LIMEA TETRA
Era uma noite monótona de outono. Despedi-me de minha amiga Cecília e entrei no elevador. Eram mais de duas horas da manhã e o porteiro do prédio cochilava, sentado atrás de sua mesa.
Eu deixara o carro na rua ao lado.
Caminhei até a esquina e virei à direita.
Parei ante o espetáculo que havia diante de mim: a lua, sobre a montanha, prateava tudo. Era enorme e estava logo ali, tão perto!
Jamais vira algo assim. A noite era estupenda. O céu cintilava de estrelas. Mas não eram as estrelas que eu conhecia ou, pelo menos, não pareciam estar nas mesmas posições. Além disso, eram em número infinitamente maior e baixas, muito baixas. Havia ainda, a intrigar-me, aquela montanha.
Fiquei aturdido. Encontrava-me em um lugar completamente estranho.
Ora, há anos eu andava pelo bairro de Cecília. Conhecia cada recanto ao redor de sua casa. Caminhávamos com frequência por ali. Como era possível, então, que acontecesse uma coisa assim?
Virei-me para voltar, mas a esquina não estava mais lá.
Atrás de mim a rua continuava, uma rua comprida, da qual não enxergava o final.
Por um momento senti temor. Apertei as mãos para convencer-me de estar acordado. Comecei a andar. Precisava descobrir onde estava.
Em um dos lados da rua, o campo estendia-se infinitamente. No outro lado, enfileiravam-se construções baixas, grandes, quadradas como caixas, sem portas ou janelas. Elas ficavam distantes umas das outras, separadas por um espaço vazio. Não
havia necessidade de iluminação, uma vez que a lua clareava como o sol.
Segui andando. Não encontrei pessoas ou veículos de espécie alguma.
Comecei a sentir-me seriamente amedrontado. Queria sair daquele lugar.
Após caminhar por algum tempo, resolvi investigar as construções. Rodeei uma e vi que a entrada era do outro lado, ficando ela de frente para o campo. Não existia porta, mas um arco aberto.
— Há alguém aí?
Bati as palmas das mãos, contudo não obtive resposta. Vi, então, um vulto adiante, a uns vinte metros. Corri para aquele lado, temendo perdê-lo.
Era alguém que saíra de uma das casas, ou fosse lá o que fosse aquilo.
— Hei!
Alcancei-o. Era um jovem. Seus olhos eram grandes e redondos. Ficou parado, olhando-me com certo espanto, como se eu é que fosse estranho, não ele.
A verdade é que tudo o que me cercava era muitíssimo estranho.
— Por favor, gostaria de saber onde estou.
Era alto. Vestia uma túnica azul.
— Você está em Limea Tetra — respondeu-me sem usar palavras.
— Como vim parar aqui?
— Você entrou por acaso, não foi?
— Não sei como cheguei aqui.
— Provavelmente passou por uma porta que não percebeu existir. Já vi isso acontecer muitas vezes.
— Mas eu estava na esquina da rua onde deixara meu carro. De repente tudo desapareceu. Surgiu um outro lugar, com outras coisas, com outro céu.
— Há, em todas as esquinas, muitos caminhos. Se um Conhecedor de Caminhos deixa a porta aberta, você pode, perfeitamente, entrar sem perceber.
— De que porta você está falando? O que é um Conhecedor de Caminhos?
— Um anjo, uma fada, um mago ou qualquer ser que saiba deslocar-se entre os planos.
— Os planos?
— Sim. Os mundos coexistem em planos diversos, isto é, em dimensões diferentes. Não é assim mesmo?
Finalmente, parecia que eu começava a vislumbrar uma possibilidade de explicação para o que ocorrera comigo.
— Por favor, amigo, fale-me sobre essas dimensões.
— Bem, o universo é como um imenso poliedro, com suas várias faces. Em um mesmo momento, existem simultaneamente diversos planos, independentes uns dos outros. Vez por outra, alguém cruza a barreira que os separa. É uma barreira no espaço, não no tempo.
— Como faço para voltar? — usei, também eu, o pensamento, em vez de
palavras.
— Não é difícil. Vou chamar alguém que poderá conduzi-lo de volta.
— Você não pode conduzir-me?
— Não. Eu não sou um Conhecedor de Caminhos.
— Quem é você?
— Sou Glas. Não me demoro — saiu andando.
Sentei no chão. Estava tão cansado!
Consultei o relógio. Eram duas e dezoito. Compreendi que o tempo parara naquela esquina. Onde estaria a esquina? Olhei para o alto, para a lua. Abaixei o rosto. Não queria vê-la. Era ela que parecia enfeitiçar-me.
Afinal, apareceram duas pessoas, ao longe. Era Glas, acompanhado por uma mulher de sua mesma estatura, com túnica branca e pés no chão. Seus olhos tinham a cor do mel e usava sobre a cabeça algo como um solidéu, branco também.
Eu me erguera. Eles pararam junto a mim.
— Glas disse-me que você entrou em nosso mundo por engano e que deseja ir-se embora — sua mensagem chegava-me suavemente.
— Sim. Por favor, ajude-me.
— Não se preocupe.
A proximidade deles fazia com que eu me sentisse bem.
— Sou Rhea, sacerdotisa de Limea Tetra. De onde você vem?
— Da Terra.
— Eu já estive algumas vezes na
Terra.
— Já?
— Fui atendendo ao chamado de alguns amigos.
— Você tem amigos na Terra!
— Tenho sim. Tenho bons amigos lá. Às vezes eles é que me vêm visitar.
Era realmente espantoso tudo aquilo.
— Vá, Glas. Eu ajudarei nosso amigo. Vá tranqüilo.
Glas pôs a mão esquerda sobre o peito e inclinou a cabeça, saudando-me.
— Obrigado por seu auxílio.
Ele se foi.
— Estão todos no Auditório Central, assistindo a um recital de música. Não gostaria de ir até lá?
Hesitei apenas por um momento.
— Sim. Gostaria muito.
Andamos mais de um quilômetro.
Chegamos a uma espécie de praça, no centro da qual estava um imponente edifício. Subimos uma escadaria. Depois de atravessarmos um pátio, entramos no local onde se realizava o recital. Estava repleto de pessoas, que usavam túnicas de várias cores. Havia adultos e crianças. Ouviam atentamente a orquestra.
A música era espantosamente bela, tridimensional, com acordes tão cristalinos como eu nunca ouvira.
A platéia sentava-se em bancos compridos, sem encosto. Alguns mantinham os olhos fechados e todos pareciam arrebatados pela pureza daquele som.
Ficamos por muito tempo ali. Sentia-me harmonizado, envolvido por grande contentamento. Por fim, recebi uma mensagem de Rhea.
— Vamos?
Olhei para ela, que me sorriu. Sorri também. Saímos.
Começamos a fazer o caminho de volta.
Eu deixara o carro na rua ao lado.
Caminhei até a esquina e virei à direita.
Parei ante o espetáculo que havia diante de mim: a lua, sobre a montanha, prateava tudo. Era enorme e estava logo ali, tão perto!
Jamais vira algo assim. A noite era estupenda. O céu cintilava de estrelas. Mas não eram as estrelas que eu conhecia ou, pelo menos, não pareciam estar nas mesmas posições. Além disso, eram em número infinitamente maior e baixas, muito baixas. Havia ainda, a intrigar-me, aquela montanha.
Fiquei aturdido. Encontrava-me em um lugar completamente estranho.
Ora, há anos eu andava pelo bairro de Cecília. Conhecia cada recanto ao redor de sua casa. Caminhávamos com frequência por ali. Como era possível, então, que acontecesse uma coisa assim?
Virei-me para voltar, mas a esquina não estava mais lá.
Atrás de mim a rua continuava, uma rua comprida, da qual não enxergava o final.
Por um momento senti temor. Apertei as mãos para convencer-me de estar acordado. Comecei a andar. Precisava descobrir onde estava.
Em um dos lados da rua, o campo estendia-se infinitamente. No outro lado, enfileiravam-se construções baixas, grandes, quadradas como caixas, sem portas ou janelas. Elas ficavam distantes umas das outras, separadas por um espaço vazio. Não
havia necessidade de iluminação, uma vez que a lua clareava como o sol.
Segui andando. Não encontrei pessoas ou veículos de espécie alguma.
Comecei a sentir-me seriamente amedrontado. Queria sair daquele lugar.
Após caminhar por algum tempo, resolvi investigar as construções. Rodeei uma e vi que a entrada era do outro lado, ficando ela de frente para o campo. Não existia porta, mas um arco aberto.
— Há alguém aí?
Bati as palmas das mãos, contudo não obtive resposta. Vi, então, um vulto adiante, a uns vinte metros. Corri para aquele lado, temendo perdê-lo.
Era alguém que saíra de uma das casas, ou fosse lá o que fosse aquilo.
— Hei!
Alcancei-o. Era um jovem. Seus olhos eram grandes e redondos. Ficou parado, olhando-me com certo espanto, como se eu é que fosse estranho, não ele.
A verdade é que tudo o que me cercava era muitíssimo estranho.
— Por favor, gostaria de saber onde estou.
Era alto. Vestia uma túnica azul.
— Você está em Limea Tetra — respondeu-me sem usar palavras.
— Como vim parar aqui?
— Você entrou por acaso, não foi?
— Não sei como cheguei aqui.
— Provavelmente passou por uma porta que não percebeu existir. Já vi isso acontecer muitas vezes.
— Mas eu estava na esquina da rua onde deixara meu carro. De repente tudo desapareceu. Surgiu um outro lugar, com outras coisas, com outro céu.
— Há, em todas as esquinas, muitos caminhos. Se um Conhecedor de Caminhos deixa a porta aberta, você pode, perfeitamente, entrar sem perceber.
— De que porta você está falando? O que é um Conhecedor de Caminhos?
— Um anjo, uma fada, um mago ou qualquer ser que saiba deslocar-se entre os planos.
— Os planos?
— Sim. Os mundos coexistem em planos diversos, isto é, em dimensões diferentes. Não é assim mesmo?
Finalmente, parecia que eu começava a vislumbrar uma possibilidade de explicação para o que ocorrera comigo.
— Por favor, amigo, fale-me sobre essas dimensões.
— Bem, o universo é como um imenso poliedro, com suas várias faces. Em um mesmo momento, existem simultaneamente diversos planos, independentes uns dos outros. Vez por outra, alguém cruza a barreira que os separa. É uma barreira no espaço, não no tempo.
— Como faço para voltar? — usei, também eu, o pensamento, em vez de
palavras.
— Não é difícil. Vou chamar alguém que poderá conduzi-lo de volta.
— Você não pode conduzir-me?
— Não. Eu não sou um Conhecedor de Caminhos.
— Quem é você?
— Sou Glas. Não me demoro — saiu andando.
Sentei no chão. Estava tão cansado!
Consultei o relógio. Eram duas e dezoito. Compreendi que o tempo parara naquela esquina. Onde estaria a esquina? Olhei para o alto, para a lua. Abaixei o rosto. Não queria vê-la. Era ela que parecia enfeitiçar-me.
Afinal, apareceram duas pessoas, ao longe. Era Glas, acompanhado por uma mulher de sua mesma estatura, com túnica branca e pés no chão. Seus olhos tinham a cor do mel e usava sobre a cabeça algo como um solidéu, branco também.
Eu me erguera. Eles pararam junto a mim.
— Glas disse-me que você entrou em nosso mundo por engano e que deseja ir-se embora — sua mensagem chegava-me suavemente.
— Sim. Por favor, ajude-me.
— Não se preocupe.
A proximidade deles fazia com que eu me sentisse bem.
— Sou Rhea, sacerdotisa de Limea Tetra. De onde você vem?
— Da Terra.
— Eu já estive algumas vezes na
Terra.
— Já?
— Fui atendendo ao chamado de alguns amigos.
— Você tem amigos na Terra!
— Tenho sim. Tenho bons amigos lá. Às vezes eles é que me vêm visitar.
Era realmente espantoso tudo aquilo.
— Vá, Glas. Eu ajudarei nosso amigo. Vá tranqüilo.
Glas pôs a mão esquerda sobre o peito e inclinou a cabeça, saudando-me.
— Obrigado por seu auxílio.
Ele se foi.
— Estão todos no Auditório Central, assistindo a um recital de música. Não gostaria de ir até lá?
Hesitei apenas por um momento.
— Sim. Gostaria muito.
Andamos mais de um quilômetro.
Chegamos a uma espécie de praça, no centro da qual estava um imponente edifício. Subimos uma escadaria. Depois de atravessarmos um pátio, entramos no local onde se realizava o recital. Estava repleto de pessoas, que usavam túnicas de várias cores. Havia adultos e crianças. Ouviam atentamente a orquestra.
A música era espantosamente bela, tridimensional, com acordes tão cristalinos como eu nunca ouvira.
A platéia sentava-se em bancos compridos, sem encosto. Alguns mantinham os olhos fechados e todos pareciam arrebatados pela pureza daquele som.
Ficamos por muito tempo ali. Sentia-me harmonizado, envolvido por grande contentamento. Por fim, recebi uma mensagem de Rhea.
— Vamos?
Olhei para ela, que me sorriu. Sorri também. Saímos.
Começamos a fazer o caminho de volta.
— Jamais esquecerei esta música.
— A música, como a telepatia, é uma linguagem que pode ser compreendida em todos os planos do universo.
Chegamos ao lugar de onde havíamos saído.
— Vou ajudá-lo a encontrar seu caminho. Este é um bom momento, quando Caefar está prestes a desaparecer — ela apontou para uma estrela que deslizava lentamente pelo céu.
— O que devo fazer?
— Nada. Apenas ficar no ponto exato. Preciso encontrar esse ponto.
Ela virou-se para a montanha; colocou a mão direita sobre a esquerda, com as palmas para cima, junto ao plexo solar; olhou para a lua.
— É aqui. Venha.
Pegou-me pelos ombros, tocou o centro da minha testa com as pontas dos dedos.
— Agora vá. Haja sempre harmonia em seu coração.
Saudou-me, como Glas havia feito. Saudei-a também. Retive sua imagem no fundo dos meus olhos.
Ela deu alguns passos para trás.
Olhei para a lua, aquela lua anormalmente grande, esplêndida. Se subíssemos ao cume da montanha, poderíamos tocá-la?
Virei-me para perguntar isso a minha amiga, porém ela não estava mais lá. Ao olhar para a frente, também não vi mais a lua sobre a montanha. Nem mesmo a montanha ficara lá.
Eu estava na esquina da casa de
Cecília.
Vi meu carro, parado, a esperar-me.
Estava só, na rua arborizada.
Olhei o relógio. Eram duas e dezenove.
Só o ruído das folhas amarelas, que caíam, quebrava o silêncio da madrugada suave e fria.
— A música, como a telepatia, é uma linguagem que pode ser compreendida em todos os planos do universo.
Chegamos ao lugar de onde havíamos saído.
— Vou ajudá-lo a encontrar seu caminho. Este é um bom momento, quando Caefar está prestes a desaparecer — ela apontou para uma estrela que deslizava lentamente pelo céu.
— O que devo fazer?
— Nada. Apenas ficar no ponto exato. Preciso encontrar esse ponto.
Ela virou-se para a montanha; colocou a mão direita sobre a esquerda, com as palmas para cima, junto ao plexo solar; olhou para a lua.
— É aqui. Venha.
Pegou-me pelos ombros, tocou o centro da minha testa com as pontas dos dedos.
— Agora vá. Haja sempre harmonia em seu coração.
Saudou-me, como Glas havia feito. Saudei-a também. Retive sua imagem no fundo dos meus olhos.
Ela deu alguns passos para trás.
Olhei para a lua, aquela lua anormalmente grande, esplêndida. Se subíssemos ao cume da montanha, poderíamos tocá-la?
Virei-me para perguntar isso a minha amiga, porém ela não estava mais lá. Ao olhar para a frente, também não vi mais a lua sobre a montanha. Nem mesmo a montanha ficara lá.
Eu estava na esquina da casa de
Cecília.
Vi meu carro, parado, a esperar-me.
Estava só, na rua arborizada.
Olhei o relógio. Eram duas e dezenove.
Só o ruído das folhas amarelas, que caíam, quebrava o silêncio da madrugada suave e fria.