Caixa Negra.
Caixa negra.
O que seria? O que de fato, significaria esta brincadeira do destino, estariam sentados em volta duma fogueira, por entre ecos de gargalhadas: Eros, Hades, Posseidom, Hermes, Zeus, e todos os outros deuses do Olimpo?!
E entre um levantar de taças já pelo décimo segundo ou décimo quinto brinde, bradando e sorrindo entre si, quase esbravejam:
_ Que seja cumprido o desejo dos Deuses unindo a fascinação à loucura! Brindemos!
...
Sinceramente ainda não sei, penso apenas nestas inquietudes; e entre lixas que agora já penso em jogar fora, uma vez que o raspar do limo finda quase, sinto-me nu perante os espasmos infindáveis deste destino, tão doce e no entanto ainda assim, com um sorriso enigmático que exaspera todos os meus parcos neurônios.
Tento desesperadamente acender um fósforo e queimar alguns medos, sinto a umidade que recobre ironicamente a pólvora de cor rosa (e também, esta cor é uma piada de péssimo gosto, Rosa? que cor enjoada para algo que explode em chamas após, um friccionar mais forte, nada ha de rosa no queimar e fumaçar exaurindo-se e enegrecendo-se a olhos vistos.) Umidade esta, advinda do bolor aprisionado nas grades do tempo em que a cegueira foi escolha.
Mas como o fogo se nega a acender rasgo os medos em ínfimos pedacinhos, tentando assim partir-lhes todas as tão bem fundamentadas fibras ilusórias, todas e uma a uma, banhadas de desistências, de sensações de fracasso, e por fim, a ultima caixa de medos, esta, negra e com cadeados repletos de segredos, dos quais é difícil para mim lembrar, códigos antiquíssimos que na época em que a tranquei me eram de alguma forma sensata escolha.
Angustio-me a trocar número por número, rastreando memórias, datas, ocasiões na ânsia febril de encontrar as sequencia correta mas os cadeados, me sorriem com olhos estáticos, ruminando pensamentos, balbuciando coisas que eu não entendo.
Paro por uns instantes, pois agora, a pele de meus dedos já ardem, vou até a rua acendo um cigarro, tento pausar a mente, quem sabe assim me venham displicentemente os famigerados números que travam aquela maldita mala!
E um cigarro se transforma em dois, depois, três, e o amargor que na garganta agora se fixa, tem o nítido sabor de meu desespero.
No céu nuvens me tapam a visão da lua, o que só piora este meu estado de absorta catarse de mim mesmo. Infligindo-me esta escuridão de tudo. Sinto-me um iceberg solitário, em meio a um mar onde navios ha muito ausentaram-se da rota. E embora saiba que fui eu mesmo a recolher-me nesta gélida maresia d'onde hoje pertenço.
_ Mas e os números?! preciso tando lembrar-me deles, e desta vez tisnar os medos trancafiados na velha caixa, negra.
Subitamente, algo me vem a mente e com passos alucinados, carrego este amontoado de ossos, veias, sangues e músculos aos quais denomino de eu, para dentro da sala, onde a caixa paira ironicamente inerte. Agarro-a com a ferocidade dos famintos, e a ansiedade congela-se em meus olhos:
7...1...B...9...8...A
Um clique invade o silêncio da minha ofegante respirações, a caixa abre-se, como abrem-se para mim, na frequência das horas, as pernas inúteis. Em seu interior, milhões de folhetos, pétalas sem cor, tanta dor embrulhada em papiros amarelados, muitas lágrimas guardadas em pequenos vidros de antigos perfumes, algumas descoloridas fitas do senhor do Bonfim, usadas e dilaceradas por tesouras, pela absoluta impaciência de crer na demora desta obsoleta fé.
Um cheiro amadeirado de destroços de mim, adentra as narinas, pulmão, passando pelas silenciosíssimas cordas vocais, e galgando meu cérebro, como se pudesse este aroma, fazer-me retornar aos meus calabouços, acorrentado estou, pernas, braços, mente, e alma tão infinitamente, que neste instante, choro.
Tentando arduamente continuar, respiro fundo, levantando o corpo exaurido, balançando a cabeça quase que convulsionando,
para todos os lados numa tentativa objetiva de fugir de tais pensamentos. Afinal, abri a caixa dos medos, com a intensão de livrar-me deles, de uma vez por todas, e mesmo com a alma em chamas, é exatamente isto que irei fazer.
Empurro com desdem para o interior da caixa tudo que nela ainda vive embolorado, carrego-a pela casa, até o quintal, retorno correndo com uma garrafa de álcool numa das mãos e fósforos na outra. Olho pela ultima vez aquela terrível paralisia!
Derramando como cachoeira sobre ela o liquido de cheiro ativo que a umedece por fora e por dentro como um banho da morte.
Risco o fósforo, jogo e me afasto rapidamente.
Uma explosão e todos os aromas agora viram apenas fumaça, brasa, pó...
e do pó ilusório ao pó real, agora me assisto finalmente respirar e ousar sorrir, novamente.
Márcia Poesia de Sá - 12.2013.