Cruzamento Perigoso

Lá estava eu, em uma rua pouco iluminada de Curitiba, com os meus fones de ouvido ouvindo algum tipo de classic rock. A calçada era ladrilhada em quadrados pretos e brancos, eu optei por pisar somente nos brancos. Eram bonitos e incrivelmente limpos.

Eu geralmente caminho sozinha à noite, prefiro a companhia do barulho dos carros acompanhado das minhas músicas.

Não falo com estranhos. Mas naquela noite algum sentimento de culpa me subiu à cabeça caso eu não fosse falar com aquela criança sentada no final da rua, nos ladrilhos pretos.

- Oi.

- Oi – disse ela com um tom desconfiado.

Ela aparentava ter entre 10 a 12 anos; não se vestia mal, embora suas roupas estivessem rasgadas e sujas, eram roupas bonitas.

Não sabia muito que falar com aquela “pobre” criança – aliás, não sabia se ela era pobre ou se só estava perdida.

A criança olhava para mim com seus olhos verdes de piedade e em seguida murmurou:

- Foi de maneira brusca, de repente. Não podíamos fazer mais nada.

Lágrimas correram pelo rosto da criança limpando algumas marcas de sangue que ali havia.

Não entendi, para ser bem sincero. Mas estava com medo de pedir por uma explicação e pedi, somente, se ela sabia algum telefone o qual ela quisesse ligar – eu emprestaria meu telefone.

Fiquei sem resposta e sem paciência. Dei de ombros e continuei andando.

- Por favor! Me ajude! – ela gritou com soluços chorosos.

Não abandonaria uma criança à beira da calçada, que monstro o faria?!

Voltei às pressas e desta vez com coragem para pedir o que aconteceu.

Foi então que ela disse algo totalmente sem sentido:

- Na próxima quarta-feira, 12/12/12, estarei num ônibus londrino de dois andares e o motorista, alcoólatra, estará alcoolizado. Nesta rua ele atingirá 120km/h e perderá o controle do veículo, tombando-o nestes lindos ladrilhos preto e branco. Você é a única pessoa que passará por aqui antes que qualquer socorro apareça. Por favor, estarei na poltrona número 24 e estarei presa entre as ferragens, me ajude e salvará minha vida.

Eu estava drogado ou o que aquela menina disse não fez nenhum sentido?! Eu olhei para os lados confuso e de repente a garotinha havia desaparecido.

Durante dias não consegui dormir. Passei por aquela rua todos os dias. Nada da menina, nada de ônibus. Faltavam 3 dias para quarta-feira.

Oh Deus, os dias nunca demoraram tanto!

Quarta-feira, pedi folga no trabalho e passei o dia todo naquela rua, esperando pelo ônibus e pela garotinha. Foram horas de angústia.

Já era passado de meia noite e eu estava sonolento sentado nos ladrilhos brancos. Levei um susto quando vi dois faróis gigantes em minha direção e me joguei para o meio da rua. Lá estava. O ônibus tombado nos ladrilhos onde eu sentei por horas naquele dia. Não ouvi um pedido de socorro e as ruas estavam completamente vazias.

Entrei no veículo e fui diretamente à poltrona 24 para ver se aquilo realmente acontecera. E de novo vi o rosto daquela meiga criança, não mais “pobre”. Coberta de sangue, a desprendi das ferragens e a carreguei para fora. A tempo liguei para os bombeiros com pedido de emergência.

Todos os passageiros sobreviveram. Os bombeiros acreditam que eu tenha sido um milagre, estar no local e hora certas e salvar a única pessoa que seria a vítima fatal do acidente.

Eu não fui o milagre, meu destino, simplesmente, cruzou com o destino de uma alma perdida pelas ruas de Curitiba.

E a partir daquele dia, todas as noites eu caminho pelos mesmos ladrilhos preto e branco a procura de outros destinos.

Luana de Bortoli
Enviado por Luana de Bortoli em 21/02/2013
Código do texto: T4152313
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