Somos parte de um todo
O vento se esfregava em meu rosto e eu sentia o cheiro da primavera adentrar no meu campo olfativo. Ouvia o som dos pássaros trazendo ternura aos meus ouvidos e, continuando atenta às percepções dos meus sentidos é que foquei a minha atenção em algo que ainda não havia surgido em meu campo de visão.
Silêncio.
Eu sabia e podia sentir a presença de alguém.
Voltei minha atenção para o que eu estava escrevendo, e fingindo ter esquecido a presença do ser, que porventura, com minha fingida distração resolvesse aparecer.
Depois de alguns minutos eu o sentia mais perto. Olhei ao meu redor e nada. Deveria estar escondido atrás de algumas das árvores que cercavam o parque.
Mais uns minutos de silêncio.
- Olá.
Virei meu pescoço e lá estava a criatura. Observei e não falei nada de imediato, dei um tempo para eu mesma me acostumar com o que estava á minha frente.
- Olá. – Eu disse finalmente.
- Seus pensamentos estão aonde? – Ele perguntou.
Não entendi o que ele quis dizer com a pergunta, mas, agora, eu podia ver em meu campo de visão claramente, um homem de cabelos curtos, de óculos, estatura mediana, e rosto sem expressão. Aventurara-se na pergunta direcionada á mim sem se quer me conhecer. Com as mãos nos bolso da frente da calça jeans. Os olhos grudados nos meus.
Percebendo que eu não respondera, continuou.
- Alguma vez você conseguiu ouvir as pessoas por dentro? – Ele perguntou.
Eu o olhei profundamente. Ele podia perfeitamente ver o ponto de interrogação em minha face, mas não sobre a pergunta e sim sobre o atrevimento que estava anexado na pergunta.
Ele continuou seu questionamento. –... Ouvindo com tanta atenção sendo até possível ouvir os pensamentos e suas lembranças? E, ainda ouvindo as pessoas pensarem em lugares que nem imaginam que poderiam existir?
- Acredito que seja possível conforme uma vontade. – Respondi e nem sei por que respondi. – Aonde você quer chegar? E começou por quê?
- Porque você me chamou. – Respondeu envolvido numa certeza desconhecida á mim.
Mais um ponto de interrogação se firmava em minha face.
- Você quer se libertar de si mesma. Isso está estampado em você, só não vê quem não quer e/ou você mesma não quer ver.
- Como sabe disso? – Perguntei.
Ele estava com o rosto sereno. Olhou para o céu, seguiu seus olhos em um pássaro que pousou em uma árvore e voltou seus olhos prendendo-os á mim.
- Tudo o que eu sei é tudo o que eu acredito existir e no meu mundo, existe. – Ele disse.
- Como o que, por exemplo? – Indaguei.
- Como imaginar as pessoas como são por dentro.
- Como as pessoas são por dentro? – Questionei.
- Dentro da maioria das pessoas há uma sensação de isolamento. Elas se sentem isoladas de todo o resto - ele pausou e continuou - e não estão, são parte de absolutamente todos e de tudo.
- Como assim? Quer dizer que faço parte desta rua? De algum pescador da Grécia que lança sua rede á um mar que desconheço? Ou até mesmo, uma mulher esperando a morte... Faço parte dela também? – Eu ri.
Silêncio.
- Não acredita em mim, não é? – Ele perguntou
- Acredito sim, e não sei por quê. Apenas sinto que devo acreditar. Porém, não tenho essa abertura de mente que você deve ter.
- Isso é porque você tem um lugar que não consegue ultrapassar dentro de você.
O ruído de um carro se fez presente entre nós fazendo-nos calar por instantes.
- E como é esse mundo que você diz existir? – Eu perguntei quebrando o silêncio entre nós.
- Ele é e está aqui – ele apontava seu dedo para a região central da minha testa - só que, quem não está preparado e tem sua parte ainda que grosseira para entender de tal forma como fazer, não consegue. Está bem dentro de você. Bem lá dentro de você.
Ele sorriu. E continuou.
- É um mundo interior que você pode se desligar de tudo. É a verdadeira beleza que se há dentro de si. Onde não há motivos para se esconder e nem mentir. E que é possível conversar com alguém sem precisar mentir como estou fazendo com você. Sem nenhum sarcasmo, nem trapaças e nem exageros. E muito menos, nenhuma das coisas que as pessoas usam para confundir a verdade.
- Sinceramente, não conheço nenhuma pessoa que faça isso sem variar as formas de mentiras as tornando prioridades em suas vidas e achar que são verdades. Um acúmulo de inverdades. E que, aos olhos humanos são confundidas.
Ele tirou os óculos. Agora dava para ver os olhos azuis bem profundos, grandes e intensos. Eu nunca tinha conversado com alguém assim, um alguém tão inteligente.
- Nossas almas são cujos órfãos que as mães solteiras antes de morrer deram a luz. Nascemos sozinhos e vamos morrer sozinhos, só que, enquanto humanos questionamos e queremos aquilo que não nos pertence; o materialismo, as pessoas. Estamos sempre sós, mas também somos parte de um todo.
Não sei quem ele era, mas parecia que eu estava sendo energizada por ele de uma forma que, parecia que a presença dele abria minha mente.
- Estenda a sua mão e levante os dedos. – Ele pediu.
Tocando seus dedos de leve, em minhas mãos senti um frio percorrer meu corpo. Como um curto circuito dentro de mim me despertando para o que ele queria me mostrar.
- Nossa! É seu coração batendo? – Perguntei surpreendida pela sensação de escutar seus batimentos cardíacos.
- E o seu também - ele disse. – Como eu disse antes, somos parte de um todo.