Caminhando Pelas Pedras
11h30min da manhã e ainda não dormi. Não consigo ficar de pé. Meus olhos estão inchados e minha boca está seca. Meu estômago ronca e não consigo ao menos falar. Você, caro leitor, deve estar se perguntando o que está acontecendo comigo, se é curioso. Caso não seja, está apenas lendo isto por ler.
De qualquer modo, estou sofrendo, pois algo me perturba muito. Não é dor. Não é saudade. Não é nada dessas coisas melosas e dramáticas. Vou contar-lhe a história mais real e abstrata que já ocorrera comigo.
Era um tarde como todas as outras. Estávamos um amigo meu, e eu dando uma volta pela cidade. Estava aberta uma excursão pela torre histórica do local. Thiago convidou- -me a subir, para saber se eu realmente tinha medo de altura. Aceitei, apesar de realmen-te ter medo. Subimos até a parte mais alta e ficamos vendo o pôr do sol no mar.
Ele realmente gostava de mim, mas eu não sou do tipo ‘apaixonada’.
Foi de um momento a outro que meu corpo parou e cai no chão. Durante meus momentos de inconsciência, tive uma pequena e turbulenta visão: A torre, lua, beijo, decepção, pedras, grito, pânico, morte, água, perturbação, desespero... Duplo suicídio. De repente, acordei com Thiago preocupado ao meu lado.
- Você está bem?!
- Sim, sim. Apenas um pouco confusa.
- Caramba, não faz mais isso! Assim você me mata...
Não pude conter a expressão de dúvida. Ele realmente era apenas um amigo para mim. Reparei que estávamos sozinhos, todas as pessoas que estavam ali, havia sumido. Thiago ficava olhando para mim, com cara de apaixonado e sorriso malicioso. Ele era um garoto de 16 anos, cabelo castanho, estatura média, com mais ou menos 1,70 m. Eu tinha apenas 13, cabelos negros e lisos, uns dois quilos acima do peso e pouco mais de 1,65 m.
Como em toda ‘cena romântica’, a lua estava enorme, e então houve o momento em que ele segurou minha mão, me puxou para perto dele e beijou-me. Tentei fazê-lo soltar-me. Quando finalmente consegui, ele olhou para mim com o sorriso malicioso novamente. Aquele sorriso não saia da minha cabeça. Tentou desabotoar minha blusa, mas me recusei àquilo.
- O que foi?
- Não vou fazer nada com você!
- Vamos lá princesa, eu te amo...
- Pode ser o que for. Eu não irei fazer nada!
Neste momento, ele me soltou subiu na beirada de pedras que tinha do alto da torre e disse –‘Já que você não me quer, o inferno irá querer. ’ Começou a caminhar nas pa-redes e pulou. Dei o grito mais forte que pude, mas tive tempo apenas de vê-lo cair na água.
Entrei em pânico, desci da torre correndo. Quando cheguei à beira da água, gritei seu nome. A única coisa que eu conseguia ver era a lua. Enorme, brilhante e traiçoeira. Pura vidente do desconhecido. Alma da noite. Sonho dos dias.
Fui chorando para casa. Era um dos meus melhores amigos. Quando a família soube, ficou arrasada, se mudaram daquele local e a torre jamais foi visitada novamente. Era o fim dos meus dias de sossego. Thiago deixou saudades.
Fui dormir naquela noite, com a cena rodeando minha mente. Nada me perturbava mais que a culpa. Tive uma noite de sono turbulenta, até que acordei com um barulho vindo da cozinha. Não sou muito do tipo corajosa, mas senti algo quente me fazendo ir lá, e algo frio me empurrando. Era o vento. Levantei-me e a cada passo que dava, o barulho se tornava mais intenso.
Quando entrei na cozinha, não pude crer na cena: Thiago, sentado em uma cadeira, amolando uma faca e sorrindo para mim. Sempre aquele sorriso. Eu cheguei mais perto e perguntei o que ele queria. –‘ Vim te buscar meu amor. ’ Neste exato momento tentei gritar, mas não saía nada de minha boca.
Depois daquilo, não me lembro mais de nada. Acordei com meus pais ao meu lado. Eles não o viam, mas eu enxergava claramente Thiago ao meu lado, sempre sorrindo. Continuei meu dia como se nada tivesse acontecido. A cada momento em que eu me lembrava da cena, eu olhava para o lado e o via com o rosto feliz, falando: -‘ Estou te esperando meu amor. ’ Ele me atormentou dia e noite. Todos os nasceres de sol. Todos os crepúsculos que se vinham e iam. Não consegui dormir, não consegui comer.
Voltamos ao primeiro parágrafo, onde são 11h30min da manhã e estou completa-mente acabada. Thiago ainda me espera. Ele sempre está lá... Sentado, sorrindo e amolando sua faca. De que servia aquela faca? Era um mistério. Tentei ir dormir esta noite e novamente tive a visão. Mas desta vez, era eu, na torre, subindo no muro e dando meu ultimo suspiro a Thiago. Acordei e percebi que era assim que deveria ser.
Em meio à madrugada, estava eu ali. Sozinha, com frio, e a Thiago olhar. Nos meus últimos minutos, subi no muro e Thiago ao meu lado. Olhei para ele e perguntei se era aquilo que ele desejava. Ele se afastou um pouco, andei sobre o muro até ficarmos frente a frente. Ele estava do mesmo modo como morreu.
Virei para ver a lua. Ela estava densa. Pouco opaca e brilhosa, mas de qualquer modo, reinava soberana sob o céu estrelado. Era linda, uma das mais lindas que já tivera visto em toda a minha vida. As estrelas brilhavam igualmente opacas, se desfazendo sob a névoa. Respirei fundo e pulei.
Senti o impacto da água, e quando tentava subir, o beijo de Thiago me sufocava, seu peso batia contra meu corpo, me deixando cada vez mais funda. Enquanto a luz da lua ia sumindo com a superfície, meu corpo ia se desfazendo até se perder no mar.
A ultima coisa que lembro, é de estar em um lugar claro, com muitas nuvens... Thiago estava ao meu lado. Calmo e mais feliz que antes. Eu não sabia onde estava e nem onde iria. Mas de algo eu tinha certeza: Aquilo era real, e eu jamais voltaria. E caminhando pelas pedras, fomos até o infinito. Era o começo do nosso fim.