A REVOLTA DOS DEFUNTOS
Durante muito tempo, animados, andaram por toda parte levando consigo aquela que se dizia sua dona e senhora e a quem obedeciam quizessem ou não.
Eram tão unidos que ela sentia suas dores e ele compartilhava de suas angústias.
Mas um belo dia ela foi chamada para um mundo melhor onde não podia levar seu companheiro de toda uma existência.
Bem que ela não queria ir, relutou o quanto pode, mas forças superiores a obrigaram a partir, e ele, triste e abandonado, foi reunir-se aos companheiros que silenciosos repousavam lado a lado num campo florido embalados pela Sonata Opus 35 de Chopin tocada em surdina, tristemente, como se estivesse respeitando o sono daqueles que não mais despertariam.
Alguns, chegados recentemente tinham as feições bem definidas, trajavam-se com elegância e eram cobertos com flores, mas, tal como acontece com tudo neste mundo, o tempo era carrasco com eles e sua boa forma era rapidamente comprometida até que definhavam ao ponto de não serem mais do que um feixe de ossos.
Mas na sua insignificância ainda tentavam reivindicar o seus direitos de ir e vir e, na calada da noite emergiam de suas tumbas para juntos arquitetarem um plano que lhes pudesse devolver a dignidade perdida e, na impossibilidade de feito maior, divertiam-se assustando os encarnados, ou melhor, dizendo os "almados".
E foi então que um grupo de escritores se propôs a escrever sobre eles.
Era um desafio para estes que estavam acostumados a exaltar a beleza da vida, abordar tema tão macabro, mas eles gostavam dos desafios.
Crônicas, contos e poesia falaram de sua fragilidade, de sua decadência e do horror que sua proximidade despertava.
Ofendidos eles resolveram vingar-se da turma de atrevidos, mas, como? Que pode fazer um corpo inanimado?
Pode muito, pois não é verdade que "há mais mistérios entre o céu e a terra..."? .
E foi assim que Tibúrcio, um dos escritores, quando inspirado derramava uma patética enxurrada de palavras dizendo da tristeza dos cemitérios ao levantar os olhos avistou à janela um cadáver que o fitava com olhos esbugalhados e um sarcástico sorriso na mandíbula disforme.
A. visão o assustou. Tentou fugir, mas suas pernas paralisaram. Mesmo horrorizado, não conseguia desviar os olhos da sinistra aparição e, só quando finalmente esta se dissipou, conseguiu chegar até o quarto e enfiar-se debaixo das cobertas.
A mulher perguntou:
—- Que aconteceu? Você está tremendo!
— Não foi nada. Estou com frio.
E cobriu a cabeça temeroso de ver mais algum fantasma.
Agapito, que dizia não ter medo de nada, sentou-se ao teclado e resoluto começou a sua crônica, mas ouvindo um ruído ás suas costas, voltou-se e viu um esqueleto parado junto à porta.
Não conseguiu reprimir o grito que fez com que todos os familiares acorressem para ver o que tinha acontecido e, como ninguém viu nada extraordinário, ficaram temerosos pela sanidade mental dele.
Fedória resolveu fazer o seu trabalho em versos. Uma poesia chorosa falando da triste sina do ser humano sujeito à morte e decomposição, quando de repente a parede abriu-se e por ela passou um cadáver fresco espalhando flores à sua volta.
Foi só um momento, mas ela não conseguiu gritar nem se mover, simplesmente desmaiou.
Cristófilo não sabia o que escrever e resolveu contar uma piada muito antiga, mas muito boa. Ninguém devia conhecer e ele resolvia o seu problema facilmente, mas quando falou na caveira esta se materializou a sua frente e parecia sorrir para ele recriminando-o pelo plágio que estava pronto a fazer.
Rizalda achou o tema muito difícil, Como fazer humor como era seu estilo falando de coisa tão triste?
Quando pensava em algo para escrever, "algo" apareceu diante de seus olhos. Um cadáver esquelético vestido com roupas meio desfeitas tendo na mão um crucifixo enferrujado.
Rizalda ficou tão assustada que sem querer exclamou:
-Me perdoe, seu defunto! Não vou fazer piadinha em cima de você, mas, por favor, vá embora!
Assim todos tiveram visões macabras e levaram grandes sustos, mas afinal se saíram bem, pois para os grandes escritores não existe tema difícil e não seria um inofensivo fantasma que iria roubar-lhes a inspiração.
Obs.: Conto fictício. Qualquer semelhança é mera coincidência.
A REVOLTA DOS DEFUNTOS
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