O BOTÃO E O ROSEIRAL
Um botão de rosa vermelha que nasceu, olha em torno o mundo... Não entende. Não vê nenhum outro botão como o seu, retrai-se na sua pequenez, como um ser diferente...
Encontra antigos botões... Agora rosas em cada galho, uma ao lado impede os raios de sol o tocarem, outra brilha imponente, a sua frente, gotas de orvalho... Ele, solitário ao relento a chorar...
Detém-se, rapidamente, mais distante, numa rosa ao se abrir, vê que seu futuro será desabrochar, a inevitável presença no tempo o faz sentir, o medo do desconhecido a lhe clamar...
Após a descoberta fatal do seu destino, tomou a sua essência de sensível olhar, vasculhando o roseiral com desmedido tino, seu temor o faz quase petrificar...
Mais adiante vê ser alado uma flor invadir, roubando alguma coisa de sua entranha, não sabe ele que é uma abelha a se nutrir, do néctar que dá o mel na mais pura manha...
A seguir, no alto, um ponto ou outro queimado, as pétalas sem o viço... Uma rosa sem a beleza... Pensa, ele, quando se erguer e abrir, logo será aniquilado... Não sabe, mas saberá... Mesmo embotado... Tudo se sujeita e transforma à força da natureza...
Por fim, vê uma rosa se despetalar, o vento pétalas levar... Suas entranhas expostas ao relento, umas pétalas se prendem, murchas como um lamento...
Lágrimas chora de puro orvalho, escorrendo em sua sinuosa tez aveludada, mas logo sente roçar em seu galho, a brisa lenta, calma... Calada...
Percebe-se uma sombra sobre este botão, depois, macias asas vêm lhe tocar, não sabe que são duas mãos, que com ternura e amor vem lhe acariciar...
Sente o deslize nas pétalas fechadas e macias, correndo até o caule bem devagar, nele tocando em um espinho... As mãos detêm as carícias. Vê líquido vermelho escorrer sem parar...
Aquela lúgubre cena interpreta triste certeza. Se, possuía sublimes pétalas sedosas, seu caule era afiado de aspereza... Chorava tristeza... Na trama da vida ardilosa...
Incógnito em sua clausura de botão, aquela seiva vermelha acha que é sua, surpreende-se quando ele vê as asas de mãos, limpar as penas dos dedos, com seda branca como a lua...
As asas pousam outra vez em seu caule, com cuidado evita os espinhos com empenho, sente algo apertá-lo... Sem que tudo se abale. Voando nas asas... Vento toca seu fechado cenho...
Segue o voo nas asas da imaginação, vendo imagens ainda não vistas dantes, pensa que tudo aquilo é fruto da ilusão, e dali em diante se tornará botão perdido e errante...
Mas, as asas lhe conduzem a abrigo seguro, sobe sem parar por espaços de frios cenários, logo lhe faz adentrar local escuro, de repente algo molhado e frio... Sente-se tão solitário...
Abranda seu receio quando uma luz que se derrama, no ambiente aonde o levou seu destino... De uma sacada assistindo o seu drama, a natureza a seus pés parecendo um desatino...
Era manhã e o sol despontava... No firmamento estendido em puro anil, passarada em revoada se apresentava, entre flores e cores num jardim primaveril...
Natureza encantada em plena alegria. Brindavam as andorinhas, e o bem-te-vi cantava. Tudo parecendo em perfeita harmonia, só o botão solitário sente que um lar lhe faltava...
No roseiral lá em baixo, onde outrora sufocado, agora via beleza nos voos das borboletas ao seu redor, brancas e pretas, azuis e amarelas... Num colorido bailado... Ele transparente e solitário... Frias paredes ao derredor...
Derrama o crepúsculo luz alaranjada, sobre as telhas das mansardas e mansões. A noite escura chega impregnada, nas sacadas tristes, de solidões...
Logo luzes cobrem o céu estrelado, vê ao longe... Asas pousar. Uma coruja branca em fundo prateado, a lua em seu misterioso império a deslumbrar...
A madrugada chega... Ela transforma silenciosa. A lua em seu ápice... Lança pratas de luz do firmamento. Ilumina a solitária... Botão abrindo-se em rosa, desperta na flor, cor encarnada, outro sentimento...
Acorda sorrindo à luz de uma nova manhã, um perfume novo percorre todo o ambiente, de quanto tempo serão os seus amanhãs? Deixando a clausura... Sua beleza encanta tanta gente! Que seus dias passam como infindas manhãs...
Mas, logo chega o entardecer dos dias, suas pétalas perdem a cor... Encolhe-se num pesar, tem inicio o fim numa agonia... Num ser... Num morrer... A se despetalar...
A escuridão toma o seu sentimento. Vermelho vira cinza... O cinzento fica escuro... Voa em seu puro pensamento, orando às asas de mãos que o livrem daquele apuro...
Como destino milagre da natureza, sente em seu caule as asas tocar... Vieram lhe alegrar e salvar... Vê sua história, como filme passar, de tristura e beleza, nas asas de um anjo, que faz duas lágrimas de fé brotar...
Mas, como rosa percebe a última seiva da vida... Algo se revolver na base do seu caule ainda verdejante... Humidade lhe penetra as entranhas de forma indevida... E tocar-lhe sua tez, pura e ferida, seres rastejantes...
Encheu-se de trevas seu féretro... O outrora botão tristonho. Sentindo-se uma raiz... Um embrião tubérculo... Outrora botão formoso. Mesmo na solidão da vida se eleva como num sonho. Passam as horas... Os dias... Os meses como séculos... No tempo daquele templo escuro e silencioso...
Acorda um dia em exaltada alegria, sente o calor e o frio, com a energia do amor exultante. Saído do crisol da terra que havia... Via-se em luz e harmonia e, o passado todo ficou em eras afora distantes...
Foram as asas de mãos angelicais... Fizeram-no renascer e crescer... Botão no passado... Ao presente chegou verdejante... Futuro roseiral no jardim vai florescer exuberante... Do botão só restando a essência de amor neste novo ser...
Em festa aquele jardim, a vida exalta em beleza... Do canto dos passarinhos ao voo das borboletas bailarinas... Seres alados vem saudar o novo ser à luz matutina... Alvíssaras da natureza!
E o nascimento do primeiro botão do novo roseiral, levará à Divina mansão, perfume de gratidão e amor, ao Éden do seu quintal...