D. Custódia e seu filho Ronaldo

D. Custódia nunca foi moça bonita. Prendada, simpática, bondosa, muito simples no trajar e falar, mas nada havia nela que prendesse a atenção. Dessas pessoas tão comuns, que nem sequer se percebe quando já saíram.

Contam os mais velhos que, no dia da morte de sua mãe, que era viúva, aparecera um rapaz, que ninguém sabia dizer de onde viera, e por ela se encantara. Casaram-se alguns dias depois e quando lhe perguntaram o que nela lhe agradara, ele simplesmente respondera: - Não sei. Ela me chamou e eu vim.

Não se sabe de que morrera o marido, poucos meses após o casamento. O que se sabe é que Custódia, agora pobre, jovem e grávida viúva, trocara terra e plantação por uma casinha na cidade e com o restinho do dinheiro conseguira aguardar a chegada do tão amado filho, sem necessidades financeiras. Sempre muito reservada, conseguira como renda o fornecimento de seus saborosos quitutes a um restaurante próximo à sua casa. Quase ninguém a via, exceto o moço encarregado de levar a mercadoria e trazer o pagamento, com nova encomenda. Sempre que chegava, lá estava ela, à porta, com tudo arranjado. O moço às vezes se surpreendia, quando por algum motivo tinha de alterar o horário e mesmo assim ela o aguardava, parecendo saber o momento exato de sua chegada. A surpresa, porém, nunca chegara a ponto de comentar com outras pessoas. E assim, serenamente, D. Custódia vira o filho crescer e tornar-se um belo rapaz.

Ronaldo, ao contrário da mãe, era extrovertido e bastante popular entre os colegas. Na escola formou-se com louvor e já no primeiro emprego via-se que teria um grande futuro. Filho carinhoso, cercava a mãe de mimos e cuidados, sempre respeitando o pedido de nunca levar qualquer pessoa para conhecê-la e de nunca levá-la consigo a festas ou casa de ninguém. Um cinema em dia de semana, ou uma volta de carro pela cidade à noite era o que bastava para alegrar D. Custódia.

Todas as manhãs, ao despedir-se da mãe para o trabalho, Ronaldo lhe perguntava o que o dia lhe reservaria. Um ritual divertido, que culminava com a mesma resposta: - Depende. Se você pensar em mim e sorrir. – e ele fechava os olhos, como a se concentrar e lhe dava o seu melhor sorriso. E ela então lhe contava o que via, nas vezes do dia em que ele voltasse a pensar nela e sorrisse. Dizia-lhe em detalhes, o cenário, as pessoas que o cercariam, o assunto, enfim, as circunstâncias em que ele estaria. E isso era infalível.

Ronaldo entendia muito bem como funcionava o dom de sua mãe, embora não atinasse como isso era possível. Bastava que ele pensasse nela (o sorriso era uma encenação divertida) e ela assistia nitidamente, como a um filme, tudo o que estivesse lhe acontecendo. Não só com ele, mas com qualquer pessoa, mesmo estranha, que pensasse nela. Daí o seu isolamento voluntário, que justificava dizendo não querer ninguém fazendo fila à sua porta, implorando profecias ou coisa parecida.

O que Ronaldo não sabia era o quanto lhe custava fisicamente essas visões telepáticas: Os ouvidos zumbiam, as pupilas dilatavam, o coração acelerava, e quanto mais tempo durasse a visão, mais vertigem lhe causava, quase beirando a convulsões. Mas ela não se importava desde que soubesse que ele estaria pensando nela, onde estivesse. Ver o seu filho sorrindo compensava todo o sofrimento causado por este estranho dom (ou maldição). E, todos os dias, saía Ronaldo a sorrir, caminhando os poucos quarteirões que o separavam de seu trabalho, pensando na sua estranha e querida mãe, enquanto ela amparava-se na cadeira, até que a vertigem passasse.

E assim, naquela manhã ensolarada, Ronaldo nem pestanejou quando a mãe lhe recomendou, após a profecia do dia, que levasse o guarda-chuva, porque ela o vira, ao final do expediente, tranquilamente voltando para casa protegido, enquanto os colegas ficavam na marquise, esperando a chuva passar.

Ao final do expediente, tal como a mãe previra, caiu a inesperada chuva e Ronaldo sorriu, constatando que mais uma vez ela acertara. Deixou os atônitos colegas sob a marquise e abriu, garboso, o guarda-chuva, motivo de zombaria dos colegas o dia todo. Deu um largo sorriso, acenando para o alto, sabendo que ninguém, exceto a mãe, entenderia o seu gesto. Pôs- se a andar, pensando neste estranho dom, que não herdara e, por alguns instantes, deixou de pensar na mãe, para divagar sobre o que ele faria, caso o possuísse. – Quantas oportunidades de fortuna e fama lhe trariam este poder!

Instantes fatais, que lhe roubaram a atenção necessária para atravessar a rua.

D. Custódia ainda nem se refizera da sua vertigem, quando outra, bem mais forte, lhe atingiu, fazendo-a levantar-se de um salto, da cadeira. O moço das encomendas, que vinha correndo desarvoradamente na sua direção nem teve tempo de perceber que ela já estava na porta, à sua espera, e deu-lhe como pôde a notícia. Chegaram os dois ao local do acidente e assim que foi apresentada como a mãe da vítima, os olhos e pensamento de todos recaíram sobre ela...

Ronaldo, refazendo-se do atropelamento a que sobrevivera milagrosamente ileso, presenciou em sua mãe a mais terrível crise de convulsões jamais vista.

Completamente desolado com a morte da mãe, e ainda tendo de lidar com uma súbita e inexplicada vertigem, tranca-se em casa e indaga-se, silenciosamente, quem poderá lhe ajudar neste momento de tão grande dor. Uma linda e desconhecida mocinha bate à porta e quando ele abre, ela lhe diz:

- Você me chamou e eu vim.

(Ofereço essa tentativa ao meu mestre NuNuNo Griesbach)

Alice Gomes
Enviado por Alice Gomes em 02/06/2013
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