A terra estendia-se ao longe, até onde a vista alcançava, servindo de lar para imensas rochas gotejantes e seus rios borbulhantes.

Carvalhos e mangueiras dividiam a paisagem primaveril, apreciando o trinar dos pássaros canoros.

Frutas caíam da goiabeira e imediatamente surgiam pequenos sabiás para fartarem-se delas.

A paisagem idílica empatava com o aroma daquela terra.
Doce e quente. Na medida certa.


Vez ou outra aparecia um cachorro ladino a espreita de um pássaro ou galinha do mato desavisados. O dia estava perfeito. Nada poderia perturbar a paz e quietude daquela tarde.

Ela a tudo via e sentia como se jamais fosse repetir a experiência. Absorvia cada pedaço de cor e cada átomo de cheiro como se luz e aroma fossem diluir-se a qualquer momento.

Os pequenos pés remexiam-se com anseio dentro da água gelada do Paraguaçu. Sua pequena Havaianas esquerda certamente já encontrara sua pequena escova de dentes, perdida naquela manhã, quando brincava na água enquanto sua mãe lavava a louça.

Afundou o pequeno pé na areia do rio. Seus pequenos dedinhos se apertaram em contato com a areia macia. Gargalhou. Olhou para a mãe à margem do rio. Sorriu. A mãe sorriu de volta para aquele sorriso de poucos dentes.

O sol agora estava mais forte. A mãe acenava-lhe para que a acompanhasse na subida do pequeno aclive arenoso com a bacia de louça limpa na cabeça.

Não conseguia alcançar os passos da mãe que já estava quase no topo da subida.
Aproveitando a deixa, já que não adiantaria correr atrás da mãe, observou a trilha de capim que cobria ninhos de lagartos e cobras.
Franziu o pequeno rostinho quando viu um lagarto atravessar seu caminho.
Ouviu alguém chamar seu nome. Provavelmente o vovô que estava sempre por perto nos últimos dias.

Apressou um pouco o passo e sentiu o suor descer pelas costinhas desnudas e descansarem dentro de sua fralda.
Sentiu desconforto. Queria a mãe.

O avô desceu o restante do morrinho estendendo-lhe os braços. Aceitou rapidamente, pois o cansaço nas pequenas perninhas era grande e o sol estava quente.
Abraçou o avô, mas até ele estava quente. Gostava mais do colo da mãe. Estava sempre fresquinho.
—Mamãe. Pronunciou aquela palavra mágica e lá estava ela. Perto da estrada para a gruta.Gostava da gruta. A água lá era sempre fresquinha e estava com muita sede.

O avô olhou estranho. Passou direto pela mãe e entrou no casarão.
Esperneou tentando sair do colo do avô. Pensou por um instante em como um braço tão fininho poderia ser tão forte. Finalmente foi deixado no chão, dentro de casa.
A avó estava chorando. Parecia que vivia chorando o tempo todo.
Guta. Apontou o dedinho para a janela. De lá se via o caminho para a gruta.
A avó recomeçou a chorar. O avô fechou a janela, mas  ainda assim viu sua mãe no caminho da gruta.
Reparou que tinha um homem com ela. Parecia-lhe familiar, mas não lembrava de onde.
—Papai? A palavra veio sozinha, de mansinho, sem avisar. De repente, um lampejo.
Saiu correndo o máximo que suas perninhas permitiam.
O avô e a avó saíram atrás.

A mãe e o pai caminhavam para a gruta. Estavam rápidos demais, mas dessa vez não deixaria o cansaço vencer.
Viu a mãe e o pai entrarem na gruta. Conseguiu chegar. Uma luz forte atrapalhou seus olhinhos assim como os de seus avós que acabavam de chegar.

A luz foi ficando mais tênue e viu sua mãe olhando para a água logo abaixo.
Algo estava lá. O que seria?
Sua avó soltou um grito sufocado. O avô o tomou no colo.
—Tudo vai ficar bem, meu netinho – o avô prometeu, afagando-lhe a pequena cabecinha.
—Ficar bem? Olhou de lado para o avô. —Vovô engaçado! – riu, todo feliz ao perceber vários pontos brilhantes no rosto do avô.
Olhou para a avó e viu que o mesmo acontecia com ela.
Ficou feliz. Virou-se no colo do avô para olhar para os pais e mostrou as duas mãozinhas.
Bilantes!
A mãe sorriu entre lágrimas.
—É sim, filhinho. Brilhantes.
De repente, uma explosão de pontinhos iluminou a gruta, deixando curiosa a equipe de resgate que chegara tarde demais.

O marido, percebendo a esposa olhar em outra direção, abraçou-a fortemente.
—O que você está vendo, querida?
A esposa enxugou as lágrimas e acenou com a mão. A aliança refletia pequenos pontos iluminados.
Ela o abraçou de volta e respondeu:
—Vaga-lumes... E desatou a chorar novamente.