E CONTINUA A HISTÓRIA DO "VELHO CHICO" ENTRE DOIS MUNDOS

Finda a madrugada... No céu as estrelas se apagavam, mas, antes se confundiam às fracas luzes acesas das casas, daqueles que servem cedo ao trabalho... Às margens das minhas águas aquela cidadezinha... Um luminoso feixe do horizonte penetra a penumbra no início de mais um dia... Descortinam das sombras as vidas que ali pulsam... E eu, o “Velho Chico”, vislumbro uma dessas vidas, a do nosso personagem: José Amaranto Junior, o Zezinho Orgânico. Após o despertar de sobre o verde monte, onde passou a noite, o encontramos em casa. Intrigado, no seu quarto está deitado sobre a cama, sem, no entanto, cerrar os olhos. Fixa o teto e como se atravessasse a laje de concreto, visão e pensamentos buscam no espaço, explicações a tudo que ocorreu.

Pensava: “Como tudo aquilo, tão real, não passar de um simples sonho?!”. “Ainda podia sentir a água do Velho Chico, em meu corpo, o menino que salvara em meus braços e o que era mais intenso, o alienígena e sua voz imponente em minha mente”.

Os minutos e as horas se passaram em divagações e hipóteses. Das mais simples, às mais, sofisticadas, como viagens no tempo e universos paralelos. Sequer uma o satisfez.

Em certo instante, bate à porta seu avô. Chama-o para o café. Ai, ele se deu conta da hora e de seu passeio matinal de trabalho. Chegando à pequena, mas acolhedora sala de refeições da casa cumprimenta os avós, carinhosamente. A vozinha querida logo lhe pergunta: “Chegou tarde hoje, meu netinho (a avó o tratava carinhosamente assim)”. “Por onde andaste?”

Ele respondeu: “Vozinha querida, cheguei cedo demais, o sol ainda está nascendo...” Todos riram da brincadeira... Mais algumas prosas e, sai nosso Zezinho para a sua tarefa. Os avós ficam em casa apreensivos... Confiavam no neto e logo se dissiparam as nuvens de preocupação.

À rua, no roteiro de entrega das encomendas, seus pensamentos viajavam a frente de seu carro, ao ponto de alguns moradores chamarem sua atenção. Quando chegou a última casa, de cliente antiga (era cliente do seu pai, que fora comerciante), foi recebido com o maior desvelo. A velhinha, dona Maria do Céu, já era octogenária, no entanto, muito lúcida e simpática, uma das mais carinhosas pessoas que conhecia na cidade. Ele sempre entrava em sua casa para tomar um cafezinho, servido com uma agradável prosa.

Assim que ele entra dona Maria fala: “Meu querido Zezinho, já está preparado para os festejos, à tarde, em nossa cidade vizinha?” Aquela pergunta lhe era um soco em sua face, já que não tinha atinado para a data. Ele só pensava no “sonho real” que teve e esqueceu-se de ver o calendário. Mas, a segunda pergunta o deixou mais estupefato. “Você, meu querido, ouviu um barulho ontem por volta da meia noite e pequeno clarão por detrás dos montes aqui perto?”.

Pronto! Agora que tinha começado a esvanecer, as ideias sobre o fato do sonho. O sonho virou fato novamente. Sua mente vagou, e aquela doce velhinha o chamou a realidade prontamente.

“Meu filho, o que houve?” “Algo que falei o aborreceu?”...

Neste momento o nosso Zezinho, constrangeu-se como nunca. Ante a aquela figura respeitada, que tinha como outra avó, pela primeira vez, não sabia o que falar. E, ela continuou... Já que não obteve resposta:

“Não é naquele monte que você costuma observar as estrelas?”

Antes que ela continuasse com as inquirições, ele se adiantou, gaguejando:

“É, é...” “Eu estive lá, mas acho que adormeci...” “Não... Não me lembro de ouvir ou ver qualquer coisa...”.

Muito acabrunhado, despediu-se rapidamente da sua velha amiga. Saindo porta a fora, deixando para trás dúvidas no ar...

O nosso herói sem poderes saiu ainda mais perturbado. Foi rapidamente para casa, se aprontou, sem perceber a roupa que vestira. A mesma que do “sonho”.

Despediu-se dos avós, que se aprontavam, seguindo a passos decididos para o pequeno porto da cidade. Levava consigo algo que não se podia captar, pois em seus pensamentos havia ideias se confundindo.

As cidades contavam com quatro embarcações para o trânsito entre elas, chegara no horário da segunda embarcação sair. Olhou para o relógio. Só ai percebeu-se que o “algo” que trazia eram as lembranças. Lembrara-se da embarcação com defeito, no “sonho”. Entrou antes que a balsa partisse, pois ele chegara dez minutos antes.

No interior da embarcação, viu o timoneiro, um velho amigo de família. Chegou próximo e falou discretamente: “Bom dia senhor Álvaro, verificou o leme desta balsa?”. A resposta: “Bom dia meu querido jovem amigo!”, “você agora fiscaliza os barcos?”, e sorriu. E o Zezinho respondeu: “É, é que hoje tive um sonho...” “Que uma embarcação perderia o controle...”.

José Amaranto gozava de grande prestígio em suas palavras pela cidade, mas, baseado em sonho... O comandante não sabia se deveria considerar. No entanto, naquele instante uma correnteza repentina surgiu nas águas do “Velho Chico”... Escutou-se um barulho, e o timoneiro com os ouvidos aguçados de marinheiro, mandou que o auxiliar verificasse. Constatou-se um problema no leme. A embarcação foi interditada.

Ao sair, o nosso tímido herói verificou: uma criança se soltara dos pais distraídos, e na beira da embarcação, foi apreciar as águas do rio. Naquele momento, novamente o “sonho” à tona. Correu e segurou o menino pelos braços, admoestando-o carinhosamente. Estupeficou-se quando viu se tratar do menino de sua “visão”... Aquele que salvara após ter tirado a balsa de um perigoso naufrágio...

Mais tarde, após assistir as comemorações junto aos avós, foi distrair-se no restaurante da cidade em festas. Assistiu a mesma cena do “dia” anterior. Com o seu amigo cortejando a bela menina por quem, ele José, era apaixonado. Tudo parecia um “Déjà vu”.

Logo saiu e, juntando-se aos avós viu cena que não lhe era familiar: um carro preto de vidros fumês atravessando o cruzamento, um menino do outro lado da rua empunhando uma bombinha de festejos, ao lado um carro de entrega de gás. Sentiu cheiro de gás... De botijões vazando... Escutou seu avô falando: Esse carro é dos federais... Vieram investigar algo do céu... Zezinho perdeu o contato naquele instante, correu a frente do carro preto, em direção ao menino... Uma explosão...

Sentindo-se na escuridão, foi abrindo os olhos... Estava em sua cama... “Outra vez não!” Exclamou. Seu avô bateu à porta do quarto: “Alguns cavalheiros querem lhe falar!”... “São federais”... Ficou paralisado...

E eu, o “Velho Chico”, sob um belo amanhecer, quase penalizado pelo nosso Zezinho, segui iluminado ao atlântico...