Da Sacada
Sonhava. Olhava pela janela e achava a vastidão do mundo tão desconcertante e tão encantadora que dava um nó na garganta. Com uma lufada de ar, desfazia o nó e se embebia em pensamentos. Passava noites a fio olhando para a Lua, como se dela fosse saltar um anjo e dar-lhe de presente asas. Contemplava as estrelas como se fossem eternas, elas e ela. Reclamava ao Sol quando este se sobrepunha ao brilho prateado de suas amigas da noite. Esperava silenciosamente o dia todo, para à noite voltar a ver seus tão amados corpos celestes.
Sonhava ser um deles, pendurar-se no céu e brilhar, brilhar como nunca, brilhar como sempre. Pega-va se às vezes quase pendurada na sacada da varanda, tentando alcançar a beleza impossível das estrelas. Depois sentava-se no chão e deixava que a Lua iluminasse as lágrimas salgadas que se precipitavam de seus olhos enquanto esvaziava-se do peso da consciência de não estar no céu.
Um dia, decidida a não mais se manter presa, apagada, roubada, quebrada, isolada no alto de uma torre de amargura e desgosto, pulou de seu cativeiro, voou em direção ao céu e em seguida em direção ao chão. Partiu-se, enquanto sua alma inteira alcançava as estrelas. Enfim, brilhou. Alcançou o mais alto grau de felicidade jamais visto. Explodiu. Virou constelação de fogo, ardendo na forma de sua liberdade: a forma de asas.