O ABRAÇO
É verão, calor insuportável, sonolência. Ligo o ar condicionado e deito para uma soneca. De imediato, adormeço.
Vejo-me no parque Farroupilha, para a caminhada costumeira. Paro, compro um sorvete. Sigo por entre as árvores, observando plantas, flores, pássaros, pessoas. Cumprimento um e outro. Sorrio. Que susto! Um pássaro azul, maior do que os que voejam costumeiramente pelo local, pula nos galhos, sobrevoa em círculo por cima de mim, pousa numa árvore, volta e estaciona em meu ombro. Sinto um arrepio e atribuo ao sorvete. Fico sem saber como agir. O pássaro é pesado, muito pesado. Quero espantá-lo, mas receio que me agrida. Digo, baixinho:
—Sai daqui, amigo. Segue teu caminho.
Olha-me com olhos humanos, olhar de alguém que conheço, mas não me lembro de quem. Decido que se me escolheu, deve ficar comigo. Volto para casa, porém com dificuldade de caminhar, devido ao peso da ave e à sensação de estar ficando com o ombro gelado. Entro e procuro uma gaiola. Encontro-a. Retiro o pássaro do ombro, coloco na gaiola e observo ao redor. Decido por na sala, no alto, acima do televisor. Nisto, uma voz sussurra em meus ouvidos:
— Gostarias de ficar nesta prisão? Solta-o.
Estremeço. Olho, novamente, nos olhos do bichinho e vislumbro o olhar conhecido. De quem, de quem? Levo a gaiola até a janela aberta. Rapidamente, meu passageiro amigo levanta voo. Sinto imensa tristeza. É uma despedida que doi. Uma vontade de chorar, de gritar que volte, que mudei de ideia. Mas ele já está distante, batendo as asas em câmara lenta em direção às nuvens, até que não o vejo mais. Abano um adeus, bato na guarda da cama e acordo, incomodada com as imagens. Sonho estranho.
Não quero mais dormir. Levanto, ando pela casa, volto ao quarto, desligo o ar, abro as janelas. Sem muito pensar, coloco os tênis e saio para a rua, direto à Redenção. Talvez encontre resposta para a aventura onírica.
Caminho sem pressa, sorrindo para os velhos conhecidos, cumprimentos, abraços. Por uma trilha, aproxima-se Geraldo. Continuo sorrindo. Porém, deixo de fazê-lo, quando mergulho em seus olhos. Dou uma sacudida na cabeça, num não, não, mudo. Vejo o pássaro batendo asas em câmara lenta, sumindo nas nuvens, vejo Geraldo me olhando, em súplica, de braços abertos, mas não entendo o que está acontecendo.
Sem palavra, encosta o corpo no meu, num abraço apertado. Então, vai amolecendo, soltando os braços e, de imediato, estatela no chão, morto.
Grito em desespero. Junta gente. Tentativa de recuperá-lo, mas é tarde.
Olho para o céu, sem nuvens, e tenho a sensação de que a alma azul de Geraldo mistura-se com o azul celeste.