardear as suas fortunas e pagam qualquer quantia por uma boa demonstração. Mas, todos eles estão subordinados a alguém ainda mais rico e mais poderoso. Todos andam à procura de um mestre. Eu me lembro nitidamente da cara de espanto e admiração de cada um deles, quando eu lhes dissera que somente os muito poderosos sabiam o segredo da inteligência adquirida na degustação de um cérebro ainda vivo, e que eu lhes dava a oportunidade de se juntarem a mim naquele seleto clube. Só comi uma vez, porque não me apeteceu muito, mas eles nunca souberam disso. Ganhei muito dinheiro com a importação clandestina de macacos, soube de gente que se matava nos países subdesenvolvidos para serem os meus fornecedores, apenas para suprir o cardápio dos ridículos iniciados.
Ah! Como eu me divertia! Não havia divertimento maior para mim do que fazer os idiotas pensarem que eram eles os espertos.
Quanto mais dinheiro eu ganhava, mais me esmerava em procurar coisas divertidas para fazer. Dinheiro não era problema, porque eu sabia sempre como conseguí-lo, bastava chantagear as pessoas certas e eu tinha meios para isso. O mais difícil era satisfazer a minha necessidade de prazer, cada vez maior. Até que um dia tive a ideia, bem simples até, de montar um laboratório, com uns cientistas babões, sedentos por dinheiro. Era um complexo, com vários departamentos, que ia desde experimentos em drogas usadas para direcionar um grupo de psicopatas e retardados assassinos que eu livrara do manicômio judiciário, até descobertas de vacinas contra vírus que eles mesmos desenvolviam. O objetivo era somente a diversão, mas até eu fiquei surpreso com o retorno financeiro que eles me deram. Os psicopatas criavam o caos e do caos vinham as guerras, e eu entrava com o fornecimento de armas, para os dois lados, claro. Eu soltava os vírus e obrigava os governos a comprar as minhas vacinas. A coisa foi se ampliando tanto que cheguei a ter vários países nas minhas mãos. E eu me divertia. Ah! Como eu me divertia!
Poderosos governantes e não menos poderosos megaempresários me procuravam, na calada da noite, para me pedir favores. Comprar favores, melhor dizendo, e muito bem pagos, porque o meu prazer custava caro. Quanto mais eles se engalfinhavam pelo poder, mais prazer eu sentia, porque era eu quem, no fundo, armava aquele circo, para que eles, palhaços, melhor atuassem. E eu me divertia! Ah! como eu me divertia!.
Até que, um dia, me encomendaram umas lagartas, veja só! Era para desmantelar uma concorrência agrícola de alguns países, não me lembro dos detalhes. Eu só me lembro que dei ordens aos meus cientistas que modificassem geneticamente algumas lagartas, para que elas se tornassem resistentes aos defensivos conhecidos e enviei as meninas para os países indicados. Foi uma quebradeira geral, porque elas eram devoradoras insaciáveis e aquilo virou uma praga. Levei um bom lucro nessa, mas desta vez não deu tempo de me divertir, porque quando eu ia me encontrar com o cliente que me encomendara as lagartas, e lhe oferecer uma iguaria de cérebro vivo de macaco, recheado com um vírus, contra o qual somente o meu laboratório possuía a vacina, eu acordei. Os despertadores tem um quê de perversidade, que sempre nos acordam nos melhores momentos.