O SONHO

Seu João Rodrigues acordou sobressaltado e afobado feito a peste. Passou a noite tendo um pesadelo repetitivo, uma sucessão de sonhos terríveis, que não acabava nunca. Não conseguia dormir de jeito maneira. A todo instante dava um pinote para fora da rede e olhava para as telhas para ver se ainda estava escuro ou já era dia. Ficava tentando ouvir o galo, mas não ouvia nada. Estava tudo em silêncio sepulcral. A noite não passava e quando ele mal cochilava, vinha o sonho de novo a atormentar-lhe. Um sonho esquisito que se repetia sempre. Agoniava-lhe a simples ideia de ter que voltar a dormir. A noite toda chamou pela mulher por várias vezes, mas era como se não conseguisse pronunciar a palavra certa. Tentava dizer uma coisa e parecia que saía outra. A língua estava toda embolada e não sentia a boca, como aquela sensação de quando se vai ao dentista. Tampouco conseguia sair da rede. Era como se não tivesse os pés, pois por mais que tentasse ficar de pé não sentia o chão. Isso começou a lhe apavorar. Pensou logo que podia estar tendo uma trombose. A mulher dele, dona Maria José, já tinha lhe dito que era perigoso acordar de supetão e meter os pés no chão frio ou então sentir a barra de vento nas costas.

Aí é que ele se lembrou que no dia anterior tinha ido buscar uma novilha do meio do mato fechado e um galho fez um rasgão no bucho. Na hora ele não sentiu dor alguma, mas quando chegou em casa e tirou o gibão, viu que o estrago tinha sido grande. Ainda tinha até um pedaço de galho enfiado nos couros. Dona Mazé se apavorou e como não tinha como arranjar um doutor, mandou chamar a parteira, dona Juventina, para acudir o marido. No meio do sertão a parteira muitas vezes é o médico que se dispõe. Muita gente já morreu de picada de cobra, pois não tinha como chamar um doutor para salvar o pobre desgraçado. No sertão vive-se e morre-se de qualquer jeito. Mas no caso do seu João Rodrigues, a parteira conseguiu retirar o pedaço de galho, fez um unguento de mastruz e “piula do mato” e receitou um monte de meizinhas do sertão, que só ela sabia preparar.

O dia já estava amanhecendo. Dava para ver raios de sol entrando pelas frestas das telhas. Os bem-te-vis já entoavam sua sinfonia interminável e o galo já anunciava o dia. Seu João Rodrigues sossegou e enfim conseguiu cochilar um pouco. Ainda ouviu quando a mulher se levantou e desarmou a rede. Sentiu o cheirinho de café, o mugido do gado e enfim dormiu.

Dona Maria José serviu o café e chorosa foi até o caixão do marido. Estava com o rosto sereno, um leve sorriso nos lábios. Até parecia que estava sonhando.