A noite
Então , percebi que aquela noite era antiga e já acontecida , embora não vivida por mim. Dela conhecia –lhe a origem , a partir de um dia comum que a tivesse parido , como as noites de tantos dias eram reeditadas pelo vento e pela escuridão suave que se desprendia das amendoeiras .
Eu estava ali , mas não naquele lugar , minha presença apenas confirmaria o já acontecido, pois aquela noite já se havia esgotado e não o percebendo ainda , retornava procurando a mim , no banco da praça , desenhando sobre a areia ressequida do chão duro com um graveto fino , que ás vezes parecia adquirir vida própria (e depois se amedrontasse da própria ousadia , da não conformação á situação de graveto , guiado pelas minhas mãos um tanto desatentas e descuidadas) , traçando arabescos na quase poeira , enquanto a noite respirava e ofegava em sua paz azulada , uma noite para se domar cavalos em pelo ,fazendo-os correr pela branca areia do rio , seus cascos em cadência alternada com a minha respiração entusiasmada de tanto ar que me trazia o mundo .Ansiei por janelas que delimitassem os espaços saltitantes á minha frente ; puxava as rédeas , era obedecido , o devaneio também reduzia o tropel , tudo voltando a arabescos sobre a areia seca do chão duro .
A solidão pedia – me parada , á margem direita do caminho . Cabisbaixa mas bem disposta (pelos olhos derramava sorrisos) ; deixei-a de mão erguida no ar , fazendo menção de tocar a cabeça do meu cavalo em movimento , fosse isto possível e desprovido de dificuldades aéreas e terrestres que me sopravam ao ouvido (suave á direita mais rude á esquerda) com força e nitidez .
Cavalgaria ao largo , erguendo o chicote bem acima da minha cabeça , apenas tocando as ancas do animal com uma leveza da qual ele gostaria , pelos tons brilhantes do suor ao luar . Passamos ainda pela branca margem do rio , até perceber que a noite já estava satisfeita e que se encerraria sob aquela brisa da qual perdera o medo , ao vadear o rio e tornar - se dia , cumprindo o seu destino.
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