O Amor Quente dos Braços da Morte.

O jovem correu para uma rua fantasmagórica. Subia na aresta de um lar abandonado enquanto perseguia uma sombra solitária. Assim também a noite ia lhe consumindo... ia lhe consumindo com um tom de desespero junto de uma insonia compulsiva. Tal pavor em seu coração infantil, que às vezes prometia crescer, se dava por motivos semelhantes aos dos demais, o amor e a morte. Ele amava para morrer, apesar de não morrer por amor. Nessa confusão, o jovem puxa uma caixa de comprimidos do bolso e ingere. Logo, ele sente uma leve tontura, no entanto, com poucas forças, ele persegue uma folhagem ao canto até abrigar-se em uma velha e imunda casa. Tentar esquecer sua noite de orgia e curar sua insônia inelutável.

Ele, dotado da dor, cruzou mais uma vez a beirada do terreiro desocupado, seguiu para o interior da casa. Uma casa serena, abandonada e fria. Via-se na casa pinturas honorificáveis, alguns quadros famosos de Cesare Maccari com interpretações de lacrimosa imprimidas no olhar vazio dos condenados à morte por conta de uma intolerância religiosa. Era uma casa fabulosa, qualquer um trocaria férias amontoada de prazeres carnais por uma noite de paz naquela casa... Aquela casa velha, partida com uma estaca, que assim dividia a zona de conforto e lucidez, das de delírios e nocividade.

Em tal momento, vagando pelo monte de musgo e unha de gato que cobriam a casa, sentia-se à lua pálida que borbulhava sua luz entre as quebradiças janelas pela noite. Ouviam-se múrmuros do lado de fora que mendigavam por ouvidos, corações e fantasias. O jovem coberto de febre e coberto pelo manto da dor, beirava a morte. Já submetido e sem paz caminhou próximo a cortina da casa para verificar a rua lá fora. Ouvia-se alguém na aresta da calçada, apesar de não se vê ninguém. No entanto, o jovem, fisicamente abalado, fez-se criar uma coragem para seguir aventurando-se pelo mesquinho lar. Afanou uma estaca de madeira podre do chão e usou-a para adentrar mais ainda no fundo da casa, sua coragem eram como gritos de aviso para a noite, para dizer que ali dentro de si havia um alguém que criava coragem para amar até morrer. Preso em pensamentos, ali, ouviam-se mais múrmuros, ouviam-se sons da noite, ouvia-se o vento que abulia a destreza do jovem ébrio moribundo, ele já não sabia de onde surgira tantas vozes, e logo todas gritavam em uníssono. Era possível sentir um vapor sair do chão, junto delas mais vozes de lembranças dos erros que cometeu. Era o som de desgraçadas vozes que não ouvia desde sua primeira frustração no amor, era o som que ecoava memórias embaladas por choros e vozes moribundas. Era o som da morte ou de sua consciência que viera lhe atacar?

O jovem então havia sofrido uma parada cardíaca após sucessivas tentativas de suicídio na aresta da calçada da casa com um pedaço de corda no pescoço e inúmeros comprimidos. Mas a inconsciência da embriagues o fez delirar, sua morte já havia sido consumada desde o primeiro passo que deu sobre a aresta da calçada. Agora o mancebo deixou pra trás suas dores, lembranças, e sua única chance de ter quem um dia curaria sua dor. Depois, foi adormecido em seu recanto. Levitando em pensamentos acordou na morte, viu-se no fundo sua amada sorridente, deslizou até ela sem saber se era um delírio, e que era apenas seu inconsciente, seu lado selvagem, seu lado sentimental, que se aflorou quando aproximado da morte. Duas horas após sua morte o jovem mexeu-se na realidade. Sentiu-se rarefeito no mundo, sentiu-se nocivo e podre, estava ali preso novamente na aresta da calçada daquela casa. Já não entendia muito e não conseguia diferenciar a razão do inconsciente. Era a catalepsia, uma rara doença que traz a sensação de morte, e que o fez acordar do falso sono. Já se via azarado e novamente com dor, não tinha explicação do porquê havia acordado, pois seu objetivo era morrer sozinho, e foi usando do sangue para sair dali. Acordado como uma vila após uma explosão atômica, deslizou-se à sua casa com um compulsivo sentimento de inexistência.

Alguns momentos nefastos enquanto caminhava, fez ele imaginar como teria sido sortudo por ter vencido a morte, mas entendeu que a morte era o complemento da vida, ou o complemento dos que já não conseguiam amar mais nada, nada além do seu egoismo eterno, nada além de um amor passional. Não sabia explicar, mas o seu delírio o fez encontrar o inconsciente. Inconsciente que fez ele ganhar sua amada, não queria acreditar que tudo aquilo foi um sonho ou um deliro, mas sim, a morte. Roubou da mesa de sua casa uma faca, deu três talagadas do seu uísque, golpeou seu pescoço e como tu algum dia: desligou-se da vida. Internou-se na morte, viu névoas vermelhas da paixão junta à sua amada, dessa vez estava em par com a felicidade, ainda ouvia-se no fundo uma voz de "se for para ser eterno então que se petrifique". O não ser parecia tão real e profundo. O jovem fez-se naquela noite um submisso de um delírio, um insano mancebo que se apaixonou pela morte. Saiu da vida para a morte e da morte seguiu para um deliro no seu inconsciente.

Marcos Vínicius Lima Vieira
Enviado por Marcos Vínicius Lima Vieira em 09/10/2013
Reeditado em 02/09/2017
Código do texto: T4517445
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