Utopia Existencial

Edi não sabia onde estava, nem de onde viera, nem como fora parar na companhia daquele homem de preto, apenas lembrava da visão escurecer e mergulhar no silêncio, então…

— As pessoas são apenas subprodutos do meio onde vivem. Um amontoado de conceitos, ideias e ideais daqueles que já passaram pela vida. Nada mais são do que uma cópia do passado e de outras pessoas — disse o homem de preto.

Edi fitou profundamente aqueles olhos negros como a noite e misteriosos como a vida e sentiu-se em uníssono com aquele homem. De seu corpo pulsava uma sabedoria flamejante.

— Nada sei sobre a vida e muito menos sobre mim — disse Edi.

— É porque ainda não se conheceu. Está preso ao mundo, se faz a si mesmo pelas experiências dos outros, mas não percebe que tudo parece ser conceitos preconcebidos pela sua própria consciência. Olhe a sua volta e pense um pouco.

Edi remoeu aquelas palavras absorto.

— O que você quer dizer com “conceitos preconcebidos pela minha própria consciência”?

O homem sentou-se no chão e fitou o horizonte esverdeado pelas árvores. Estavam à beira de um penhasco. Começou a falar.

— Jovem, já tentou fechar seus olhos e morrer para tudo aquilo que já aprendeu? Digo, se desconectar de tudo aquilo que você acreditar ser.

— Não, nunca tentei. Como posso me desconectar daquilo que sou?

— Somente quando você morre pra tudo que já aprendeu é que encontrará quem você realmente é. Precisa desapegar-se do mundo e suas experiências. Você é único, Edi, e está chegando a hora de entender tudo, não há muito tempo…

Aquelas palavras estremeceram em seu âmago. Sentiu um misterioso espasmo que vinha do centro de sua cabeça. Era estranho e ao mesmo tempo revelador. Quanto mais ele conversava com aquele homem mais ele parecia se conhecer.

— Não há tempo para o quê? — perguntou Edi.

— Não se lembra? Já olhou para a vida e se perguntou o que ela é em sua profunda realidade? — perguntou o homem de preto.

— A última coisa que me lembro foi que peguei no sono, e agora aqui estou conversando com você. Talvez seja um sonho — Edi sorriu —, não?! — o homem de preto apenas meneou a cabeça em sinal de concordância — E, sim, sempre me faço essas perguntas sobre a vida, mas nunca encontrei respostas, somente crises que me levaram a estados depressivos. Perturbações existenciais que me assombram todas as noites quando olho para as estrelas – Edi olhava para o céu e podia se ver uma profunda tristeza em seu rosto — É lindo e ao mesmo tempo provocante, não?!

— Sim, meu jovem — o homem de preto sorria para Edi — Mas não mergulhe na melancolia por não obter as respostas. A complexidade da vida só é causada pela nossa percepção mental. Uma vez que nascemos neste mal existencial, toda a verdade da vida passa a existir em nós como essência, por conseguinte, onde mais estaria a verdade senão em ti mesmo? És possuidor de todo o universo, ambos vivem um no outro, feitos da mesma substância e detentores de um único ser.

Aquele homem misterioso que parecia ter saído dos sonhos de Edi dizia coisas profundas, com sentidos excêntricos, mas que mexiam profundamente com ele. Era como se cada palavra fosse um passo ao autoconhecimento.

— Como pode ter tanta certeza do que fala? — perguntou Edi.

— Não possuo certezas; a certeza só existe como possibilidade de existir, certeza é a identificação do ser com o mundo e só existe relativamente. Não existe certeza, nem incertezas… existem apenas possibilidades.

— Isso soa um pouco paradoxal, não?! — disse Ed.

—Sim. A vida é um complexo paradoxo.

— Mas como posso descobrir a verdade de algo que se contradiz? — Edi repousara a mão no queixo, pensativo. — Não consigo entender, não faz sentido.

— Você primeiro precisa aceitar o paradoxo da vida. Precisa aceitar a relatividade da vida. Precisa entender que você e a vida são um só, e toda contradição que existe na vida exterior é somente um reflexo daquilo que você é por dentro. Uma vez que reconhecer que os enigmas da vida nada mais são do que seus próprios enigmas, reconhecerá que nada precisa ser conhecido, pois tudo já existe em ti mesmo. Você se torna o próprio enigma assim como a solução dele. Não é necessário desvelar esta vida paradoxal, somente aceitá-la como paradoxal. Aceite a vida, e assim aceitará a ti mesmo. Toda divisão acaba quando percebemos esta verdade. A divisão é aquilo que causa o mal no mundo. O mundo é dividido porque você está dividido. O mal existe porque você cria o mal dentro de si mesmo. Existe um ditado no mundo que diz: Se queres mudar o mundo, comece mudando a ti mesmo…

O silêncio manifestou-se por um longo tempo. Sentados sobre a grama verde, o crepúsculo anunciava-se horizonte além, contemplavam as nuvens e as cores cintilantes que manchavam os céus como numa pintura em abstrato. Edi sorria ao ver tamanha exuberância. O homem de preto quebrou o silêncio dizendo:

— Está vendo tudo isto? Tudo isto faz parte de você. As estrelas não são tão distantes que você não possa tocá-las.

— Bem que gostaria — gesticulou Edi, soltando um sorriso nostálgico.

O homem de preto apontou para uma formiga que carregava uma folha com o dobro de seu tamanho, e disse:

— Olhe para esta formiga trabalhando incansavelmente, mesmo de noite ela ainda continua a trabalhar. Sentimo-nos tão superiores olhando-a daqui de cima, não?! Mas não deveria ser assim. Este pequeno ser é tão ligado à vida do que todos os humanos juntos. Não possui o senso moral nem a razão, não sabe que existe além de suas próprias necessidades. Essa ausência de conhecimento faz deles detentores de toda verdade. Passam a ser a própria verdade. Não precisam conhecer nada, pois o fato de nada conhecerem faz deles detentores de uma sabedoria além da dos humanos. Não estão limitados ao conhecimento alheio, cada ser é único, ao mesmo tempo em que é tudo. Como peças de um quebra-cabeça complexo; cada peça é essencial para dar forma ao universo. A razão evoluiu no ser humano para que ele visse o espetáculo de fora da peça teatral, para que fossem os olhos do próprio universo olhando a si mesmo, mas por conta disso caíram nas armadilhas da ilusão da razão, crendo apenas no que pode ser visto pelos olhos…

Edi não respondia nada, estava tomado por pensamentos profundos, mergulhado dentro de sua mente. As palavras daquele homem misterioso pareciam vir de dentro de sua cabeça. Ele sentia uma ligação profunda com aquele homem.

— Acho que você logo sentirá a verdade. Está chegando a hora — disse o homem de preto. — Está começando a entender tudo, a dualidade que habitava em ti está desaparecendo.

Edi não respondia, continuava mergulhado em pensamentos, absorvendo tudo aquilo que ouvira.

O homem de preto levantou calmamente e apontou para o horizonte. Estava sorrindo. O mundo começara a se desconectar de suas partes. Gigantes blocos de cubos contendo partes do mundo subiam aos céus e desapareciam no negrume da noite.

— Chegou a hora! — o homem de preto fitava Edi profundamente dentro dos olhos – Você está morrendo para tudo que acreditou ser. A ilusão está de desfazendo.

Edi continuava em silêncio, sentado sobre uma pedra, fitando o chão, a mão direita apoiada no joelho e escorada no queixo. Não estranhou a loucura que estava acontecendo a sua volta, parecia indiferente. Ergueu a cabeça e olhou para tudo à sua volta. Ele apenas sorriu. A verdade aos poucos parecia brotar por si só dentro dele.

— Quem tu és — perguntou Edi.

O homem de preto sorriu.

— Esperava que me perguntasse isto. Quem mais pode revelar a verdade a ti senão você mesmo?

Edi sorriu. Não se surpreendeu, pois tudo estava lhe parecendo conhecido muito antes da sua consciência perceber. Ele apenas sabia.

— Nunca existiu nada além de você — o homem de preto se aproximou de Edi — tudo sempre esteve dentro de ti. A razão que brotou nos humanos foi concebida pelo universo para que o mesmo assistisse o teatro da existência de uma perspectiva que nenhum outro ser poderia ver. Você é como os olhos do universo. Quando a razão evoluiu em você, acabou se perdendo na ilusão do conhecimento. Nunca houve nada que você não soubesse. Tudo sempre esteve em você.

O horizonte já não existia mais. O mundo parecia ser tragado para além da inexistência. A lua desfigurava-se apagando seu brilho e deixando o mundo nadar no negrume desconhecido. Só o que ia restando era a escuridão sem fim. Ao lado de onde estavam os dois, as pedras começaram a subir lentamente. A grama se desprendia do solo subindo até os céus, sumindo na escuridão. As estrelas haviam se apagado. Só o que ainda restava era aquele pequeno lugar onde estavam.

O homem de preto pousou a mão no ombro de Edi e fez sinal que se levantasse.

— Venha comigo.

Deram alguns passos e pararam.

O homem de preto começou:

— A existência de tudo aquilo que há, agora mergulha na eternidade. Um tempo no agora mas que contém todo o infinito em apenas um instante. Agora que você entendeu que não existe exterior, volte ao berço da existência e — neste instante o homem de preto começara a se desvanecer no ar. Ele sorria. — sonhe outros sonhos, e melhores!

Nada mais restou do homem de preto a não ser seus pequenos pontos luminosos que entraram no corpo de Edi.

A escuridão engoliu o mundo todo. Edi nem mesmo entendera o que o homem dissera, ele simplesmente soubera que sempre estivera ali, e em tudo ao mesmo tempo. Quando o véu que o limitava de conhecer a verdade fora rompido, ele nem mesmo percebeu, nem mesmo compreendeu esta verdade, ele apenas sabia o que sempre soubera. A hora havia chegado, ele sentia isto correndo pelas suas veias. (Hora de quê?) Edi habitava uma escuridão infinita. Seu corpo aos poucos foi perdendo a forma e transformando-se em partículas brilhantes que permearam uma dimensão imensurável. Caíram sobre a face das trevas banhando o negrume com a sua consciência. E disse:

— Faça se a luz.

***

— Alô. É da polícia, quem gostaria?

— Meu nome é Carlos, estou ligando pra dizer que houve u… um… suicídio aqui em casa.

— Qual o nome da pessoa?

— Edson do Santos, meu irmão. Perdemos o pulso dele faz alguns segundos.

— Como ele se matou?

— Corte profundo na jugular esquerda…

— Ele mencionou alguma coisa antes de morrer?

— Só disse…

“Estou ponto”

Nishi Joichiro
Enviado por Nishi Joichiro em 05/03/2013
Reeditado em 14/06/2013
Código do texto: T4173016
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