O Substituto do Rei
Sua majestade reuniu todos os seus conselheiros no grande salão ao lado da sala do trono. A comprida mesa recebeu as figuras mais importantes de todo o reino. “O que quer o grande monarca; por que nos reuniu; qual a razão deste almoço tão especial”? Todos se perguntavam.
- Meus amigos – começou dizendo o rei – já estou velho e sei que não vou durar muito tempo. Por isto reuni-os aqui para escolher dentre vocês o meu substituto. Como não tenho descendentes eu mesmo nomearei aquele que irá governar a nossa província. Esta caixa de madeira que veem a minha frente conterá, a partir de agora, o nome do próximo rei e só poderá ser aberta após minha morte.
Dizendo isto, escreveu em um pergaminho um nome, dobrou-o e o colocou dentro da caixa, trancando-a devidamente. Ordenou que a levassem para a sua cabeceira e ali a depusessem. O almoço transcorreu em meio a muitas indagações; a curiosidade dominou o ambiente, mas ao final todos se retiraram e retornaram aos seus afazeres de rotina. Nos meses que se seguiram uma série de estranhos assassinatos começou a ocorrer na província. Dos dezoito conselheiros do rei, quatro foram mortos, o que trouxe a suspeita de um complô para eliminar aqueles vistos como favoritos de sua majestade para ocupar o trono após sua morte.
Em seguida a esta sequência de crimes que nada trouxe de concreto para a descoberta do favorito do rei ocorreu o roubo da caixa secreta enquanto dormia Sua majestade. Diga-se de passagem, que este acontecimento foi ainda mais misterioso do que as mortes porque, sendo muito reforçada e segura a guarda do rei como poderia alguém de fora penetrar em seus aposentos e surrupiar a caixa contendo o grande segredo? Descobriu-se em seguida ter sido um dos guardas responsáveis pela segurança dos aposentos reais, sobrinho de um dos conselheiros, o cabeça da facilitação do roubo. O guarda foi enforcado e o conselheiro chamado à presença do rei.
- Caliosto! Por que cometeu esta tolice de me roubar a caixa? E eu, que o tinha na conta de um grande e honesto conselheiro.
- Desculpe-me, Sua majestade. Foi um momento de grande fraqueza e que, prometo ao meu rei, nunca mais me ocorrerá; por favor, não me mande para a forca!
- Por que acha que devo poupar sua vida? Você traiu minha confiança!
- Sim, meu rei. Perdoe-me por isto. Mas, me diga: não havia nome algum dentro da caixa; o papel estava em branco. O que pretende?
- O futuro rei será o escolhido por mim; ainda estou me decidindo. O que fiz foi uma estratégia para verificar a inteligência e a honestidade de cada um de vocês. Vou poupá-lo da forca se, em duas semanas, provar-me que tem capacidade de assumir este reinado ou se escolher, entre vocês, o verdadeiro candidato.
Caliosto, usando de astúcia e maldade, indicou Fiorenzo como o conselheiro ideal para assumir o trono na falta do atual rei. Sua majestade aceitou esta escolha porque também gostava muito de Fiorenzo.
- Fiorenzo – disse o rei – você precisa ter cuidado com Caliosto porque deve pretender assassiná-lo.
- E porque ele faria isto, sua majestade?
O rei então explicou o que acontecera e da conversa que teve com Caliosto. Fiorenzo, então, para garantir que nada de mal lhe sucedesse e, também, de olho no trono, acabou por planejar e colocar em execução o assassinato de Caliosto, fazendo com que tudo parecesse um acidente. Mas, aos olhos de Sua majestade era mais um crime dentro do palácio e o rei se tornou triste e preocupado com o rumo que a situação estava tomando. Decidiu então realizar nova reunião entre seus conselheiros.
- Desde que me dispus a passar o meu trono para um de vocês só tenho presenciado inveja e maldade dentro do meu reinado. Sendo assim volto atrás e não mais designarei um conselheiro para rei após minha morte. Vou estipular um plebiscito e deixar que o povo escolha aquele que, sob sua avaliação apresente os requisitos para governar a província. Não quero deixar atrás de mim um reinado de perseguição e de mortes.
Passados alguns anos morre o rei e um plebiscito é realizado. Obrigou-se, o conselho, a designar uma assembleia de juízes, encolhendo, entre a população, os mais idosos e experientes em leis. Após semanas de discussão, em que uma junta provisória governou a província, optou-se pela livre candidatura de cidadãos para assumir o trono. O povo escolheria, entre seus próprios cidadãos, o candidato ideal. Abriu-se a inscrição, todos devidamente registrados e, no dia marcado, tudo parou em nome da votação. Devidamente apurados todos os votos, escolheu-se um homem do povo, amado e conhecido por suas constantes boas ações dentro da pequena província, sua inteligência e sabedoria para resolver os problemas mais intrincados quando estes se apresentavam diante do rei.
Nunca aceitara ser conselheiro, embora não faltassem os convites. Preferia ficar de fora, observando e opinando. E assim fez. Sabia que, na ocasião certa chegaria ao trono, de tão amado que era pelo seu povo. Como conselheiros, manteve os mesmos que pertenciam ao antigo regime, com muito poucas mudanças. Foi um conselho eficiente que trabalhou ao seu lado, auxiliando em todas as questões do reino e este prosperou infinitamente, destacando-se entre todas as suas colônias vizinhas.
O tempo passou sem que grandes acontecimentos conturbassem ou projetassem aquela província. Porém, muito comentada e sentida foi a morte do grande rei, escolhido entre o povo, que conseguira torná-lo pacífico e feliz. Era esperado um fim tranquilo para aquele monarca, mas não foi o caso. Dadas às circunstâncias estranhas em que o fato ocorreu, tudo permanece até os dias de hoje sem solução. E ninguém descarta uma trama dentro do seu próprio corpo de conselheiros, que resultou num assassinato. É o mais provável, por uma simples razão: a ganância pelo poder vai sempre dominar a mente do homem, mesmo sabendo que o poder sem sabedoria tem o seu lado cruel, às vezes só descoberto quando já se está por ele demais envolvido e é impossível voltar atrás.