Amante Solar

Sentou na lua. Debruçando a sua mente no abismo das lembranças que o tomavam e o atormentavam. Iria cometer o pecado, mas queria tirar de si essa paixão humana, demoníaca. Era como uma goteira de veneno insaciável, pingando nas profundezas de sí.

Deixou-se levar pelo espaço, rasgando o ventre do universo; esbarrando na resplandecência e no calor das estrelas. Queria esquecer, fugir... não sabia exatamente de que. Talvez do pecado que o tentava. Talvez dela... : eram a mesma coisa. E seguia acompanhando a luz, no vácuo da noite infinita. Entre as explosões e os anéis de saturno. Mas sabia que não resistiria por muito tempo: a imagem dela lhe enfraquecia, era como uma droga... Um êxtase! As suas asas foram diminuindo o ritmo contrapondo as lágrimas, que vieram á tona, de maneira que não conseguia mais voar. Algumas caíram na terra seca do deserto, fazendo florescer algumas plantas carnívoras. E outras viajaram pelo tempo até rosto dela. Ela olhou para o céu esperando a chuva, mas as nuvens estavam sorridentes e o sol brilhava como um deus jovem. Então deixou essa gota solitária secar em sua pele branca, marcando-a com uma mancha estranhamente florescente. Ela sabia.

Ele sentiu o encontro da lágrima com a carne humana. Despertou da tetricidade, sentiu um fio de coragem querendo borbulhar no seu peito. Voou entre os planetas estilhaçando os meteoros espalhados pelo cosmos. Tinha pressa... Não pensava mais nas consequências. Queria morrer. Morreria e iria para onde os anjos desobedientes estão! Já não importava. Era tão linda. E esperava-o desde o seu choro no espaço: estava marcada pela sua lágrima - ela ouviu o clamor da minha agonia. Ela me ama! Eu á amo...! - Pensava, sorrindo pelos olhos molhados.

Recortou á atmosfera terrestre. Caiu como um raio, cicatrizando a madrugada. Abrindo a cratera na terra molhada. As asas quebradas; o corpo, comido e manchado pelo barro úmido, ainda refletia uma luz dourada. Ela seguiu o rastro do raio que cortou o céu, carregou-o como uma criança para dentro de uma cabana escondida no mato. Costurou algumas feridas, juntou alguns de seus ossos deslocados... E ele conheceu da dor que sentem nesse planeta tão esquecido no infinito do Espaço.

Acordou três dias depois, com a luz de uns olhos negros, que lembrava os lugares por onde já voou, apontando para os seus. Ela estava sorrindo com o amor e a esperança escritos em seus lábios. Os olhos cerrados, tentando se acostumar com a luz terrestre. Passaram horas conversando sobre os céus... Ele queria levá-la na lua, nas estrelas em que moravam seres fantásticos... E ela falava, simplesmente, sobre como é ser humana, o que lhe causava uma aguda e familiar inveja. Na madrugada, quando a lua se derramava pela floresta, prateando ás árvores; enquanto o vento tentava invadir as janelas fechadas, as velas assistiram os corpos grudados pela efervescência. As asas á envolviam com força, e ela tocava a quentura divina do seu corpo;

Passaram semanas, olhavam-se por horas entre o saltitante e falho fogo das velas contrapondo a noite; nada era mais importante do que aquele eterno presente. E então, num dia de chuva, em que o céu parecia revelar um luto, algumas penas das suas asas caíram fracas, a luz dourada que saia do seu corpo começou, lentamente, a se apagar. Os cabelos solares começaram a perder o brilho. As pálpebras pesaram em seus olhos até que tudo se tornou silêncio. E nunca mais acordou.

Ela chorou desconsolada, prostrada no seu corpo ainda quente. Sabia que era á culpada; sabia que anjos não sobrevivem perto de humanos. Beijou seus lábios secos e amornados pela frieza mortal. Cavou um buraco na beira do lago e o enterrou como filho. Viveu eternamente á aguda e silenciosa dor. E a mancha da lágrima continuou em seu rosto. Lembrando-a de um anjo... E nos dias de chuva ela sentia o vento querendo invadir a janela, fechava os olhos, respirava fundo, e escutava um barulho de asas batendo...