'' A CAMINHADA ''

Fazia tempo que Laercio não dava uma boa caminhada.

Sentia falta das suas caminhadas matutinas e tambem das vespertinas...Laercio sempre gostou de caminhar, principalmente nestas duas horas gostosas do dia...logo ao amanhecer e ver o sol nascer ou então aquelas do fim de tarde vendo o sol poente.

Mas a idade, e tambem a artrite, conseguiram diminuir estas gostosas atividades, suas pernas já não obedeciam com facilidade o comando da mente....a mente tinha vinte anos, mas as pernas a real idade, setenta e oito anos bem vividos...Laercio sempre foi magro, bem disposto, com boa saude mas ultimamente, nas ultimas semanas, se sentia fraco e passava boa parte do dia deitado ou no sofá da sala ou então no sofá velho e surrado da varanda, na varanda batia sol o dia todo, era mais quente e confortavel por la e tambem ele podia ver a rua, o movimento de carros e gentes passando, gostava de ficar por lá a maior parte do dia e quando anoitecia e o frio a varanda invadia, levantava, tomava sua sopa quente e ia para a cama.

Ultimamente não estava gostando mais de ir para seu quarto, para sua cama, primeiro ficava olhando para o teto , não conseguia pegar no sono mais tão rapido, ficava se virando, se batendo e depois quando adormecia vinham os sonhos, sonhos cansativos, malucos, ficava andando por lugares desconhecidos, subia e descia ruas e mais ruas, no sonho vivia reformando casas que nunca ficavam prontas e o pior dos sonhos era aquele que ele sonhava que caminhava, caminhava e sempre em direção de um cemitério, ficava parado na entrada e não consegui entrar, ouvia vozes convidando...'' entra...entra, seja benvindo....entra ''...ele não conseguia entrar, acordava assustado, ia ao banheiro meio capengando, voltava a dormir e sonhava com estas coisas....ruas, construções, cemiterios....estava ficando nervoso toda vez que ia para a cama....estava pegando medo de ir para seu quarto, deitar e dormir...os sonhos eram terriveis.

Era julho, o frio era intenso, Laercio não havia ido para a varanda neste dia, estava muito frio por lá, ficou no sofá o dia todo, deu a tarde, dona Ninha lhe serviu a sopa , ajudou Laercio a ir para a cama, fechou a casa e foi-se embora...Laercio ficou só, não conseguia dormir, se debatia, se virava....o sono chegou e os sonhos terriveis tambem.

Estava frio, o pijama era fino, ele estava descalço, caminhava por ruas de pedras geladas, escuras ruas, foi se afastando da cidade, as ruas agora eram de terra batida e mais geladas ainda, campos margeavam as ruas, desertas ruas, e ele sentindo vontade de caminhar, mesmo sentindo frio ia caminhando e viu ao longe luzes....apressou o passo, mais luzes, mais luzes....parecia uma cidade vista de longe e de repente viu...viu a entrada do cemitério toda iluminada por velas e mais velas...foi indo, parou na entrada, não conseguia entrar, não sabia porque estava ali, ficou parado e começou a ouvir as vozes...''' entra...entra..seja benvindo ...venha...venha ''....sentiu vontade e deu um passo, mais outro e mais outro....e foi caminhando pela alameda principal e as luzes das velas lhe indicava onde tinha que se mover, se virar, para a esquerda, para a direita...e viu, viu uma cova aberta, saia vapor da cova aberta, chegou perto, sentiu calor, sentiu vontade de entrar na cova, foi esgorregando, chegou no fundo, era quente por lá, confortável, se deitou e sentiu um bem estar, uma sensação gostosa de calor, não sentia mais frio....estava gostoso dentro da cova de terra batida, sentiu que o sono chegava e antes de adormercer de uma vez ainda pensou...'' assim deveria tambem ser minha cama, meu quarto...quente...gostoso '', dormiu, nada mais sentiu.

Dona Ninha chegou logo cedo, abriu a porta, a casa gelada demais da conta, um frio horripilante, sentiu na espinha este frio, se arrepiou toda e sentiu tambem uma sensação ruim, como se um vento frio, gelado, lhe tivesse trepassado o corpo e saido porta afora, fechou a porta com força, foi em direção da cozinha, foi ligando fogão, colocando agua do café, batendo panelas , fazendo barulho, colocou feijão no fogo e achou estranho que seo Laercio não havia ainda levantado, foi em direção ao quarto, abriu e viu a cama desfeita, ele não estava na cama, os chinelos estavam ao pé da cama, estranho, pensou ela, deve estar no banheiro...cruzes!!! com este frio e aquele velho maluco descalço, foi ao banheiro, a porta aberta e ninguem lá dentro.

Sentiu um arrepio na nuca, os cabelos em pé, chamou alto varias vezes o nome dele, nada...nehuma resposta, procurou a casa toda e nada, foi ao quintal, desceu ao porão...nada, nadica de nada, nenhum sinal do velho gagá, pensava ela....onde poderá estar esta criatura...mãe de deus, onde?...a casa em ordem como ela havia deixado no dia anterior, as portas e janelas todas trancadas, ela abria uma por uma para se certificar...n'ao sabia o que fazer, ligou para o filho dela, Lucas, ele veio, ajudou a procurar na casa toda de novo, nada...

Dona Aninha subiu no muro, chamou a vizinha e perguntou se viu algo...nada, e assim fez com outras vizinhas, nada, e a preocupação com seo Laercio foi crescendo, ...Lucas ligou para hospitais, casas de saudes, bombeiro, policia...nada....

No fim da tarde, ai pelas quatro, parou uma viatura da policia na frente da casa, dona Aninha e Lucas foram atender...

O policial perguntando se era ali que morava Laercio Bonifacio....sim, era aqui sim...e senhora o que é dele? ...empregada...e este rapaz?....meu filho...seu nome senhora?...Ana....e ele? Lucas..

Sinto informar....o sr.Laercio foi encontrado morto dentro de uma cova no cemitério do Fundão esta manhã pelo coveiro, vestia apenas um pijama leve, estava descalço e havia uma pedra, uma lápide ao lado da cova aberta com o nome '' LAERCIO BONIFACIO...nasceu em 12 de Dezembro de 1935...faleceu 13 de Dezembro de 2013 '' e como alguem havia telefonado a delegacia de policia procurando por esta pessoa viemos trazer a noticia...necessitamos de que alguem vá conosco reconhecer o cadáver no IML....

Dona Aninha nunca mais se recupeou do susto, do pavor que este mistério criou dentro dela...viveu o resto de sua vida tentando descobir o que aconteceu naquela noite...nunca conseguiu, e quando morreu, coitada, morreu em agonia por não ter sabido o como e por que de tanto misterio....principalmente a da pedra tumular, a lápide...quem a teria mandado fazer? e ainda mais com nome e sobrenome e pior, a data da morte colocada certinha na pedra...cruzes!!! e dona Aninha se benzia toda vez que disto se lembrava....pobre dona Aninha!!! que Deus a tenha em bom lugar, ela merece, sofreu muito depois de tudo porque passou com a misterio do seo Laercio, como ela dizia, fez até tratamento para os nervos a coitada, tomou remedio até morrer, morreu em agonia mesmo....vichiiiii!!!!

Lucas tambem ficou bastante abalado, acreditava na sua mãe, sabia como ela era cuidadosa no trabalho dela, como cuidava de Laercio e da casa, sabia que se ela dizia que havia trancado tudo era porque ela realmente havia trancado e a chave extra que Laercio sabia onde estaria na hora de um aperto, estava lá no lugar...

O filho de seo Laercio, advogado famoso que morava na capital, veio, cuidou de tudo, vendeu tudo e como veio se foi, nem bola deu para o '' mistério'' que circundava a morte do pai....advogados são assim mesmo, incrédulos, acreditam só em uma coisa...na côr do marvado '' cacau '' chamado de dinheiro....fazer o que!!!! e como no atestado de obito constava '' morte natural '', deu o caso por encerrado.

A policia ainda tentou desvendar como Laercio havia entrado no cemitério do Fundão....era todo cercado de muros altos, o portão era fechado com cadeado pelo zelador logo as seis da tarde e só se abria as sete da manhã e naquela noite foi assim tambem, o zelador fechou e abriu, nada havia sido violado e depóis de alguns dias o caso foi esquecido pela policia, pelo zelador, mas até hoje na pequena cidade ainda se fala, se comenta do caso....e tem gente que jura de pé junto que quando voltavam altas horas da noite do trabalho e tinham que passar por perto do cemitério do Fundão viam sempre um senhor, um velho magro e esguio andando e indo na direção do portão, ficava parado na frente do portão fechado....eles se assustavam, saiam correndo e não contavam nada para ninguem de medo de serem chamados de bobos, de medrosos e pior...de mentirosos.

Dizem, contam as más linguas que tudo que uma pessoa mais gosta na vida quando chega a hora da morte ela sai do corpo e vai fazer o que gostava e fez, ou o que gostava e não fez, não fazia, ou por vergonha, ou por medo, enfim, dizem que ninguem parte desta vida sem ter feito nem que seja uma vez sequer o que tinha vontade de fazer...nem que seja na hora da morte, dizem, a pessoa vai e faz....

Laercio sempre gostou de caminhar....dai!!!!!

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WILLIAM ROBERTO CUNHA
Enviado por WILLIAM ROBERTO CUNHA em 13/12/2013
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