= TEMPORAL =

TEMPORAL

Ronaldo Trigueiros Lima

= PRÓLOGO =

“Seu Antônio”, paralisado pela doença, mantinha os ouvidos abertos em direção à saleta, onde Paulinho, seu filho, e Alex cochichavam (naturalmente), impropérios. Os dois amigos, sempre mantiveram uma conversação, bastante íntima e descontraída, abafada, naquele instante, pelo estourar dos trovões que pareciam explodir a casa, dificultando mais ainda a audição do velho, levando-o a especulações, não só pela dificuldade de comunicação, mas, principalmente por suas crises alucinatórias.

A prosa inaudível dos rapazes, extrapolava vicissitudes, provocando em Seu Antônio, o ápex da desorientação e do desconforto.

Vez em quanto o nome de Marília soava mais audível, entre gargalhadas e as pausas dos trovões, que levava o velho a tatear a cabeceira da cama, a procura do interruptor que acionaria o alarme que atenderia suas necessidades prementes.

Com certeza, era essa a única maneira que tinha para expor o que sentia, de demonstrar toda sua revolta.

Assim, através desses reclamos, ganharia espaço os seus protestos, e a atenção devida restabelecida, mesmo que fosse provisória.

Nessa circunstância, precisava fazer alguma coisa para acabar com essa agonia.

A antipatia que sentia em relação a Alex, amigo de seu filho, -“ladrão” da atenção filial - precisava ser detida, pois estava levando-o a loucura.

Entretanto, seu pensamento “viajava”, tornando-o livre, perfeito em movimentos, a ponto de maquinar astúcias infernais, visíveis para quem desvendasse seu olhar de fogo, em constante ebulição, iluminado pelo clarão dos relâmpagos..

= 1 =

Marília parecia ter saído de um denso “temporal”, estranhamente estérica ao adentrar na clínica...

-Nem sei o que falar!... Disse Paulinho.

- Por que ela fez tanta questão de vir parar neste lugar, expondo-se dessa maneira... Esquisito não acha? (Disse Alex.)

- Pelo menos, se falasse coisa com coisa, teríamos uma idéia do que pensa...

- O que ela foi fazer na sua casa Paulinho...?

- Não tenho ideia?... Pareceu-me ter saído do nada!

- Ela sempre esteve de alguma forma, presente em suas conversas!

- Que exagero! Nem foram tantas assim...

- Como uma pessoa pode ir à casa de uma outra sem ser convidada?

- Nem sei o que dizer!(?)

-, Quando ela aqui chegou, me olhou de um jeito muito esquisito... Soou falso!

- Parecia que estava escondendo alguma coisa...

- E o gozado, é que nunca se importou com ninguém!

-Será que seu pai a chamou?!

- Não ironiza... Sabe muito bem que o pai não fala, nem anda!

- Mas escreve... E se consegue acionar a campainha de forma interrupta e agressiva, poderia muito bem ter mandado um bilhete através do, seu cuidador!

- Não vejo sentido!...

- Sabe-se lá?... Como diz o poeta: “ Há mais mistério entre o céu e a terra do que diz a vã filosofia...”! O fato é que seu pai nunca me viu com bons olhos!

- “Não viaja” Alex?...

- Deixa pra lá!... Penso que o tal Armando seja um dos tentáculos de seu pai! Foi ele que abriu a porta para que ela entrasse! (?)

-... Não sei... Quando cheguei, ela gritava como uma louca... Até me agrediu!

-E o que mais?

- Falou sobre estupro... Enxame... Sei lá!

- Como assim? ... Tinha mais alguém, além de seu pai e o cuidador?

- Nem isso... Armando avisara que faltaria hoje...

-Que coincidência, não acha?

- Talvez...

- Como será que ela entrou? Será que tinha uma chave?!

- Claro que não!

- Presumidamente, foi você à última pessoa com quem ela esteve! “Não bate. Não bate mesmo!”

(Os amigos se entreolham.)

-Tudo me parece uma encenação...? Alguma coisa preconcebida, ou sobrenatural?

- Por favor, pare de me olhar desse jeito Alex!

- Acho melhor Paulinho, não nos vermos mais!...

= 2 =

E os dois amigos ficaram por algum tempo sem nada dizer, à espera de alguma notícia esclarecedora.

- Sinto-me ameaçado Paulinho!

- Como assim?!

- Em que mundo você está?! Um olhar poderoso, parece que nos separa, fuzilando-me...

- De que você está falando?

-Deixa pra lá!... ( Grande pausa.) O que acha que as pessoas pensaram quando viram você de camisa rasgada, e arranhão no pescoço? Por certo imaginariam coisas! Concorda?...

- Nem pensei... Minha consciência é meu guia. Depois, não me importo com que as pessoas pensam, ou deixem de pensar!

- O cheiro de farsa tomou conta das minhas narinas...

- Farsa?... Álibi?... O que ela ganharia?!

- Aí é que está o ponto do temporal Paulinho... Dinheiro!

- Dinheiro... Por quê? Pra quê?

-Para dar vasão à ambição, a inveja, a uma necessidade premente. Por isso é que se vende, ou se compra !... Volto à pergunta: Tem algum Álibi?

-O que queria que eu fizesse... Que tirasse a camisa que ela rasgou,?

- Não sei o que dizer!

-Não podia deixá-la naquele estado... Podia!? Eu só queria abafar o escândalo que ela fazia! Fiquei tonto, sem preocupar um só instante comigo mesmo... Sem entender o que ela dizia... Queria afastá-la dos ouvidos do pai, e dos vizinhos!

-“Santa inocência!” Tem algum Álibi?

- Que álibi?!

- Tenho cá a minha versão... Não sou policial Paulinho, nem estou lhe interrogando!

- Não sei aonde você quer chegar...? Fale baixo...

-Vá para casa, descanse, esfrie a cabeça... Garanto que vai lhe fazer bem! Dá maneira que você está, vai acabar causando uma impressão pouco convincente! Vá para casa... Seu pai precisa de cuidados!

- Não me sentiria bem se saísse sem um esclarecimento! Agora, se alguém aqui está precisando de um calmante, esse alguém é você Alex!

- Talvez lá em sua casa, e não aqui, descubra o que de fato aconteceu!

- Passa por sua cabeça que sou o responsável por esta coisa....?

-De maneira nenhuma!

-Diz para mim o que está pensando?

-... Tenho cá minhas desconfianças... Essa coisa de estupro não faz seu gênero!...

- Deixe de brincadeira Alex! O que quer dizer com isso?

- Nada! Vá para casa... Seu pai me odeia!

= 3 =

Alex e Paulinho se calam.

Fechados em “copas”, guardam seus rancores e desconfianças, enquanto esperam por notícias.

Por volta das 23 horas, souberam por uma atendente, da chegada de uma, meia-irmã que estaria sendo aguardada por Marília.

Meia hora depois, as irmãs deixam à clínica, sem falar com ninguém, ignorando os chamados dos rapazes que aguardavam ansiosos na recepção. Em seguida, alugam um carro, e, com o dedo em riste, Marília aponta em direção aos rapazes, com “ar de deboche”, e segue no táxi.

Atônitos, Paulinho e Alex sentem a aproximação de um idoso, neurastênico, com uniforme branco, parecidíssimo com “Seu Antônio”, que sem mais, nem menos, diz ( com postura de mestre de cerimônia):

-Senhor, a moça de nome Marília só veio buscar um exame de sangue, cujo resultado duvidoso tem que ser confirmado.

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De repente, o som agudo e estridente da campainha, do quarto de seu Antônio, somado a sirene de uma ambulância, corta a madrugada chuvosa, silenciando falas, estilhaçando amizades.

Niterói, em 26.02.013

Ronaldo Trigueiros Lima

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 08/03/2013
Reeditado em 08/03/2013
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