O HOMEM-PÁSSARO
Nair Lúcia de Britto
Naquela manhã eu estava sobre a pia da cozinha, lavando a louça do café. O pensamento leve e ainda sentindo na bôca o gosto agradável de café com leite.

De repente, o estranho barulho vindo do meu quarto despertou-me a atenção. Assustada, eu corri até lá para ver o que era.

Ora... ora... Era nada mais, nada menos do que a minha gata, Michela, tentando abocanhar um passarinho... Mas ele, ágil,
escapava, voava em círculos, aparvalhado, sufocado pelo empenho dela...

-- Michela, Michela! -- eu gritei. -- Não faça isso! Deixe já o pobre bichinho! -- Mas qual, Michela não me ouvia, nem considerava as minhas palavras. Com a pata estendida, pulava e pulava... tentando alcançar a sua presa.

Olhei, num relance, para o passarinho apavorado. Como ele era lindo! Seu corpinho era todo branco e, sobre ele, sobressaíam as asas muito azuis... Num gesto rápido catei minha gata e fechei a porta do quarto.

Lá deixei o passarinho são e salvo! Só depois tive tempo de

refletir o que eu faria com ele... tão lindo, eu o queria para mim. Fui até a janela da área de serviço e chamei minha vizinha:

-- Por favor, você tem uma gaiola vazia para me emprestar?Voou aqui para dentro de casa um passarinho!... Não posso perdê-lo, ele é tão bonito! -- É mesmo?! Por sorte, tenho sim uma gaiola guardada. É só vir buscar.

Peguei a gaiola, mas antes de abrir a porta do quarto, senti-me tomada por um súbito remorso. Pobrezinho! Salvar-lhe a vida, para depois aprisioná-lo. Que triste destino eu queria lhe dar...

Não! Eu iria soltá-lo!

Já estava decidida quando abri a porta e tive uma grande

surpresa! Não era mais um passarinho que ali estava. Era

uma bela ave, quase do tamanho de uma criança... Como

podia ser aquilo?!

Preocupada em libertar a ave, não fiquei me questionando nem buscando respostas. Fui até a janela da sala... Lá fora, o céu estava sem nuvens, todo azul... assim como a grande piscina, lá em baixo.

Sem mais demoras, soltei o pássaro para que ele fosse em direção ao infinito, mas ele em vez disso mergulhou na piscina.

Atônita, vi quando ele retornou à tona. Outra transformação inexplicável! Da cintura para baixo ele era ainda um pássaro; mas, da cintura para cima, era um homem jovem e bonito!

-- Vá... vá... pode ir! Você está livre! Quero que seja feliz!

Disse-lhe acenando um adeus, o coração doído...

-- Mas eu não quero ir embora! Quero ficar aqui contigo!

Eu te amo! Eu só não quero que você me ponha numa gaiola!!!

Ilustração:  Arte de Marcus Vincent (Wounded Bird)

 

Nair Lúcia de Britto
Enviado por Nair Lúcia de Britto em 28/01/2013
Reeditado em 09/05/2020
Código do texto: T4109995
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