Esboço de um conto sobre nada (e sob o tempo)
O tempo passou. Com sua pressa e sua calma inabaláveis, passou sem ao menos tremer um músculo de suas eras e de suas fases, e nunca deu chances para indícios quaisquer sobre aquela história, aquela do início.
É como se não haja início para nada neste mundo e nessa vida (nessa vida? Qual?), como se o tempo que passa sobre as cabeças de tudo e de todos fosse pingando histórias no decorrer do seu caminho, que é construído por ele mesmo enquanto passa, e os inícios ficam sem começo, apenas surgem em determinados gotas ou traços de tinta de alguma caneta metafísica em alguma folha de papel inconcreta que se perde nos calcanhares do tempo para instantemente ressurgir sob os dedos dos seus próximos passos.
Há uma história que existia antes de ser contada a história, que contou tudo aos que vieram depois, e eles depois a contaram, mas a história antes da história não contou nada sobre ela. E agora é como se houvessem palavras soltas no tempo e que é possível fisgá-las e trazê-las para os papéis atuais, esses bidimencionais que são fixados verticalmente atrás de dezenas de teclas, e organizá-las de forma que contem estórias e contos, mas sempre fica incompleto, fica faltando terminar o início, ninguém consegue iniciar a história.
E acumulam-se essas decodificações espaço-temporais, e os papéis que o tempo pisa e mancha são reunidos uniformemente em blocos que se tornam nada mais que os degraus do tempo, e que estes são acumulados metodicamente pela esperança de conterem a história final do início da história pela humanidade que teima em não querer ser nada mais que uma gota de tinta despejada pelo tempo em algum daqueles próprios papéis os quais ela mesmo reúne.
Mas tudo isso não passa de literatura, e não há um livro que conte tudo, e nem todos os livros de uma gigantesca biblioteca que contem nada. No final, o início fica como um conto que começa com uma frase qualquer, avulsa, que não pode iniciar nada porque é obvio que tem algo antes daquele início, que nada pode ser iniciado vagamente assim, com palavras que dizem especificamente nada, algo como “O tempo passou”.