A Super Lua - Parte II
...Continuação da PARTE I
Lá, ao longe, por cima dos tetos dos barracões da estrada de ferro, na curva do Rio Madeira à jusante do Mirante, começavam a acender as luzes das obras da construção da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio; Alex sorriu com condescendência para a turma e tentou explicar para o grupo, da forma mais didática possível, o que era o tal do “Efeito Borboleta”.
-Meus camaradinhas...
-‘Peraê, ô Alex! “Meus camaradinhas” um cacete, cara! Toda vez que você acha que alguém é “devagar” o suficiente para não entender direito qualquer explicação tua... Toda vez, cara! Você utiliza esta maldita expressão: “meu camaradinha ou meus camaradinhas”!
-Está bem, Reginaldo...! Vou reformular o tratamento... –Meus caros...
Neste momento Reginaldo quase estourou as veias do pescoço em genuína indignação.
-O que? “Meus caros”? Olha aqui ô mané, “meus caros” é a PUTA QUE PARIU! Esta também é outra expressão utilizada por você para diminuir as pessoas.
O restante do grupo caiu na gargalhada com a explosão de fúria do Reginaldo... O cara era um excelente funcionário, “pau-pra-toda-obra”, mas não primava muito pelo QI – e esse Alex, com o jeitão esquisito dele, no fundo, no fundo era um tremendo de um gozador – as risadas do grupo era tão intensa que despertou a atenção dos frequentadores do Mirante Um.
-Beleza! Sem ofensas e sem maiores sacanagens... Reginaldo, eu não tive a menor intenção de te ofender ou aos outros aqui da mesa... Valeu? Muito pelo contrário. – e continuou – Amigos, o Efeito Borboleta nada mais é que uma ideia que teoriza que tudo está interligado, ou seja, na natureza nada acontece por acaso... Essa ideia originou-se da “Teoria do Caos”, detalhe que vou me abster de explicar para vocês, e foi concebida por Edward Lorenz, no início da década de 1960, mas isso é outra história – o que interessa agora é que essa teoria, na verdade, um complexo cálculo matemático, é utilizado não só nas ciências exatas, mas também nos campos da Medicina, Biologia, Humanas, Artes e até Religião, entre outras aplicações, seja em áreas convencionais ou não...
-Pirou de vez, Alex? Fumou maconha estragada, cara? O que é que esse papo de “Nerd” tem a ver com a nossa rodada de chope, tira-gostos, sumiço do gringo, do pescador e tudo o mais, cara? – aparteou o Tonhão, um cara fissurado em academia e que gostava de usar camiseta colada ao corpo para exibir os peitorais trabalhados.
-Na verdade, nada e tudo, Tonhão! –Você nunca se perguntou a razão do faturamento da empresa ter caído tanto nos últimos meses, a ponto de circular na “Rádio Corredor” o boato de demissões?
-‘Tô ligado na “fita”! E daí?
Pois é, meu camar... digo, meu amigo... Então você deve saber que a crise na Comunidade Europeia é a principal razão da redução de nossas vendas... – Alex levantou a mão direita, abriu o dedo polegar e indicador e depois girou-os de um lado para o outro rente à fronte direita e falou – Entendeu? Como você pode ver, a globalização interliga todas as economias, que, embora sejam díspares - vez que toda economia carrega no seu bojo a cultura local - variações na rotina de uma delas, de uma forma ou de outra, afeta, sensivelmente, o desempenho de outra economia parceira... Isto, meu camar.. Digo, meu amigo, na essência, é o Efeito Borboleta aplicado na economia, tanto no micro quanto no macro... Captou?
Tonhão franziu o cenho como estivesse com dor de cabeça, coçou a nuca, balançou a cachola afirmando que sim e pensou: “Caraca, meu! Não é à toa que a turma chama esse mané de maluco...! Economia??? Micro??? Macro??? Ô loco, meu! Que porra é essa? Esse cara devia mais era estar internado num hospício”.
Junior, um carinha com um estranho cacoete de ficar piscando a toda hora, perguntou intrigado e piscando mais que o normal:
-Ôôôôoo Alex! Voltando para a Terra...! O que é que a bunda tem a ver com as calças nesse caso aí?
-Junior! O Efeito Borboleta, filho da Teoria do Caos, como eu disse antes, se aplica em todas as áreas, é o caso daquele cara que sumiu nas matas que circundam o Lago Cuniã, bem ali pertinho, vizinho de Porto Velho... O pescador...! Lembram? O sujeito sumiu em Maio... Justamente na mesma época e no mesmo lugar em que apareceu o gringo que estava sumido há mais de um ano... O gringo que desapareceu a uns novecentos quilômetros do Lago... Lá no Vale do Guaporé... Tá “ligado”? A mim, me parece que os dois casos têm ligação... Para mim e para a Polícia Florestal...
-Maio? Maio de que ano? Todo dia alguém desaparece... Por que o sumiço desse cara, o pescador, e o aparecimento do tal gringo, especificamente, tem alguma relevância?
-Maio de 2012, Junior! Especificamente no dia 05... Foi nesse dia que o cara sumiu... O sujeito foi ao Lago no dia quatro para pescar, dormiu por lá, e no dia cinco de maio deste ano ele sumiu... Exatamente no dia da Super Lua Cheia ou Lua Grande como os ribeirinhos e nativos do lugar, o Lago Cuniã, denominam o fenômeno.
Zanatta, um carinha bom de vendas, mas de inteligência limitada, perguntou impaciente:
-Ai meu Santinho que cuida do meu saco! O que é que o sumiço de um e o aparecimento do outro tem a ver com o papo maluco que você está empurrando goela abaixo aqui na roda, meu camarada?
-Elementar, meu caro Zanatta! O cara sumiu sem deixar vestígio... Só encontraram a barraca de camping e a mochila do tal sujeito... A família do cara contratou o melhor “mateiro” da região para rastrear o carinha, e o rastreador, por mais famoso que fosse, e acompanhado de um cachorro bom de caça e farejador, vasculhou toda a selva que circunda o Lago Cuniã por vários dias e não encontrou nem sombra do sumido.
Putz! Nada, nada, nada de nada? Como é que pode? Será que o cara foi devorado por algum animal feroz? – perguntou o curioso Zanatta.
-Olha meu amigo, se foi devorado ou não, eu não sei e nem tenho notícia de algo parecido... A notícia que eu tenho é que o tal do “mateiro” e o cachorro dele, junto com os familiares e a polícia viram, em quantidade absurda, foi rastro de porco do mato... Caititus ou catetos como alguns dos ribeirinhos gostam de denominar esse espécime de javali brasileiro.
Alex fez uma pausa para que a roda de amigos digerisse o assunto do sumiço do pescador, olhou em volta à procura da mulata, viu que ela estava na mesma mesa e ainda acompanhada da amiga. Chamou o garçom “entrão”, o “Geni”, anotou o número do celular, do e-mail e o nome em um guardanapo de papel, entregou para o garçom e pediu para ele levar o bilhete improvisado para a mulata gostosona e ficou aguardando a reação da gata, olhando e sorrindo para ela.
A morena interrompeu o papo animado que mantinha com a amiga, acolheu o garçom com um sorriso radiante e educado e, depois de receber o bilhete de Alex, olhou fixamente para ele e o guardou no seio. Alex percebeu então que nada mais precisava ser feito, a não ser continuar com a azaração para fins de manutenção da conquista.
Feliz com o relativo sucesso da paquera, Alex voltou toda a atenção para a roda de amigos e com um sorriso do tamanho do mundo retomou a conversa momentaneamente interrompida.
-E aí, moçada...?
-E aí? Perguntamos nós, meu amooorrr...! – perguntou o lourinho “cacatua” acompanhado de gargalhadas gerais.
-Você só pode estar zoando a gente, Alex! Quer dizer então que o gringo, o alemão, apareceu no mesmo dia e lugar do sumiço do pescador?
Depois de lançar olhares e sorrisos para a mulata, Alex respondeu:
-Exatamente! E sabem o que mais... – Alex foi interrompido pela chegada de mais um colega da empresa que sentou animado à mesa, pediu um chope e perguntou para a rapaziada:
-E aí, moçada, o que é que está “pegando”?
O lourinho “cacatua” depois de segurar a taça de Martini languidamente, leva-la à boca com o dedinho mindinho levantado, e tomar um gole com a elegância discreta de uma dama, respondeu ao recém chegado em nome de todos:
-Serginho, meu chegado! Senta aqui ao meu lado, querido, que eu vou te atualizar sobre o papo que está rolando e...
O recém chegado puxou uma cadeira, sentou-se ao lado do lourinho enquanto comentava com um sorriso divertido:
-Porra, Haroldo...! Meu “chegado”, cara? “Meu chegado” um cacete! Teu amigo, sim! Mas, meu “chegado”, não, cara! As minhas preferências são bem diferentes das tuas, parceiro! Eu, por exemplo, gosto de maçã, quanto a você, cara! Se amarra numa banana, cenoura... Esse tipo de coisa...
Depois dos comentários do recém chegado, a turma ao redor da mesa caiu na gargalhada entre gozações diversas:
-Vai ver que você joga no mesmo time do cara e fica disfarçando...
-Hummm! Sei não...!
-Ôôôooo Sérgio! Disfarça não, cara! Eu já vi você em salão de beleza fazendo unha, limpeza de pele e... Vai ver estava até fazendo as sobrancelhas....
Serginho retrucou, entre divertido e zangado:
-Qualé, mermão? ‘Tá confundindo “metro” com “homo”, cara! Eu sou espada, meu camarada! Mas, e aí, moçada? Alguém vai me dizer o que é que está “pegando”...?
O lourinho que continuava representando a turma da mesa, bebeu mais um gole do “Dry martini”, colocou a mão suavemente sobre o ombro do Serginho e falou:
-“Xá comigo, Serginho! Começou assim ... Hoje, aqui na mesa, está rolando um papo muito “in”, muito doido, querido... O nosso Alex, aproveitando uma notícia que saiu ainda a pouco na TV, está pirando a cabeça de todo mundo...
E depois de atualizar o amigo sobre o assunto dominante na mesa, o lourinho perguntou ao Serginho:
-E aí, querido? O que é você acha?
Serginho tomou um gole de chope, puxou o prato de tira-gosto para perto dele, pegou uma isca-de-peixe, e após mastigar o petisco, tomou mais um gole de chope, estalou a língua com satisfação e respondeu:
-Hiiiiiiii rapaz! Esse negócio aí do sumiço do pescador lá no Lago Cuniã na mesma semana em que a Polícia Florestal encontrou esse gringo que estava desaparecido a uma carrada de tempo... Ainda ontem, eu estava conversando sobre essa história com o meu tio, o Delegado Brandão... É ele quem está encarregado das investigações dessas duas ocorrências... Ele também acha que os dois acontecimentos têm ligação... Sabem por quê? Simplesmente por que o Delegado anterior, o Doutor Sérgio Couto, ou melhor, Delegado Couto, que é quem estava dirigindo as investigações na época em que o gringo encontrado havia desaparecido, foi transferido para uma cidade do interior, especificamente, Ji Paraná; sobre o desaparecimento desse alemão aí, anotou no IP, Inquérito Policial, que o sumiço do alemão estava ligado a uns fatos muito estranhos... Segundo ele, a uns acontecimentos sobrenaturais ou sobre uma das fases da Lua, tele transporte, transmutação... Rapaz! É um negócio muito doido... Muito louco mesmo, meus camaradas...
Depois que o Serginho deu as informações complementares sobre o desaparecimento do pescador e a aparição do alemão, alguém do grupo soltou uma imprecação:
-Fudeu, moçada....! Agora fudeu de vez....! Mais um maluco na roda...! Quer dizer então, Serginho, que, além de borboleta batendo asas de um lado do mundo e fazendo o maior escarcéu do outro lado; minhoca que tem um buraco tão escroto que se o cara entrar nele vai sair sabe Deus aonde, agora nós temos também “neguinho” se transformando... Aliás, Serginho, essa transmutação... Essa transformação... É transmutação de quê? Em quê, meu camarada?
Serginho chamou o garçom, pediu mais um chope estupidamente gelado e um tira-gosto de filé palito com fritas, e, diante dos olhares interrogativos dos demais, informou ao pessoal da mesa que estava “morrendo” de fome. Aguardou o garçom servir o chope e depois de um grande gole, estalou a língua saciada e falou:
-Moçada... Sobre essas coisas aí... Essa tal de transmutação... Transformação, borboleta poderosa e minhoca do buraco escroto... É melhor vocês perguntarem para o Alex... A enciclopédia, a Wikipédia da turma é ele e não eu, um pobre bebedor de chope que está “morrendo” de fome e de sede... Garçom, faz favor! Esse copo de chope que você trouxe está furado... Já secou...! Quebra o meu galho, cara! Traz outro chope igual a esse... Estupidamente gelado... ok? E faz o seguinte, “Geni”, avisa ao pessoal da cozinha que o meu filé é “ao ponto”, meu jovem! Nem bem e nem mal passado... Beleza?
O garçom olhou feio para o Serginho e, entre dentes, sussurrou:
-Eu já falei para o Alex e vou falar para você, meu camarada, “Geni”, é a ‘puta-que-pariu’! Falei?
Serginho após uma risada gozadora, deu um leve peteleco na nuca do garçom e o empurrou amigavelmente em direção ao balcão enquanto murmurava para ele: “Vai Geni... Vai atender o meu pedido senão eu jogo bosta em ti... Vai...”
Percebendo que o recém chegado agilmente subiu no muro da neutralidade, a turma, em uníssono, se virou para o Alex. Afinal, fora ele quem começara o papo muito louco em que estavam metidos.
-E aí, meu camarada, como é que fica? Perguntou ao Alex, o curioso Zanatta com um sorriso cínico e um palito de dentes pendurado na boca.
-E aí não fica nada, moçada! Serginho, o teu tio comentou contigo mais alguma coisa do inquérito? O que foi que ele deixou você tomar conhecimento sobre o pescador e o gringo? O sumiço de um e o aparecimento do outro?
Serginho que estava distraído “azarando” a mulata do Alex que conversava animadamente com a amiga, balançou a cabeça meio aturdido com as perguntas do amigo e perguntou:
-O que é que é, meu camarada? Gringo? Pescador? O que é que foi?
Alex percebendo a “azaração” do Serginho em cima da mulata gostosa, ficou irritado e falou:
-Porra, Serginho? Qualé meu camarada? Eu já estou no processo de “upload” e “donwload” com a gata ali, meu jovem! Presta a atenção, meu camarada! A gata não está nem aí pra tua pessoa, rapaz! Faz o seguinte, cara... Direciona tuas baterias para a amiga dela, quem sabe tu tens sorte, meu rapaz! - e para mostrar autoridade, Alex instigou o Serginho - E aí, garanhão de “meia-tijela”? Teu tio te falou ou não falou detalhes da investigação do sumiço do pescador e da aparição do gringo, ô mané?
-Falar... Falar mesmo, não falou... Porém, um dia, ele levou umas pastas lá pra casa e as deixou em cima da mesa do computador, lá do escritório dele... E aí, meu camarada, eu que estava de bobeira por lá, sem querer, eu juro, esbarrei o braço nas pastas e elas caíram esparramando papeis e fotografias pra tudo o que era canto... E aí, sabe como é né? Na hora de juntar a papelada eu fiquei curioso e comecei a ler a papelada, e de vez em quando, de acordo com o que lia, eu dava uma olhada nas fotografias e... Caraca, meu! O Delegado anterior escrever umas coisas lá no Inquérito que me deixou com os cabelos da nuca arrepiados, mermão... Falava de um tal de Curupira, Matinta Pereira e de umas tais de Entidades das Florestas, falava até que existia um Boto metido a garanhão vestindo terno branco e usando chapéu ‘panamá’, meus camaradas, citou também de uma porrada de rastros de caititus, porco-do-mato, cateto, esses bichos que parecem porco...
O novato na turma interrompeu a narrativa do Serginho e comentou:
-Porra! Toda vez que se fala nesse assunto aparece rastro de porco-do-mato, cara? Quando o pescador sumiu, segundo o Alex, só encontraram rastro de caititu, e agora, o Serginho contando sobre o desaparecimento do gringo, lá na casa do caralho, aparece de novo, a porra desses rastro de porco-do-mato... Qualé, moçada? Agora tem caititu sequestrador, é...?
Serginho aproveitando a interrupção, aproveitou para tomar mais um gole de chope, petiscou com o palito umas tiras de filé, colocou na boca umas batatas fritas e retomou o assunto:
-Moçada, essa questão de rastro de porco-do-mato, caititu ou cateto é uma coisa muito estranha... Coisa de doido mesmo, cara! Ele escreveu ainda que naquela região do Guaporé, o local de onde o gringo sumiu, acontecem coisas muitos estranhas, meus camaradas! Ele escreveu também que lá, no Alto Guaporé, “neguinho” some durante um tempo e depois aparece... E um detalhe chama a atenção, como o novato aí bem reparou, sempre que “neguinho” some, no lugar que ele sumiu, ficam só os rastros de caititu... Esses porcos-do-mato... Pois é, meus camaradas! Como eu estava falando... Uns aparecem de volta como se nada tivesse acontecido, outros, quando retornam, aparecem meio malucos ou malucos de vez... Meus camaradas...! Vai ver que é por isso que o cara foi transferido de caso e de cidade... Vai saber...!!! Vai ver pirou o cabeção... Essa vida de Delegado deve ser muito estressante, mermão...!!! Quero isso pra mim, não!
Serginho, após colocar mais algumas batatas fritas na boca, levantou-se e falou para os amigos ao redor da mesa:
-Moçada, vão dando licença aí que eu vou bem ali tirar a “água-do-joelho”...
Depois de ouvir o Serginho, entre divertido e curioso, o grupo ao redor da mesa dirigiu toda a atenção para o Alex. E, antes que Alex abrisse a boca para falar alguma coisa, o garçom “entrão”, o Geni, se intrometendo mais uma vez na conversa, lembrou um detalhe que estava passando despercebido e que, no entanto, exercia fundamental importância em todo o papo que se desenrolava desde o início:
-Muito bem, bando de espertos! Me digam uma coisa... De onde saiu esses rastros todos de caititus??? E por que é que toda vez some um “neguinho” nessas matas aí que vocês tanto falam, o lugar está sempre infestado de rastros de catetos? Por quê, hem? Alguém sabe dizer? Sabe???
-Moçada, é o seguinte... – Alex tomou um gole da caipiroska, jogou um amendoim torrado na boca, sorriu o seu melhor sorriso para a mulata que trocava segredinhos com a amiga, ambas olhando e acenando para ele, ajeitou a bunda na cadeira e continuou – Até onde eu sei através de uns amigos esotéricos que comungam com a teoria do “metarrealismo”, não seria de admirar que o Curupira e outras Entidades das Florestas fossem seres de outra dimensão com acesso ilimitado à nossa realidade, inclusive, com poder de alterar o nosso cotidiano...
Serginho que já estava saindo a caminho do banheiro, voltou-se para o Geni, e, olhando para o grupo, comentou:
-Pois é! Lá no relatório do Delegado Couto, o cara que foi transferido para o interior, está descrito que o Curupira, uma das mais poderosas Entidades da Floresta, em suas andanças pelas matas, se faz acompanhar de um bando de porcos-do-mato, os caititus... Está escrito também no tal relatório que esse Curupira gosta de montar no caititu líder, e que esse cateto líder é sempre alguém que aprontou alguma safadeza com a floresta ou com os bichos que vivem por lá... O tal de Curupira transmuta ou transforma como queiram, o infrator em caititu e o pega para montaria... Como se fosse o cavalo de transporte do Encantado... Sacaram???
O lourinho depois de petiscar uns pedaços de filé palito, interrompeu a explicação do amigo:
-Serginho, querido! Explica melhor isso aí... ´Tais querendo dizer que o Curupira tem esse poder de transformar qualquer um em porco-do-mato? Em cateto??? Nooosssaaaa!
-Pra você ver, né Haroldo? Pelo menos é o que está escrito lá no relatório do Delegado... Mas, essa questão aí, quem pode explicar melhor é o Alex... Agora, moçada, dão licença por que se eu não for para o banheiro agorinha mesmo, é bem capaz que eu mije na cueca... Valeu?
O lourinho fez um muxoxo, bebeu mais um gole do “Dry martini”, sempre com o dedinho mindinho levantado, depois, arrotou macheza e falou:
-Taquêusparíu, Alex, querido! Vai começar tudo de novo? Essa história de dimensão, transmutação e tudo o mais... - Geeente! – de repente o lourinho “cacatua” arregalou os olhos, esqueceu todo o resto e soltou um gritinho:
-Quem é aquele moreno aliiiii?
O faniquito do lourinho “cacatua” foi tão escandaloso que chamou a atenção da turma, fazendo todos olharem na direção apontada pela criatura andrógena.
O novato, achando que depois de vários chopes e ativa participação nas sacanagens do grupo já gozava de relativa intimidade com o lourinho, indagou:
-Que moreno, “coisa rara”? Esqueceu que a cor de pele predominante nesta região é a morena?
O lourinho com o rosto afogueado pela excitação e meio chateado com o adjetivo empregado pelo novato, retrucou:
-“Coisa rara”, querido, é a mamãezinha! E o moreno a que estou me referindo, nojento, é aquele galalau ali, todo vestido de branco e de chapéu na cabeça... Noooosaaa!
O grupo entre divertido e curioso, em uníssono, olhou para o tal “galalau”, e o Zeca entre gozações e goles de chopes, como bom cinéfilo, comentou:
-Caraca, meu! O cara parece que saiu do filme “Opera do Malandro”, deem só uma olhada na roupa da “figura”, cara... Terno de linho branco, sapatos de duas cores e chapéu panamá... E o lenço vermelho no bolsinho do paletó? E a ginga de urubu malandro...?? Parceiros, esse cara aí não existe... Esse cara está na década errada, meu! Esse tipo de roupa aí só era usado na década de 1930... De onde será que essa “figura” saiu???
Serginho que voltava do banheiro, ao ouvir o último comentário do Zeca, arrematou divertido enquanto tomava mais um gole de chope e mordiscava uns amendoins, salgadíssimos, por sinal:
-De onde essa “figurinha premiada” saiu eu não sei, mas que ele, quando estava parado na frente do banheiro feminino, aprontou o maior “fuzuê” com a mulherada que passava pelo corredor... Arrahm! Meus camaradas...!! Isso ele aprontou... A macharada que tem mulher que foi mijar ´tá “puta-da-vida” com a “figurinha” aí... Tem um grupo ali, ó, debaixo do pé-de-mangueira... ´Tão se reunindo pra dar o maior “cacete” no carinha... ´Tão dizendo que o “figurinha” aí, ó, é abusado pra carái... Beijou e enlouqueceu a mulherada, geral, rapaziada!!! Tem mulher que ainda está revirando os “zoím” até agora... - e chamando o “Geni” pediu mais uma caneca de chope. - o garçom foi atender o pedido resmungando que “Geni” era a puta-que-pariu todo mundo daquela mesa, cambada de fila-da-puta...
Imediatamente a turma cobriu o Serginho das mais variadas perguntas:
-Como enlouqueceu a mulherada, cara?
-Ô loco, meu! Beijou assim...! Na maior?
-Quer dizer, Serginho, que a mulherada “tarou” no cara? Revirando os “zoim” e tudo? Como, cara?
O lourinho que, só de olhar para o desconhecido, também já começava a revirar os olhos, passando a língua pelos lábios, umedecendo-os, perguntou a ninguém especificamente, porém, olhando para o Alex.
-O que será que o morenaço ali, ó....? Tem de tão de especial???
Pensando que a pergunta do lourinho “cacatua” era dirigida para o Alex, o grupo soltando risadas variadas olhou para ele esperando a resposta.
-Qualé, borboleta? E sei lá eu o que é que esse cara tem para deixar a mulherada com o “pino” batendo “biela”, cara? Da fruta que eu gosto, parceiro, você quer uma baita de uma distância... Sai de mim jacaré!
Alex com a caneca de chope na mão, tomou um gole e olhou para a mulataça que ele achava que já estava no papo e, surpreendido, ficou olhando embasbacado para a conquista que, junto com a amiga, embevecidas, fitavam o tal “figurinha”, objeto de tanta controvérsia.
-Caraca, véi! Dá uma olhada ali, Zeca... Puta-que-pariu! O que é que esse cara tem, mermão, pra deixar a mulherada fissurada assim, parceiro? Dá uma olhada na minha mulata e na amiga dela, parceiro... As mulheres estão “vidradas” no “figura”, cara!
Enquanto a turma ao redor da mesa trocava impressões, num repente a confusão estava armada por debaixo da copa da mangueira.
O estranho personagem vestido de branco que estava encostado ao tronco da árvore centenária, beijando voluptuosamente uma loura oxigenada, talvez por um sexto sentido hiper apurado, percebeu o vulto de um punho que vinha velozmente em direção à sua orelha esquerda, como um raio, se abaixou para desviar-se da ameaça iminente e, agilmente, com um “rabo de arraia”, perigoso golpe de capoeira, sapecou o calcanhar no pescoço do agressor. Foi o bastante para o “piseiro” se instalar no bar “Mirante Tres”, aprazível recanto para um “happy hour” de frente para as curvas do Rio Caiary, primitivo nome do Rio Madeira que começava a ter suas águas banhadas pelo luar de uma enorme Lua Cheia que se insinuava por entre as poucas nuvens que nublavam o céu, que àquela hora se enchia de estrelas faiscantes.
Diversos frequentadores do bar, percebendo o tumulto, levantaram-se e se afastaram do núcleo da confusão. A turma do Alex, de longe, observava o “pega ali”, “segura lá” e “não deixa o cara escapar”...
Inesperadamente a luz do pátio do bar apagou, e coincidentemente, as poucas nuvens que enfeitavam o céu estrelado encobriram a luz da Lua Cheia que iluminava o bar e esparramava-se pelo barranco em direção as águas do Rio Madeira. Momentaneamente ficou tudo às escuras... Ninguém via ninguém, somente vultos se agitavam de um lado para o outro.
Ao lado do Bar Mirante, existe um calçadão que finda em uma escadaria de madeira que descamba na margem do rio. A turma do Alex, para escapar da confusão generalizada que imperava do pátio do bar, deslocou-se para o calçadão e lá ficaram com as canecas de chope na mão, observando...
Na penumbra que encobria o pátio, Alex percebeu um vulto branco se deslocando em direção ao grupo, cujos membros conversavam animadamente trocando impressões sobre a confusão que se desenrolava à frente deles. O vulto branco, disfarçadamente caminhava no passo gingado de “urubu malandro” em direção à escada que descia para o rio... Quando o vulto passou pelo Alex, ele sentiu um forte odor almiscarado ao mesmo tempo em que sentiu também os cabelos da nuca ficarem arrepiados quando o estranho de branco levantou levemente os olhos para encara-lo. Alex teve a impressão de ver uns olhos esverdeados faiscantes lançarem centelhas de luz em sua direção acompanhados de sussurros roucos:
“Cari! Vocês pensam que sabem tudo, mas não sabem de nada, Cari” “Olhem para as matas e para os rios com o coração e compreenderão, Cari!”
No momento em que o estranho de branco alcançava a escada, as nuvens que encobriam a Lua Cheia deixaram a luz prateada banhar todo o ambiente, e foi aí que o grupo que perseguia o estranho de branco o viu.
-Atenção moçada! Olha o “fila-da-puta” ali... Ele está correndo para a escada que vai dar no trapiche.
O grupo de desordeiros correu em direção à escada que descia o barranco em direção ao trapiche na perseguição ao estranho personagem vestido de branco. Quando eles alcançaram a escada de madeira, as nuvens, caprichosamente, encobriram a Lua Cheia e todo o ambiente no barranco e na beira do rio voltou à penumbra. A escada ficou pontilhada de pequenos fachos de luz azul emitidas pelos celulares dos perseguidores...
Depois de várias idas e vindas do grupo de desordeiros à procura do estranho de branco, eles se reuniram no trapiche e ficaram xingando e trocando impressões.
Quando as nuvens finalmente deixaram a lua prateada da Lua Cheia banhar o trapiche, os desordeiros viram um amontoado de roupas jogadas na beira do barranco por detrás de uma moita de Tamba-tajá.
Um dos desordeiros foi até a moita, pegou as roupas brancas, um chapéu também branco e um sapato de duas cores e ficou lá, parado como um poste, com cara de babaca, sem dizer nada, com a boca aberta e os olhos esbugalhados de espanto.
O grupo, sem entender o que estava acontecendo ficou se perguntando para onde será que o “pegador” abusado se mandou... Provavelmente pelado, já que as roupas do “fia-da-puta” estavam ali, jogadas na moita de Tamba-tajá... O silêncio reinante no trapiche foi quebrado pelo ruidoso sopro de ar que um enorme boto “tucuxi” soltava lá pelo meio do rio... O boto saltava e bufava ruidosamente nadando em direção à outra margem do Rio Madeira...
O silêncio no trapiche foi quebrado pela exclamação de um membro do grupo:
-Taquespariu! Dá só um olhada no tamanho daquele boto, mermão!!! O bicho é tão grande que parece até uma baleia!!! Caceta, cara!!!
Alex e o grupo de amigos que observava toda a cena do alto do barranco, perdendo o interesse pelos acontecimentos voltaram para a mesa...
-“Geni”, traga nova rodada de chope e passa a régua... Aproveita, traz a conta e a maquininha de cartão, parceiro!
O garçom foi atender o pedido do grupo, como sempre, resmungando.
-Eu já falei pra esses “fia-da-puta”... “Geni”, é a puta-que-pariu todos eles... Cambada de fresco!
Enquanto a turma de acomodava nas cadeiras e comentava os últimos acontecimentos, completamente esquecida da conversa que havia tomado todo o tempo deles, Alex caminhou pelo pátio do Bar Mirante à procura da mulata e a amiga... As encontrou encostadas na mureta de segurança que circundava o barranco que descambava em direção ao rio. As duas conversavam baixinho:
-Amiiigaaa! Que homem era aqueeele, criaturaaa? Acredita que até agora eu estou toda úmida... Meeeu Deeeus! Que colônia é aquela que aqueeele hooomem usa...??? Amigaaaa??? E os olhos do cara? Os olhos quando encaram a gente... Minha Nossa...!!! Parecem dois abismos atraindo a gente para as profundezas sei lá de quê? – e se abanando com as mãos, murmurou: -Arff...!!!
-Olha Mercedes! Que colônia é, eu não sei, mas que é envolvente, inebriante e que deixa a gente louquinha... Háaaa isso deixa! Meninaaaa!!! Fiquei tão envolvida com o magnetismo do cara que esqueci completamente o outro carinha que eu estava paquerando naquela mesa vizinha à nossa... E falando em paquera... Olha só quem está chegando... O tal carinha... Ele não é um gato, Mercedes?
Alex quando se aproximou das duas amigas, percebeu nelas também, um estranho fenômeno que estava ocorrendo com as mulheres presentes. Alex notou que, sem exceção, todas as mulheres estavam arfando e com os mamilos intumescidos, algumas... Algumas não, a maioria delas, estavam com as narinas dilatadas, inclusive a mulata e a amiga.
Antes de cumprimentar as duas amigas, Alex ainda pensou: “O que será que aquele ‘filho-da-puta’ vestido de branco terá, hem...??? Pra deixar a mulherada neste estado de tara, mermão...??? Estão todas prontas pro abate!”
-Olá! Tudo bem? Que confusão, hem? - perguntou Alex à guisa de cumprimento olhando disfarçadamente para os seios turgidos e os mamilos intumescidos da mulata que, sem a cobertura de sutiã, praticamente furavam a malha fina da leve camiseta que ela estava usando.
A mulata sentindo os mamilos doloridos de tão intumescidos, disfarçadamente cruzou os braços para ocultá-los do olhar indiscreto do paquera e, com o seu melhor sorriso respondeu ao cumprimento:
-Oi...!!! Nosssa...!!! E pois não é...!!! Que confusão, hem? Você sabe quem é aquele cara de branco, o que estava envolvido na briga?
-Não tenho a menor ideia, gata! O que eu sei é que quiseram baixar o cacete no cara, ele reagiu, deu uma pernada na orelha de um dos agressores e depois correu em direção à aquela escadaria que desce o barranco e que vai dar no trapiche, lá beira do rio... Pelo que eu estou sabendo, lá pela beira do rio o carinha sumiu... Escafedeu-se! E aí? Depois desse “rolo” todo, vão fazer o quê?
A amiga da mulata respondeu pelas duas:
-Estamos pensando em ir lá para os barzinhos da Rua Pinheiro Machado... Agitar por lá... E você vai ficar por aqui?
Para disfarçar a ansiedade, Alex olhou em volta, colocou uma mão no bolso, tirou, olhou para os tênis, depois olhou fixamente nos olhos da mulata e respondeu:
-Acho que não! Estou pensando em acompanhar vocês... Aqui já deu... Está sem clima... E aí? Estão de carro, a pé? Como é que vocês vão lá pra “Calçada da Fama”?
A mulata sorriu lindamente e com ar de surpresa perguntou para o Alex:
-“Calçada da Fama”? O que é isso? Onde fica?
-“Calçada da Fama” é o apelido que o pessoal dá para o espaço dos barzinhos lá da Rua Pinheiro Machado... – e depois de uma risada, continuou – é que lá naquele “pedaço”, a azaração corre solta... Sempre é possível achar alguém disponível...
A mulata passou a língua pelos lábios, umedecendo-os, olhou Alex da cabeça aos pés e perguntou:
-E você? Está disponível?
-Para você? Sempre! E aí? Estão de carro?
-Não! Viemos de carona. – respondeu a amiga da mulata.
Alex sorriu satisfeito e convidou:
-E então? Vamos...? Eu dou carona pra vocês...
A mulata e a amiga sorriram, ajeitaram as respectivas bolsas no ombro, arrumaram o cabelo e responderam que aceitavam o convite.
Alex se postou entre as duas amigas, sorriu para a turma dele que olhava a cena embasbacada com a sorte do “nerd”.
Antes de saírem do “deck” que circunda a ribanceira, Alex distraidamente olhou para o Rio Madeira e lá na curva que antecede a barragem da Hidrelétrica de Santo Antônio ele viu...Ele viu um enorme boto saltando sob a luz prateada da Lua Cheia... Ele achou estranho como os raios prateados da Lua incidiam sobre o dorso do “pirajaguara” tingindo-o de azul “neon”...
"Que coisa esquisita!" - Alex murmurou.
Ainda distraído com o que acabara de ver, Alex percebeu que a mulata comprimia levemente o seu braço chamando a sua atenção:
-Alex...! Alex...! Oiiiii...! Terra chamando... Que foi que houve, gato? Entrou em transe, foi?
-Foi nada não, gata... Só uma coisa que me distraiu, mas tudo bem... E aí? Vamos?
A mulata e a amiga concordaram e todos se dirigiram para o carro do Alex. No caminho, a mulata fez as apresentações:
-Nooossaa, Mercedes! A gente nem se apresentou ainda para o Alex... Alex, minha amiga Mercedes... Mercedes, o gato aqui é o Alex... – e simulando segurar a barra de uma saia, a mulata inclinando-se levemente, se apresentou apontando com o polegar o próprio peito:
-Eu sou a Janaína... Janaína, Alex! Pronto, está todo mundo apresentado... – depois, a mulata sorrindo com os dentes mais brancos do mundo, perguntou, assim, como que por acaso:
-Gato, me mata uma curiosidade... O que é que vocês conversavam com tanto entusiasmo lá na mesa de vocês?
-Nada não! Papo de bar... Coisa sem importância... – e sorrindo gostosamente Alex finalizou:
-Em mesa de bar sai cada papo maluco...
No galho mais alto da centenária Castanheira que sombreava o pátio, uma gigantesca coruja alçou voo em direção à margem oposta do Rio Madeira piando repetidas vezes estridentemente... O som do canto da enorme coruja lembrava o som de um tecido rasgando.
Quase no meio do rio, um pescador retardatário que puxava a linhada trazendo preso ao anzol um bagre “cuiú-cuiú” estalando de gordo, olhou para cima, benzeu-se, bateu com o cabo do remo por três vezes no fundo da canoa, murmurou contrito:
“Ave Maria Santíssima! Acuda minha santa Nossa Senhora do Seringueiro, hoje os encantados estão soltos... Boto Tucuxi em noite de Lua Cheia dando “cangapé”, bufando e nadando contra a correnteza... E pra completar, Matinta Pereira piando na beirada da cidade, rasgando mortalha... Cruz credo, bangalô três vezes... Vixe!!!”
Porto Velho/Maio-2013.