HISTÓRIA ENTRE DOIS MUNDOS CONTADA PELO "VELHO CHICO"
Era noite de lua cheia, o vento soprava frio e, margeando o meu leito, aquela cidadezinha... E ali o desenrolar de uma história...
... Na rua, passos firmes, dirigindo-se para a primeira rua à esquerda, José Amaranto Junior caminhava. Numa casa simples, morava com seus avôs maternos. Rapaz de vinte anos, estudioso, trabalhador e de moral ilibada. Era pequeno agricultor e, vendia seus produtos, livres de defensivos químicos, pela cidade. O chamavam carinhosamente de Zezinho Orgânico.
De onde vinha... Naquela noite? De seu habitual passeio noturno... Um pequeno monte, próximo... De lá observava as estrelas. Era apaixonado pelo céu. Também, podia alcançar com os olhos as minhas duas margens, naquele trecho onde eu era bastante largo.
Zezinho recordava... “Nas águas do rio São Francisco, meus pais morreram, durante as celebrações de aniversário da vizinha cidade...” “Convivo, desde criança, com a saudade...” “Esse Velho e Belo Chico afogara parte de minha vida...” Mas, não deixara mágoas profundas...
... Chegando a frente do portão cinza gradeado, com alguns detalhes em branco, olhou outra vez para o céu, despedindo-se, daquela linda noite. A lua parecia mais próxima, mais iluminada. Estava cansado, olhou o relógio, passava da meia noite, precisava dormir. Dali a pouco estaria na sua rotina de trabalho, pela cidade.
Deu a primeira volta com a chave no portão e, abaixando a fronte lentamente, percebeu algo no céu, como saindo da face oculta da lua. Elevou os olhos rapidamente, observou... Era só uma estrela cadente, mas, um detalhe o intrigou. Percebeu que havia mudado o curso, vinha em direção à cidade e, em rota de colisão.
Acompanhou com o olhar curioso e, viu aquela luz desaparecer por detrás do monte de onde viera. Olhou ao redor, a cidade dormia... Mas, com o som que o objeto produzira consequente ao seu impacto, algumas poucas casas acordaram e algumas crianças chorando, quebravam o absoluto silêncio daquele início de madrugada.
Num impulso, não deu a última volta na chave para abrir o portão. Retirou-a, colocando-a no bolso da calça e, sem hesitar, partiu a passos mais firmes em direção à luz.
Contornando o monte, surpreso e curioso, observou que ela provinha de um objeto, maior que um carro, todo facetado e, com formato de embarcação incomum, não reconhecida por ele de suas leituras de revistas aeronáuticas, que colecionava. Seria novo armamento militar?... Parecia a ele, um imenso cristal de outro mundo...
Em meio às conjecturas, num piscar de olhos, surgiu duma luz mais intensa, do interior do objeto, um ser quase divino, de brilho ofuscante. Apesar de singular, a forma era humanóide e não bizarra, como nos noticiários de óvnis que os tablóides anunciavam.
Por uma força inexplicável, José ficou petrificado, ainda que a vontade fosse de fugir dali...
Mais inverossímil, foi uma voz diretamente em seu pensamento.
Falou o viajante estelar:
- Percebendo suas virtudes vim lhe presentear. Pelo seu coração com sincera vontade em auxiliar... Ao próximo amar com verdadeira irmandade... Seu corpo será brindado com poderes especiais, que lhe serão mostrados pouco a pouco. Mas, de tamanhas vantagens, grandes responsabilidades virão. Para conservá-los, seu coração deverá manter-se puro... Sem pensamentos contrários à bondade... Desejo de vingança, ambição, inveja, ou desejos ocultos...
Naquele mesmo instante, viu suas mãos espalmadas e, aquele ser depositar um cristal, em cores, brilhante, que, quase o cegou. Instintivamente, cerrou os punhos. Não entendeu! Mas, logo a voz veio esclarecer.
- Estás comprometido com a verdade, doravante. Selado um compromisso entre dois mundos, indissolúvel.
Olhou para as mãos aterrado e, espalhando-se pelo seu corpo, aquele brilho, saindo por cada poro. Viu-se caindo em sua cama. “Como chegara ali?” Olhou pela janela. Viu o objeto flutuando, como a observá-lo... Depois partiu, como uma estrela, ao céu.
Pela manhã, refeito do susto, pôs-se a rotina diária. Mas, aquele dia reservava surpresas...
“Há pouco descobrira o poder do teletransporte...” “E depois o que viria...” Caminhando, pensava...
... Após os sucessos matinais, se dirigia às festividades pelos 200 anos da cidade vizinha, na outra margem do “Velho Chico”. Chegando ao pequeno cais, de sua cidade, reparou que a embarcação anterior, já em curso ao outro lado, perdera o rumo e, os passageiros desesperados, a tripulação em movimentos embaraçados... A correnteza aumentara, deixando a balsa à deriva. Ouvindo tudo, sua visão se dilatava e, percebeu o leme quebrado. Afastou-se do tumulto formado e, num impulso heróico, mergulhou. Transformado, como se fosse um grande Tucunaré-Azul, foi resoluto ao seu objetivo. Sem que ninguém o visse, sob as águas escuras do “Velho Chico”, levou a balsa com uma força desconhecida, até o porto vizinho. Imediato ao tumulto inicial, outro se formou. Uma criança caíra da balsa, levada longe pelas águas, numa bóia salva-vidas. Pensou... “Minha chance: Salvaria a criança discretamente e, tudo voltaria ao normal...” Ou quase...
...Após os feitos e, finda as comemorações pela cidade, encontra-se num restaurante. Ali, comentários gerais, mas o principal, relativo aos fatos do salvamento misterioso.
Pensativo, reparou um casal sentado. Era seu amigo com a única jovem, por quem José se apaixonara na vida. Fora do restaurante um “Boy”, com flores e um cartão, onde pudera ler, usando telepatia: De: Carlos, Para: Linda, Com amor. Vendo se tratar da jovem por quem era apaixonado, fez o “paquete” se desviar com o buquê, para jogá-lo no lixo. Sentiu... Perdendo os poderes... Arrependido e sem heroísmo, deteve-o, fazendo o buquê chegar às mãos da jovem...
...Sentindo aura fria na face, desperta no monte, de um longo sono... Adormecera ao relento... Não se dando conta que era alta madrugada... Olhou as mãos procurando um cristal... Estavam vazias... “Então, tudo fora um sonho?” Pensou... E, sob um céu cintilante e luar romântico... Foi, sem poderes, para casa... E eu, segui meu curso ao atlântico...
Continua...