UMA CHAMA NA SOLIDÃO
                                     
Cheguei à porta e parei. O vento gelado me faz recuar. Fiquei indecisa entre pegar um agasalho ou submeter-me. Decidi pela segunda opção.

Fui caminhando sem rumo, sem ter ideia do que buscar e aonde chegar. Passei as mãos nos meus longos cabelos negros como se neles buscasse a energia necessária.

Na fazenda tudo é silêncio. Aliás, há muitos anos que é assim. Antes, quando estavam vivos, era diferente. Vozes, risadas, cantos humanos. Depois que se foram, aos poucos as vozes dos animais, os cantos, também silenciaram. Fui-me acostumando.

Mas o chamado eu ouvia. Poderia ser alucinação. Coisa da minha cabeça que já não anda bem.

O sol desenhava figuras exóticas por entre as folhas molhadas das árvores. Por vezes, um raio atingia meus olhos e me causava cegueira momentânea. Foi num destes momentos que a vi. Sorria, estendendo-me as mãos. Um sufoco impediu-me de soltar o grito que ficou rasgando-me a garganta. Passei novamente as mãos nos cabelos. Depois fui deslizando-as pelo rosto, sentindo a saliência dos ossos. Olhei ao redor. Tudo igual. As mesmas árvores, tão minhas conhecidas. Por isto, tive certeza de que não delirava. Olhei-a novamente. Agora, o raio de sol incidia sobre ela.

No centro da grande flor, como se fosse um miolo, a menina me sorria. Peguei-a com cuidado, abrigando-a na palma da mão. Era perfeita. Uma miniatura de gente, com olhos negros e lábios rosados. Uns fios de cabelos castanhos, rosto redondo, pés, mãos, orelhas, olhos, boca, tudo perfeito. Era o que faltava para me tirar da solidão, supriria a falta dos outros.

Num instante, o mundo girou. Meus filhos correndo pelo pátio, o pai gargalhando com eles, e eu parada na porta, contemplando com os olhos embaralhados a felicidade. Depois a doença. Eles partindo. Eu os enterrando, lado a lado, plantando flores sobre as sepulturas.   

A menina continua me sorrindo. Aquece minha mão com seu corpinho. Nos olhos uma súplica. Não, vou respondendo. Sei que falo para mim, que me recuso a recomeçar. Ela continua sorrindo, eu falando, falando. Não posso, não posso.
Coloco-a com cuidado no centro da flor, onde é seu berço, seu lar. Viro as costas. Divido meus cabelos em dois, neles me segurando até chegar a casa. Ouvidos tampados.

Na porta, paro. Olho para trás. Decidida, entro e fecho a porta.

A qualquer tempo, poderei abri-la.  



 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 24/07/2013
Reeditado em 28/07/2013
Código do texto: T4402919
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