REMINISCÊNCIAS DE PASSAGEM
Eu ouvia ao longe, os primeiros sons melódicos dos pássaros que cantavam. Eles sempre dormiam sobre frondosas árvores, que ficavam distantes do lugar onde eu me encontrava. Era uma verdadeira sinfonia, onde não se podia identificar qualquer pássaro individualmente, já que muitos cantavam, celebrando a vida.
Abri lentamente os olhos, e, como se num ritual, fui seguindo passo a passo, cada gesto que sempre fazia ao acordar para um novo dia. Espreguicei-me lentamente, enquanto ia inalando um pouco mais de oxigênio através de forte e longa respiração. Retive o ar nos pulmões por alguns segundos e lentamente fui soltando-o, até senti-los novamente, completamente vazios.
Agora eu tinha certeza, estava vivo. Meu cérebro, de imediato, deixou o ritual do acordar e divagando, lançou-se em várias direções, procurando respostas e esclarecendo dúvidas, num monólogo surdo e mudo que era dirigido a mim mesmo. Eu me habituara àquela forma de meditação.
Quando me encontrava em lugar diferente daquele a que estava acostumado, nem sempre fluía a mesma energia que havia em meu corpo. Nestas vezes era comum, sentir-me durante todo o dia, incompleto, pois não conseguia o verdadeiro equilíbrio que buscava, quando acordava para um novo dia.
O sol, timidamente começava a romper a fresta que havia entre as duas partes da cortina que teimava em tentar mantê-lo fora daquele ambiente tão carente da sua luz. Em segundos, com movimentos rápidos e decididos, abri toda a cortina e deixei que a luz voltasse ser parte integrante de mim.
Lentamente fui agradecendo por cada coisa que eu tinha, ou poderia ter naquele dia, que eu já julgava que seria maravilhoso. Sempre consegui com meu modo positivo de encarar o mundo, o melhor que se pode ter, para uma vida de perfeito equilíbrio. Após abrir a cortina, liguei a música que sempre tocava naqueles momentos mágicos da vida, que era o acordar.
Após prazeroso banho, voltei ao quarto e enquanto me vestia ouvi o telefone tocar, não me preocupei muito, pois quase nunca atendo o telefone tão cedo, detesto ouvir lamentações neste momento do dia. Após completar todo o processo de vestir-me a que estava acostumado, fui até a cozinha para continuar meu ritual de iniciar mais um dia.
Meu desjejum foi principalmente de frutas, tomei meu café, quase sem açúcar e quando já ia saindo, o telefone voltou a tocar. Agora eu atenderia, não por estar mais perto dele, mas, simplesmente porque já completara todos meus afazeres da manhã e agora, já poderia iniciar o meu contato com o mundo exterior.
Quando peguei o fone e o levei ao ouvido, ouvi apenas um chiado, meu possível interlocutor havia desligado. Deve ter imaginado que eu já havia saído. De certo, iria ligar para meu escritório. Pensando assim, desci os quatro lances de escada e logo me vi em frente ao carro.
Entrei, liguei-o e bem devagar sai da garagem rumo ao local onde eu costumava tratar de assuntos diversos, com todos que me procuravam. Minha agenda estava cheia, havia várias pessoas que eu deveria atender pela parte da manhã. Minha secretária era criteriosa e cuidava de tudo, ela nunca esquecia os detalhes.
Chegando ao trabalho, notei que a mesa da secretária estava totalmente vazia, nem mesmo os costumeiros papéis ou sua agenda estavam sobre ela, exceto um papel ofício escrito. Aquela forma de proceder era para evitar que eu deixasse de olhar o recado nele. Li, e após dobrar o papel por duas vezes, coloquei-o no bolso esquerdo da camisa.
Entrei em minha sala e vi que tudo estava perfeitamente organizado, nada fora do lugar. Eu não poderia desejar nada mais do que eu tinha. Sentei-me e peguei o telefone para ligar para o número que estava no papel. Eu precisava falar com a pessoa que havia deixado o recado.
Tentei várias vezes, mas, todas foram infrutíferas, eu não logrei êxito em nenhuma delas. Se ao menos a Cíntia, minha secretária estivesse ali, poderia dar-me mais detalhes sobre o recado. Mas, ela não estava, por isso mesmo, deixara aquele sucinto bilhete sobre a mesa.
Durante todo o dia, atendi várias pessoas, no entanto, não consegui em momento algum, completar a ligação com o telefone que estava anotado no recado que minha secretária havia deixado. Ela só apareceu no trabalho na parte da tarde. Ela, havia levado o filho ao médico para consulta de rotina.
Deixei-a incumbida de tentar contato com a pessoa que havia deixado o recado no fim do dia anterior. Após várias tentativas, todas inúteis, observei que o dia estava acabando. O sol dava seus últimos lampejos de vida, era chegada a hora de voltar à minha casa.
Passei algumas recomendações para que ela anotasse para o dia seguinte e lentamente desci todos os degraus, dos 10 andares onde ficava meu escritório. Chegando à portaria, solicitei ao manobrista que pegasse meu carro. Minutos depois, estava indo em direção à minha residência.
Durante o trajeto até minha casa, minha mente que nunca para, viajava em todas as direções, mas, sempre voltava ao recado que fora deixado pelo cidadão que dizia chamar-se Expedito. Eu procurava, qualquer lembrança que me levasse até o encontro daquela pessoa, para que eu pudesse visualizar sua imagem. Todas as tentativas foram inúteis. Não me lembrei de ninguém com aquele nome.
Em casa, tomei meu banho e quando já me dirigia até a sala para sentar-me no sofá e esticar minhas pernas, para um repouso meditativo, ele telefonou. Atendi e enquanto ouvia meu interlocutor, involuntariamente lágrimas escorreram rosto abaixo. Por mais de uma vez, tentei balbuciar algumas palavras, mas em vão. Após desligar o telefone começava a entender todo o drama que se passara.
Eu, jamais poderia imaginar que um dia iria receber notícias de alguém, que falasse de minha morte. Quando me dei conta, de todo o processo e dos procedimentos do dia, vi-me sendo carregado numa velocidade vertiginosa rumo a outra dimensão. Ao abrir os olhos, eu o vi pela primeira vez em minha frente, sorrindo. Ele simplesmente disse:
- Olá, sou o Expedito, seja bem vindo novamente ao seu lar.
Só depois daquelas palavras, compreendi que tudo que eu vivenciara nas últimas horas, eram apenas reflexos de um desejo, um sonho. O meu EU, já havia partido, só que ele, até aquele momento, ainda não tomara consciência do acontecido.
Como é bom poder voltar para casa!
15/05/2013 - VEM