Surreal - Final

Estava parada olhando fixamente para a próxima porta. Sentia que alguma coisa importante aconteceria, engoli em seco e tentei me acalmar.

- Lyra, está pronta para entrar? Seth perguntou talvez notando o meu desconforto.

- Estou.

Seth abriu a porta e entrou, eu seguia-o de longe.

- Hora de dormir... Disse ele num tom ameno e tranqüilizador.

Olhei em volta e vi meu quartinho de criança, exatamente como era há uns quinze anos atrás; as lembranças me invadiram de novo, como era boa e feliz aquela época, meus pais vinham me cobrir e dizer boa noite...

- Vamos, deite-se, você deve estar muito cansada.

Tirei a sapatilha e me deitei na caminha estreita, Seth me cobriu, me desejou boa noite e disse:

- Agora faça sua oração.

Na mesma hora me lembrei de quando meus pais me ensinaram a orar...

- É como falar com a gente, Deus é seu papai do céu, Ele está aqui, você não pode vê-lo, mas Ele pode te ouvir.

E eu fechava os olhos e conversava longamente com Deus, sobre o meu dia, meus pedidos, minhas reclamações, meus problemas... Eu sempre senti que Deus estava lá o tempo todo, sentado na minha cama me ouvindo; Algumas vezes eu tinha tanta certeza que Ele estava lá que abria rapidamente os olhos tentando surpreende-lo antes que ficasse invisível de novo... Nunca fui rápida o bastante.

Olhei para Seth com lágrimas nos olhos, pensando que fazia muito tempo que tinha perdido este hábito de orar antes de dormir.

- Você não tinha mais tempo nem disposição de falar com Ele, mas Ele nunca deixou de vir todos os dias, sentar na sua cama e observar você adormecer.

Comecei a chorar copiosamente, rios saiam de meus olhos, não conseguia me controlar, chorei como fazia muito tempo não chorava, parecia que estava lavando minha alma.

- Ele está aqui... aproveite e ponha em dia o tempo perdido.

Seth apagou a luz, saiu e fechou a porta. Eu fiquei ali no escuro, chorando e tentando restaurar um relacionamento tão lindo que tinha deixado morrer por falta de cultivo de minha parte, só agora via como tinha me feito falta, estava disposta a fazer tudo para nunca mais esquecer o que era importante pra mim.

No dia seguinte acordei com novas forças e queria muito ver Seth e pedir para ele me mostrar à próxima porta. Estava gostando dessa viagem de lembranças e recuperação de sentimentos perdidos...

Coloquei minha sapatilha e corri para uma penteadeira rosa, com gavetinhas e um espelhinho, como eu gostava dessa peça de móvel... Agora estava atravancando ainda mais o nosso porão. Olhei no espelhinho e arrumei um pouco meu cabelo, a garota do espelho agora me era mais familiar, parecia mais jovem e leve, mas não parecia de todo real... Ainda.

Seth bateu de leve na porta e entrou.

- Vamos que já estamos atrasados...

- Aonde vamos agora?

- Vamos abrir a ultima porta, depois você terá que voltar...

- Voltar? Pra onde, a casa na floresta?

- Não. Para sua vida, logo você entenderá.

Paramos em frente a ultima porta; eu estava ansiosa para descobrir o que encontraria lá dentro.

Seth abriu a porta e me fez entrar em uma saleta que continha só uma escrivaninha, um vaso de flores sobre uma mesinha de canto e um sofá debaixo de uma janela. Olhei interrogativamente para ele, e me apontou a escrivaninha. Fui até lá e dei uma boa olhada, era exatamente como eu sempre sonhei em ter um dia; cheia de compartimentos, um bom espaço para escrever, porta papeis, lápis, gavetinhas e olhando bem, vi um compartimento quase secreto, meio escondido. Puxei a gaveta secreta e vi meu diário, de quando era adolescente, cheio de nuvens na capa. Nessa época eu estava fascinada pelas nuvens, não sei, acho que são coisas inexplicáveis da adolescência. Abri o diário e folheei distraidamente, até chegar a uma página que me pareceu especial, comecei a ler:

“ Hoje minha melhor amiga está indo morar em outro estado, estou muito triste, gostaria que ela ficasse aqui para sempre comigo. Prometi que nunca deixaria de escrever e de telefonar para ela...”

Parei de ler, nem me lembrava que amiga era essa, até que Seth me apontou as flores sobre a mesinha de canto... rosas... Rosa, a cena toda me veio na memória, comecei a sentir a dor daquele momento, olhando minha melhor amiga, colocar as malas no carro, me dar um abraço apertado e dizer: “ Não se esqueça de mim.” Mas eu esqueci.

Rosa foi minha única amiga de verdade, mas mesmo assim me esqueci dela, depois de um tempo as cartas começaram a não ser mais esperadas com ansiedade e os telefonemas se desencontravam; na vida de uma jovem universitária não sobra tempo para amizades, fé ou imaginação, eu estava lutando para me tornar uma adulta responsável, uma profissional de sucesso... Comecei a achar que isso tudo agora não era o suficiente. Abracei aquele diário e senti um enorme vazio no meu coração, vazio de amigos, de me importar com alguém, de falar com Deus, de não viver tão preza a dura realidade.

Seth vem ao meu encontro, me abraça e diz:

- Você está pronta para voltar...

- Vou te ver de novo?

- Basta você abrir os olhos...

Abri os olhos lentamente e olhei ao redor, estava deitada em uma cama dura e desconfortável, fria, em um quarto estranho, parecia um hospital. Estava com a boca seca e sentia dificuldade de engolir ou falar, logo a porta se abre e entra um enfermeiro, com seu uniforme verde claro padrão do hospital, olha pra mim e diz:

- Você acordou!

- O que aconteceu? Eu disse com muita dificuldade.

- Você sofreu um acidente de carro e esteve em coma por vinte e três dias.

Eu estava confusa, real e surreal se misturavam em minha mente... Então a floresta, Seth e tudo o que vivi lá foi só um sonho? Pensando bem, tinha sido uma lição que nunca mais iria esquecer. Hoje ia ser o começo de uma vida nova.

- Como se sente? Perguntou o enfermeiro chegando perto de mim o suficiente para poder olhar seus lindos olhos verdes e seu cabelo vermelho como fogo...

- Muito bem, agora.... Você está me parecendo familiar...

- Fiquei todos os dias, algumas horas te fazendo companhia.Você sabia que faz bem conversar com pacientes em coma?

Priscila Pereira
Enviado por Priscila Pereira em 25/03/2013
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