O inferno atleticano
O inferno atleticano
Deus e o Diabo conversavam animadamente a respeito do sucesso de cada um na Terra, pois nós, humanidade, estamos sempre sob provações dos dois. E claro, o Diabo leva uma certa vantagem. Então quando das guerras, nem se fala.
De repente, o diabo teve uma ideia brilhante.
- Senhor, - repare o respeito, ele não se esquece que foi anjo Dele, e continuou - por que não fazemos uma partida de futebol ? Escolhemos um clube à nossa escolha.
- Sim! Eu topo - concordou Deus.
E assim despediram-se determinados a formalizarem tudo na semana que se seguia.
Começaram suas escolhas. Os conselheiros do Diabo reviram alguns jogos e ouviram certos funcionários da CBF, no Rio de Janeiro.E conforme a ética diabólica, indicaram uma equipe que uma grande rede televisiva apoiava.
Deus, por sua vez, solicitou ao Anjo Gabriel que identificasse um clube com o reino dos céus. Este retornou com a indicação do Clube Atlético Mineiro, que trazia em sua cores a dualidade entre verso e o reverso, a luz e a escuridão. E tinha uma mascote que acordava os homens para um novo dia, o galo.
Alexandre Kalil, presidente do Galo, ficou felicíssimo com a escolha, e veio à imprensa declarar que "o nosso time é imortal" (frase do hino do Atlético).
Os cruzeirenses, indignados, repetiam que a sua torcida era chamada de "celeste", e ameaçaram boicotar o jogo.
O bispo da Igreja Universal aproveitou para oferecer de graça a transmissão da partida pela TV Record, em canal aberto, desde que Edir Macedo pudesse dar o pontapé inicial. Até o capeta foi contra.
O secretário da FIFA, Jérome Valcke, reclamou em Brasília com o Ministro dos Esportes que este evento estaria abafando a espectativa da Copa do Mundo, e pediu publicamente voluntários brasileiros (sem remuneração ) que se manifestassem contra o jogo. Ninguém tinha aparecido até aquele dia.
Mas não teve jeito. A partida foi acertada e na data prevista o Estádio Independência, em Belo Horizonte, estava lotado. Todas as religiões estavam presentes. Católicos, espíritas, muçulmanos, judaístas, umbandistas, tudo. Do outro lado, numa gritaria "infernal", os capetas. Vermelhos, rabos balançando, uma catinga de enxofre horrorosa. Outro dilema foi escolher o árbitro e os bandeirinhas, e chegou-se a um consenso. Seria uma equipe de ateus, que entrou em campo vestida de preto, à moda antiga. Daí entraram os jogadores lado a lado. Aplausos .
A capetada na arquibancada delirou e a festa no mínimo , para eles, ficou garantida.
O juiz ateu olhou para o cronômetro, apitou e começou o jogo. Desta vez não tinha CBF nem Rede Globo. Era Deus e o Diabo na terra (desculpe Cacá Diegues) , e um árbitro que não acreditava em nenhum e outro.
O primeiro tempo foi apertadíssimo, disputado, sem gols. No intervalo, dentro do balneário, o técnico Cuca esperneou com os jogadores atleticanos enquanto o capeta pedia aos seus jogadores que partissem a perna dos adversários atleticanos, em troca de 40 mulheres virgens, quando expulsos.
Segundo tempo. A bola rolou mais uma vez apertada. Muita disputa dentro de uma área e outra. Bolas na trave, defesas bíblicas. Aos 47 minutos do segundo tempo, faltando um para acabar, o goleiro do time dos infernos, numa cobrança de tiro de meta, viu o goleiro do Atlético meio adiantado e arrebentou um chute na bola, que atravessou todo o campo tomando uma curva para a direita, indo bater na bandeirinha do "corner", que impulsionou o esférico para uma trajetória contrária, atravessando novamente o campo , vindo a encobrir o autor do chute , que já se encontrava muito adiantado. A bola entrou no próprio gol, sob o desespero do goleiro que vinha correndo, sem sucesso. O silêncio foi quebrado numa explosão de alegria pelos crentes em Deus, enquanto os capetas começavam a quebrar as arquibancadas do Indepedência e a Polícia Militar de Minas Gerais entrando no meio baixando o cacetete sem dó.
Ficou a lição de que o mal que alguém deseja para o outro, volta contra si e as probabilidades de Deus são misteriosas para nosso entendimento.