A REVOLUÇÃO DOS EUNUCOS

Soube, por intermédio de um amigo, recém-chegado da África, que num dos países da região, está havendo uma revolução até hoje jamais constatada em lugar nenhum. Segundo afirmou, o Sultão do Akinunstão está sendo pressionado por uma entidade que, ao que parece, é a única que se conhece, no mundo. Trata-se da “Associação Akuinunstanense dos Eunucos Inatos”.

Como aqui para as nossas bandas podemos dizer que somos quase que totalmente ignorantes nessas questões de haréns, odaliscas e eunucos, ficamos sem saber, exatamente, o que vem a ser os tais de “eunucos inatos”.

Procurando localizar alguma informação a respeito, meu amigo andou bisbilhotando sociólogos, psicólogos e alguns conhecedores do assunto, bem como visitando bibliotecas do país.

Resumindo, como lá não existe legislação que cuide do interesse das minorias, em especial das barulhentas, não há nenhuma restrição ao se tocar no assunto, usando termos como viadagem ou coisa semelhante.

Bem! Mas voltando ao assunto, eunuco é um vocábulo que designa o escravo, ou servidor oficial, sob o qual cai a responsabilidade de administrar e cuidar da segurança de um harém. Por harém, entendemos o local destinado ao confinamento das mulheres do dirigente do país ou de alguma pessoa cuja fortuna ou poder lhe permitam prover o sustento de tantas mulheres quantas desejar.

Daí fica bem fácil entender que o mulherio à disposição do apetite sultanaz (neologismo do autor) deixaria, na poeira, qualquer plantel dessas garotas escolhidas a dedo para disputar os títulos de miss isso, miss aquilo ou miss aquiloutro. Em nosso linguajar seria um ajuntamento federal do que pode haver das mais poderosas e insinuantes mulheres da região.

Mas, o problema para nós do Sul de Gaia, restinho da humanidade relegada ao baixio do mundo, é entender o que venha a ser esse raio de “eunuco inato”. Esse termo nos indica a existência de, pelo menos, dois tipos de eunuco: um nato e outro inato.

Para dirimir as dúvidas fomos buscar, no dicionário, o significado dessa palavra tão empregada nos estudos das coisas da Psicologia. “Inata é a capacidade ou especificidade que já nasce com o indivíduo”. Isto é, lhe é inerente. Por outro lado, “nato” é a capacidade aprendida, que foi introjetada por aprendizagem ou experiência.

Trocando em miúdos, podemos no nosso linguajar, dizer que, no Oriente, eunucos inatos são os que já chegaram ao mundo com tendências femininas e seu interesse sexual é voltado para a satisfação com indivíduos do mesmo sexo. Em conseqüência, eunuco nato, é aquele que por razões que o dicionário não explica, é o sujeito que, nascido fisicamente macho, um dia andou agasalhando trosoba e acabou se definindo por ela.

No caso lá do Aquinunstão, em leilões de escravos, os emissários governamentais escolhiam meninos, ainda impúberes e os adquiriam para o serviço do mandatário. Tais meninos, capturados por mercadores de escravos, antes do leilão eram emasculados, ou seja, sumariamente castrados. Como a castração era realizada sem os devidos cuidados, a maioria morria de infecção ou hemorragia. Os sobreviventes ficavam na conta de mercadoria de alto valor e passavam a ser disputados para o serviço nos haréns. Como eram impotentes, não ofereciam perigo para o andamento da função e eram os únicos do sexo masculino a serem autorizados a frequentar o ambiente do harém.

Cabia, ainda, ao eunuco, vigiar as mulheres, impedir seu contato com gente de fora e, principalmente, vedar o ingresso de qualquer outro homem no recinto, mantendo os superiores informados.

Uma famosa história envolvendo os meandros da vida em um harém pode ser encontrada no livro “As Mil e Uma Noites”, coleção de lendas orientais. Nessa coleção, dentre outras, está a história do Sultão Shariar, mandatário da Antiga Pérsia que, em virtude de ter ganho um belo par de chifres da sua odalisca preferida decidiu mandar matar todas as demais mulheres do seu reino.

Dando andamento ao seu plano, a cada noite, desvirginava uma jovem escolhida dentre as mais belas dos seus domínios, mantendo um respeitável harém lotado de virgens praticamente condenadas à morte após uma noite nos aposentos reais.

Um dia, uma linda moça de nome Sheherazade foi “sorteada” para a noite fatídica. Dotada de rara beleza e incrivelmente sedutora no falar, dá início a uma série de noites em que passa a contar histórias. Sua narração prende a atenção do Sultão e, a cada noite, um novo episódio passa a ser conhecido, tendo, Sheherazade o cuidado de deixar o final indefinido.

O sultão, curioso pelo desenvolvimento da trama, vai vendo as noites sendo esvaídas sem que seu intento anterior seja consumado. Todavia, isso não o deixa constrangido, visto que tanto o enredo quanto a companhia de Sheherazade já começam a criar um laço afetivo. Daí em diante, o sultão se apaixona e pede a moça em casamento, transformando-a em sua rainha.

Mas, voltando à nossa história, um dia, faleceu um dos eunucos, o que tinha o título de eunuco-mor. Por isso houve necessidade de que a vaga fosse completada. Nessa ocasião, já havia sido formada e estava em franca atividade a tal Associação Akinustanense dos Eunucos Inatos e seus membros estavam aguardando um momento propício para reivindicarem alguns pontos que consideravam serem seus, de direito.

O momento do disparo se deu quando foi difundido, em noticiário noturno, o falecimento do eunuco-mor e a disposição do palácio em suprir a vaga com a nomeação de um substituto. Assim, o protocolo seria cumprido, sendo escolhido um outro, dentre os eunucos natos, que constituíam uma espécie de reserva.

A gritaria se deu em razão de que a Associação decidira não mais conviver com essa declarada injustiça, em que os eunucos natos estavam sendo privilegiados em detrimento da contra-parte que se considerava “uma minoria discriminada”. Exigiam, portanto, um edito real extinguindo a diferença e dando oportunidade, igual, também para os eunucos inatos. A eles não interessava, nem mesmo, o tal sistema de cotas que andavam tentando instituir.

Como base de sustentação, alegavam que os natos, embora sendo impotentes, conservavam um resquício de libido, tinham traços de caráter e também físicos, de um homem comum. Afirmavam, ainda, que os inatos já vinham ao mundo com gestos e modo de falar delicado, com trejeitos lidimamente femininos, o que era muito mais compatível com o ambiente, principalmente, considerando que não tinham o menor interesse em qualquer tipo de contato físico com as mulheres. Portanto, consideravam-se os tipos ideais para o investimento nas tarefas de eunucos reais.

Essa reivindicação já havia transposto as paredes da Associação e ganho o meio das ruas e praças da capital do Akinunstão, a bela cidade de Kad-El-Nariz, dando um trabalhão à policia local que, pressionada pelo pessoal dos “direitos humanos”, andava receosa de empregar seus recursos dissuasórios nas ruidosas passeatas onde até mesmo a fumaça de haxixe superava ao cheiro do gás lacrimogêneo.

Como a polícia já se sentia impotente, em razão desse complexo momento social, o movimento ganhou espaço e já se havia transformado em uma revolução. Os jornalistas e sociólogos já estavam noticiando o movimento como uma revolução e as notícias falavam, claramente, da Revolução dos Eunucos.

Mas, o pivô, mesmo, da gritaria foi quando os diretores da Associação foram informados pelo vizir que cuidava do Ministério do Trabalho que, não seriam admitidos eunucos inatos. Isso em razão de que, o harém mantinha cento e vinte e duas mulheres. Com todo o dispositivo montado, assegurava não ser nada fácil manter a disciplina, no ambiente, principalmente considerando que, pelo número de mulheres, sempre, dia e noite, haveria algumas delas acometidas da célebre TPM.

Esse foi o mote final para a barulheira da Associação garantindo que, para manter essa situação com as mulheres, principalmente num ambiente de TPM crônica, era preciso ter muito saco. Ora, se os eunucos natos não o tinham, por serem castrados, o lugar de direito seria para os inatos que mantinham o saco no devido lugar. Todo mundo está cansado de saber que, para conviver com mulheres assim, é preciso ter muito saco e isso eles tem...

Não sei como terminou a coisa por lá, mas meu amigo disse que tão logo seja informado passaria as notícias. Eu, de minha parte, prometo que as repassarei a vocês. Enquanto isso, espero que não se deixem dominar pela encheção de saco da programação televisiva. Até lá!

Anunnak – 25/11/2013 – 22:57Hs

Sobradinho-DF

Amelius
Enviado por Amelius em 26/11/2013
Reeditado em 26/11/2013
Código do texto: T4586810
Classificação de conteúdo: seguro