Ababelas l

Sorrateiramente se arrasta pelo corredor. Olha de soslaio pela fresta da porta; nenhum indivíduo. Adentra a sala e retira da mesa o dicionário Aurélio e o livro de Português. Esgueirando-se atravessa a porta, vai em direção a outra sala de aula.

Respira fundo.

Entra.

Cadeiras, lousa, mesa e o ventilador, parados estão e parados continuam. Coloca o dicionário Aurélio e o livro de Português sobre a mesa. Abertos. Quando direciona a visão para o dicionário, ribomba a palavra risível de encontro a sua testa. Impacto violento. Bilioso, foi estatelar-se na parede. Caído, ababelado. Tentou levantar-se, difícil. Mas tendo as mãos, a parede, usou-as como apoio e com determinação se arrastava quando viu se desprender das páginas um sinal de ? que em alta velocidade enganchou no pescoço e puxou-o para cima. Ficou em pé atordoado. Sem tempo de entender o que acontecia, viu o Y se desprendendo, vindo em sua direção; e cravou-se no pescoço.

Lázaro titubeou. A cabeça tomba. Respira fundo. Pasmado.

Arrancou o Y e o lançou em direção ao livro, e o mesmo com o sinal de ?. Sacode o corpo. Em passos lentos atravessava a sala quando um sinal de ; entrou em seu caminho. Lázaro foi jogado. Bate a cabeça no piso cerâmico. Olha em volta. No chão, várias palavras caídas. Corrige o foco e lê:

“Vevi, nóis vai, memo, nóis foi, muié, rapaizi, poliça, tamém, eticetera...”.

Sentiu-se aberrante. Desviou o olhar.

Recomeça a luta para permanecer em pé. Ficou de quatro. Olhou em direção a mesa e, duas “ ” ,vindo como setas. Duas lágrimas se jogam e percorrem o rosto morfético. Elas, as “ ”, imprensam as orelhas do moribundo e num tranco violento puxam Lázaro para cima. Ele fica em pé abarbado. Dá os passos que restam para chegar a mesa. Apoia nas mãos; a cabeça está arriada, as pernas arqueadas, da sua boca três palavras escorrem como babas:

“Dificulidade, pobrema, resorve”.

Lázaro passa a mão pela boca e a baba cai no dicionário. O – que está separando uma frase no livro de português abandona a posição e acerta Lázaro na fronte. Exauridas diante da afronta as pernas se dobram. Ele cai para trás balbuciando palavras ininteligíveis. Um grande vergão marca-lhe a testa. Abala as têmporas.

Lázaro só queria aprender. Queria halo. Mesmo surrupiando os livros não queria acreditar que este ato lhe causava infortúnios que poderiam ser letais.

No chão e de frente para o teto viu surgir o sinal de ! que descia. Cravou-lhe o peito na laje gelada. O sangue chocante e a miasma a emanar por toda a sala. Estirado permaneceu. Ofegante. Soltou grunhidos. Arrastou-se até a mesa. Seus dedos se fixaram na borda. Revigorou-se e alavancou o corpo. Em pé, se apoiando, leu a palavra "Garra". Passou a mão na testa e gritou bem alto:

- Anarfabeto não!

Quando a frase escapuliu da boca, todas as palavras do dicionário e todas as pontuações do livro de português se desprenderam e o atingiram. Golpe letal!

Da boca de Lázaro a frase que escorria com a baba:

Pacóvio, eu fui.

Davi Antunes
Enviado por Davi Antunes em 17/06/2013
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